Massimo Bataglini

Sabores à mesa

O ‘chef’ de cozinha nascido em Veneza, mas belo-horizontino de adoção, pode ser considerado o mais mineiro dos italianos. Proprietário da L’Osteria Mattiazzi e um dos sócios da Salumeria Central — que traz uma proposta diferenciada pelo menu “nada convencional mas com foco na qualidade dos produtos” — Massimo Bataglini afirma que a atividade turística em Minas Gerais deve ser construída em torno da valorização das tipicidades. Para ele, a gastronomia mineira é essencialmente ligada ao “território”, por isso é sofisticada pela alta qualidade de seus ingredientes. 

Por Cézar Félix
Fotos Rogério Alves Dias

— Há muito radicado em Belo Horizonte e italiano de origem, como o senhor compara as potencialidades turísticas entre Minas Gerais e algumas regiões da Itália?

— A comparação vem primeiro de uma região que não tem mar e que ainda não desenvolveu todo o seu potencial turístico; portanto, eu penso na Umbria, no Piemonte e em algumas regiões do sul da Itália. A Toscana, ao contrário, já tem um turismo totalmente desenvolvido, inclusive a paisagem lembra um pouco Minas Gerais por causa das colinas. É claro que o  patrimônio histórico toscano — igrejas e museus, sobretudo — são tesouros incomparáveis. O turismo daqui de Minas, na minha opinião, assim como na Umbria e no Piemonte, tem que obrigatoriamente ser construído em cima das tipicidades, principalmente as relacionadas ao patrimônio histórico, à cultura e, é claro, à gastronomia na medida em que são atrativos extremamente marcantes. Vejo o ecoturismo também como outro grande diferencial no que se refere a uma outra categoria de tipicidades: só aqui é possível vislumbrar tantas possibilidades de paisagens como as proporcionadas pelo cerrado dos sertões das gerais, pelas montanhas do Espinhaço, da Canastra e da Mantiqueira e pela abundância das águas, com destaque para o incontável número de cachoeiras. Nestas condições, não há nada semelhante no Brasil que se compare a Minas Gerais — principalmente na região centro-sul.

— Então o senhor acha que o desenvolvimento do turismo passa necessariamente pela definição de tipicidades?

— Na verdade eu vou mais além: para desenvolver o turismo é preciso proteger e valorizar essas tipicidades. Eu não vejo de outra forma. Você vê que existem muitos paulistas que partem de São Paulo de  carro exclusivamente para conhecer o queijo canastra lá em São Roque de Minas na Serra da Canastra. Isso também significa ativar uma economia boa, a atividade econômica do território. Todos são beneficiados de forma capitalar: as pequenas pousadas, o comércio, o artesanato e o produtor rural. Esse tipo de coisa a gente vê no Piemonte, isso acontece lá. Tudo começou com a curiosidade de se conhecer o pequeno produtor de queijo, os produtores de vinho, o cara que oferece uma gastronomia típica de alta qualidade em um pequeno restaurante. Ou seja, o turismo gastronômico tem um importantísssimo papel como âncora do desenvolvimento do turismo no Piemonte. E essa  atividade turística gera riqueza e distribui renda. Na Toscana, nos dias de hoje, o turismo chegou a tal ponto que representa uma das principais atividades econômicas desta região da Itália.

— Para o senhor, a construção de um “território turístico” passa necessariamente pelo apoio aos produtos típicos de pequenos produtores rurais?

— Para a formação deste território turístico a que você se refere, é preciso preservar o pequeno produtor, prover a ele infraestrutura, prestar assistência e levar informação. Um pequeno produtor da Serra da Canastra que eu conheço simplesmente não pode vender o seu produto pelo preço sugerido pelas autoridades, pois se assim o fizer, ele jamais vai ter condições de produzir um queijo artesanatal com um alto nível de  qualidade — uma característica marcante do seu trabalho. Isso não é preservar o pequeno produtor, pelo contrário. É favorecer a compra do queijo industrializado pelo consumidor, um produto sem sem graça e sem gosto. Não só iríamos perder mais um ótimo produto para a mesa como também seria perdida mais uma tipicidade e consequentemente mais um atrativo turístico. Ou a gente preserva e incentiva o lado romântico e qualitativo do pequeno produtor  — afinal, quem é que vai visitar uma grande indústria de produção de queijo? — ou jamais teremos a formação de um território turístico com potencial para se tornar rico e homogênio.

— A Salumeria Central, casa que o senhor é um dos proprietários, tem como proposta oferecer um cardápio de qualidade e pouco convencional. Os queijos e embutidos, por exemplo, são fornecidos por pequenos produtores rurais. Deu tudo certo?

— Sim, essa proposta tem dado certo. Temos fornecores artesanais de queijo e linguiça de São Roque de Minas como também temos fornecedores de produtos considerados de elite, de alta qualidade,  mas que são totalmente produzidos em Minas Gerais. Acho um paradoxo, um contrasenso, comprar água mineral na Itália quando temos aqui águas minerais maravilhosas. Acho isso uma loucura! Inclusive, as águas mineirais de Cambuquira, no sul de Minas, são consideradas as melhores do mundo. Da mesma forma, acho uma loucura comprar uma muzzarela no Rio Grande do Sul … Essa questão do território é muito séria, devemos tentar consumir as coisas que estão perto da gente.

— O que o senhor acha da gastronomia típica de Minas Gerais?

— A gastronomia mineira tradicional é maravilhosa. Ela tem muito a ver com a Itália porque é uma gastronomia de bons ingredientes e tem um alto grau de sofisticação. Além do mais, tem uma exigência fundamental: os seus insumos precisam de ser bons. A cozinha mineira é muito mais italiana no conceito de simplicidade dos bons ingredientes do que uma cozinha como a francesa, que precisa ser mais elaborada e é mais complexa de ser executada.

— De que o senhor mais gosta na cozinha mineira?

— Sou fã de carne de lata e adoro porco — montamos Salumeria não foi à toa! O grande destaque da cozinha mineira, na minha opinião, é o porco; depois vem o frango caipira. São comidas quentes em todos os sentidos, seja no sabor ou na temperatura, além de calóricas. Veja o caso da costelinha com canjiquinha, essa perfeita combinação com milho. Embora eu me lembre aqui do Restaurante Xapuri, da dona Nelsa Trombino — a casa serve uma comida mineira de excelente qualidade, com um padrão acima do esperado, pois é preparada  para agradar muitas pessoas —, onde se come maravilhosamente bem os pratos mineiros são nas residências e, principalmente, nas fazendas do interior. É impressionante a qualidade e a sofisticação no sentido do esmero no preparo e no alto nível dos ingredientes.

— Pela sua experiência como ‘chef’ de cozinha e também por ter nascido na Itália, como