Entrevista – Eugênio Sávio

Eugenio Sávio

Imagem, uma ferramenta contemporânea

Dono de uma vasta experiência como profissional da fotografia, com inúmeros trabalhos nas áreas de fotojornalismo e publicidade e, há 28 anos, professor de fotografia na PUC Minas, Eugênio Sávio — cujo talento é refletido pela qualidade e pela diversidade das imagens que produz — é também o responsável por um dos mais importantes festivais de fotografia do Brasil, o Festival Foto em Pauta— realizado desde 2004, em Belo Horizonte. Já o Foto em Pauta, evento anual que acontece em Tiradentes, vai para a 7ª edição em março deste ano. Nesta entrevista, além de refletir sobre a fotografia e a profissão de fotógrafo, Eugênio Sávio fala sobre o potencial turístico de Tiradentes e faz uma análise franca sobre tudo o que viveu e aprendeu em todos esses anos de existência do Festival Foto em Pauta.

Por Cézar Félix
Fotos Márcio Rodrigues

 

— Como o senhor avalia o Festival de Fotografia de Tiradentes, próximo de realizar a 7ª edição do evento?

— O festival é um desdobramento do projeto Foto em Pauta, que realizo desde 2004, em Belo Horizonte, como um programa de palestras de fotógrafos que apresentam seus trabalhos. Depois de sete anos realizando esse projeto, em 2011, conseguimos realizar o festival em Tiradentes, um sonho antigo. Por eu ter participado de diversos festivais, tanto no Brasil quanto no exterior, concluí que Minas Gerais também mereceria ter um festival de fotografia. Naturalmente Tiradentes é uma cidade vocacionada para sediar eventos, cidade histórica, um ícone nacional, atrai público do Brasil inteiro, além de ter uma infraestrutura muito interessante para viabilizar esses encontros. A primeira edição foi muito bem-sucedida. Reunimos um ótimo grupo de fotógrafos de Belo Horizonte, para idealizar o primeiro evento, e foi muito bacana. Apareceu muita gente de fora, muitas pessoas interessadas. De lá pra cá, nós fomos aprimorando até chegar a essa 7ª edição, de 2017. Hoje, posso afirmar com muita segurança que trata-se de evento consolidado do ponto de vista da expectativa do público brasileiro como um todo. É claro que ainda temos dificuldades para conseguir recursos para tocar o projeto, especialmente nestes tempos da economia retraída. Nós temos a ambição de levar o festival mais além, porém, para isso, é preciso angariar novos patrocínios, algo a que tenho me dedicado.

— Mas o que significaria avançar com o festival?

— Eu acho que nós podemos produzir mais exposições, trazer mais convidados internacionais, gostaríamos de produzir um catálogo anual. Não há dúvida de que o Festival ainda tem outras possibilidades para avançar, mas tudo ao seu tempo, aos poucos. Nós estamos numa pegada firme e vamos tocando em frente.

— Como o senhor avalia as respostas não só dos fotógrafos profissionais, mas também das pessoas interessadas que já participaram do festival?

— Os festivais, de forma geral, são plataformas muito importantes neste mundo de hoje, nesta época de mundo conectado pelas redes sociais. Por isso mesmo é que torna-se ainda mais significativo conseguirmos reunir em uma mesma cidade, em um mesmo espaço, pessoas com interesses e ambições semelhantes. É algo muito transformador. Reunir personalidades de relevância, como críticos, editores, artistas, jornalistas, autores, proporciona excelentes resultados para quem participa, para quem comparece. Você mostra seu trabalho, fala sobre seu trabalho, ouve alguém falar do trabalho de alguém; troca ideias de uma forma presencial, muito próxima; você debate, aprende e evolui. Além do mais, oferecemos muitos cursos, cerca de 15 por ano; muitas palestras; mais de 20 livros são lançados, com a presença dos autores. É uma quantidade muito expressiva de eventos nos cinco dias do festival. Isso influencia positivamente na produção das pessoas. É interessante também o fato de o Festival acontecer no começo do ano, logo depois do carnaval, inaugurando a temporada. É um momento em que as pessoas estão ali, juntas, refletindo sobre o ano anterior e lançando também ali o caminho para o ano que segue.

— Sob o ponto de vista de Tiradentes como destino turístico de grande potencialidade, qual é a sua análise a partir da experiência com o Foto em Pauta?  

— O que acontece com a cidade de Tiradentes é realmente um fenômeno muito expressivo para o Brasil. Ali se formou um cenário espetacular de natureza e arquitetura, do casario histórico, de um magnífico patrimônio histórico de igrejas, de museus e de uma expressiva produção artística. Em torno de uma cidade que é linda e importante, agregou-se muita gente interessante, cidadãos que representam uma comunidade atuante. São pequenos empresários, que montaram negócios como hotéis, pousadas e restaurantes; todos com visões positivas, empreendedoras. São muito trabalhadores e entendem que a dinâmica dos eventos é importante para o município. Um dos motivos para o sucesso alcançado pelo festival de fotografia se deu em função da parceria com esses empresários e com a população de Tiradentes como um todo. Eles nos receberam muito bem, nos apoiam, divulgam, convidam pessoas e efetivamente participam do evento.

— Em resumo, na opinião do senhor, Tiradentes é um destino turístico já consagrado.

— Tiradentes apresenta, sim, todas as características de um destino turístico consagrado. Eu não me lembro de alguém que, nesses sete anos, tenha sido convidado para participar do festival e tenha declinado do convite. Todo mundo quer ir para Tiradentes. A magia não é só o festival, mas também a cidade de Tiradentes. O que acontece normalmente é o convidado levar acompanhante, família. A cidade atrai mesmo! É um tesouro de Minas Gerais que precisa continuar nessa vocação, ser trabalhado como um grande destino, pois realmente as pessoas partem de lá felizes e realizadas. Eu argumento que estar no festival é uma experiência não só de viver o evento, de estar diante, de reverenciar a arte, mas também de estar diante daquela população, que a todos acolhe tão bem. Coisas de mineiros, difícil de explicar…

— De acordo com a sua experiência, como profissional da fotografia e, é claro, como produtor de tão importante festival, como o senhor analisa a fotografia brasileira hoje?

— A fotografia brasileira hoje é extremamente conectada com a realidade mundial. Ela é atuante, ela é de alta qualidade, e temos evoluído continuamente. Essa evolução é vista e devidamente registrada em uma série de eventos que acontece em diferentes regiões do Brasil, como fóruns, congressos e festivais. As universidades também têm um papel muito importante para elevar o nível da educação e da formação profissional. Há no Brasil um conjunto de profissionais envolvidos na questão da fotografia contemporânea, artística e autoral que faz com que ela esteja atualizada e muitas vezes na vanguarda do que acontece nos principais centros do mundo. Em Minas Gerais nós conseguimos praticar uma reflexão sobre a fotografia que acaba influenciando diretamente na produção mineira. Os mineiros estão bem situados, com uma produção relevante, de alta qualidade técnica e estética, dentro do cenário contemporâneo. Não tenho receio em afirmar que os 13 anos do Foto em Pauta e os sete do Festival de Fotografia de Tiradentes — além de outros vários importantes eventos que acontecem em Minas — colaboraram para essa evolução. Não posso deixar de citar esta Revista Sagarana como um espaço de grande relevância para a fotografia.

— Com relação à fotografia na era digital, como vislumbrar o futuro da produção de imagens?

— Eu acho que o digital é uma questão já superada, são mais de 20 anos de convivência com a era fotográfica digital, hoje uma coisa corriqueira, normal. A grande transformação está intimamente ligada às redes sociais, ao fenômeno do compartilhamento, ao fenômeno de a imagem se manter tão presente na vida da gente, circulando tão facilmente. Ocorreram mudanças profundas na cultura e na sociedade a reboque da era digital e da maciça difusão da imagem por meio das networks. Essa nova ordem transformou a realidade do profissional de imagem. O que acontece hoje é que temos muitas questões em aberto na fotografia publicitária e no fotojornalismo, principalmente no que se refere às questões de mercado. Vivemos uma época de ajustes, que vai exigir ainda um longo tempo de observações, de estudos e de compreensão. Porém, no que diz respeito à fotografia autoral, entendo que não houve uma transformação tão expressiva assim. A questão de o artista se expressar independe da ferramenta: seja por meio de uma pedra de litografia seja por meio de um computador, é sempre um artista querendo construir o seu discurso, o seu trabalho. Por isso, naturalmente, há muitos artistas envolvidos nessa questão da arte digital, que envolve fotografia e vídeo. Não é à toa que argumentamos que o Foto em Pauta é um festival de imagem, e não tão somente de fotografia. Nós lidamos com mais questões: vivemos um momento da história em que a imagem passou a ser predominante, passou a ter uma importância ainda maior. Daí, surge a justificativa de que o festival não é um evento apenas para fotógrafos profissionais, e sim um evento que lida com a questão da imagem, que está na vida de todos. O nosso público não é formado só pelo fotógrafo, é por qualquer pessoa que se interesse pela imagem e, consequentemente, por quem está antenado com o mundo contemporâneo, com as questões contemporâneas.

— Nas redes sociais, nessa era da grande circulação de imagens, como trabalhar a fotografia com qualidade técnica e estética?

— As ferramentas que os artistas usam hoje também estão nas redes sociais, na imagem em movimento do vídeo. O artista contemporâneo está conectado em tudo, e não somente nas redes sociais. Existem muitos artistas contemporâneos que trabalham com filme fotográfico, com processos que até podemos chamar de antigos, não é? Acho que existe um caldeirão de boas técnicas. Tem gente trabalhando com daguerreótipo, enquanto que, ao mesmo tempo, tem gente trabalhando com fotografias produzidas sem câmera, já no computador — fotografia emulada digitalmente. Acho que não existe regra para se produzir uma boa fotografia. Não! Fotografia boa é produzida por um artista que tem algo a dizer, com um conteúdo, com um discurso, e não apenas a partir do uso da técnica.

— O senhor também é um reconhecido profissional de fotojornalismo. O que mudou no conceito de trabalho do fotojornalista?  

— Eu acho que o jornalismo tem passado por grandes transformações. O discurso da mídia era muito concentrado em alguns jornais específicos e hoje se pulverizou por milhares de sites e blogs. Ainda existem veículos com alguma força, mas há contrapontos o tempo inteiro no universo da web. Do ponto de vista da imagem, também a mídia tradicional deixou de ser o veículo que estampa o fotojornalismo imediato, o hard news. O fotojornalismo circula com mais peso nos sites, blogs e nas redes Instagram, Facebook, Twitter. Consequentemente, a profissão do fotojornalista mudou muito, porque hoje somente os grandes acontecimentos — como Copa do Mundo, Olimpíadas ou grandiosos espetáculos de música — são preparados para a mídia tradicional cobrir. Porém, o acontecimento cotidiano, um acidente em uma avenida de uma grande cidade, por exemplo, quem vai fazer a foto é quem passa por lá naquele momento, com seu smartphone ou tablet. Ou seja, quando o fotógrafo do jornal chegou, o evento já aconteceu, já esfriou, já não existe a foto mais interessante. Isso é uma importante mudança. A outra mudança refere-se à valorização do trabalho do fotojornalista. A pessoa que faz a foto não está preocupada em ser remunerada.   Então, essa imagem circula demais e sem remunerar nenhum profissional. O fotógrafo teve que buscar outras formas para fazer a sua remuneração. Dentre as novas possibilidades, a que ganha mais força como veículo para o fotógrafo se expressar é exatamente uma antítese da era digital: é o livro impresso, que alguns chamam de “fotolivro”, o livro de fotografia. Trata-se de um fenômeno mundial muito forte. O fotógrafo hoje é um autor; o principal veículo para ele mostrar o seu trabalho é um livro.

— Ou seja, o livro de fotografia é uma nova ferramenta de uma nova (e, ao mesmo tempo, antiga) forma de expressão…

— Sim, o livro de fotografia é também uma nova ferramenta contemporânea, pois ele exige um design sofisticado, além da impressão e do acabamento de alta qualidade. Portanto, há um movimentado mercado nessa área, já que são inúmeros títulos. Embora de menor tiragem por autor, a quantidade de livros de fotografia produzidos aumentou expressivamente no mundo. Existem festivais só de fotolivros, Em todos, ocorrem dias ou eventos dedicados especialmente ao livro, com as editoras marcando presença assídua. A internet amplia ainda mais as possibilidades, na medida em que as obras são objetos de interesse de grandes colecionadores de livros de fotografia, além dos aficionados pela imagem. Não há dúvida de que é fenômeno muito interessante. O Foto em Pauta produziu um concurso para edição de livros; vamos lançar agora em março a segunda edição, durante o festival. Recebemos muitos projetos, retorno, inclusive, do ótimo resultado obtido com a primeira edição. É um trabalho em que estamos efetivamente envolvidos.  Queremos ajudar, divulgar e, sobretudo, compreender todo o alcance dessa irreversível tendência de produzir e editar livros de fotografia.

— E, por falar em livro de fotografia, o que o senhor achou da série “Minas de tantos Geraes”, organizada por mim?

— Uma importante contribuição para a iconografia da riqueza imagética de Minas Gerais. Uma edição apurada de imagens realizadas por autores sensíveis e atentos à questão fundamental da produção de imagens: provocar algo, transmitir uma emoção.

— E o mercado da fotografia hoje? De uma forma geral, qual é a sua análise?

— Em um mercado em transformação, o profissional precisa também dominar muitas ferramentas de pós-produção e tratamento de imagem. Como o fotógrafo agora distribui o seu trabalho, a sua mercadoria, de uma forma mais independente, ele tem que buscar alternativas, e isso é necessário porque é uma exigência do mercado de banco de imagens.  Já o mercado de fotojornalismo restringiu-se ao que era há 20 anos, em razão do que já discutimos aqui. A publicidade também mudou muito, justamente pela atuação dos bancos de imagem, que atende aos anúncios nas redes sociais — que cresceram muito —e aos espaços de anúncios na internet. O anúncio tradicional, impresso, valorizava muito a fotografia e, é claro, a sua remuneração, mas a realidade agora é outra. Em compensação, outro segmento, o de eventos, está em expansão, já que não é possível usar banco de imagem. As pessoas também voltaram a consumir o trabalho do fotógrafo profissional. Há 20 anos, não era tão comum você contratar um fotógrafo para retratar a família, e hoje isso acontece. As pessoas estão valorizando mais o fotógrafo que documenta a família, que documenta o bebê, que documenta de uma forma mais profissional os eventos familiares. A fotografia de casamento ganhou imensa força nos últimos anos. É mais uma transformação que vivemos. A verdade é que ainda não sabemos aonde isso vai dar, o que é natural, já que o mundo é dinâmico e em constante mutação.

— Com relação ao seu ofício de fotógrafo profissional, como o senhor se define?

— Eu de fato vivi uma experiência interessante nesses 30 anos de trabalho como fotógrafo. Vivi o momento em que a gente fotografava com filme, tinha laboratório em casa e revelava as fotos. Trabalhei com publicidade, com jornalismo e participei ativamente de toda essa transformação. Porém, por toda a minha vida, sempre fui muito ligado à fotografia como forma de expressão autoral. Viajei muito a trabalho, visitei grandes museus pelo mundo afora e tive experiências em vários festivais internacionais. Destaco o Festival de Perpignan, na França, que foi muito importante para mim. O meu foco hoje está concentrado nessa difusão da fotografia como forma de expressão autoral, e isso tem me dado muito prazer e satisfação. Mais importante que só fotografar é pensar sobre a fotografia. O fato de eu lecionar há 28 anos, na PUC Minas, me obriga — de uma maneira muito positiva — a refletir (e analisar cuidadosamente) todo esse processo de grandes transformações e, assim, passar alguma coisa para os meus alunos e para todos que frequentam os eventos do Foto em Pauta.

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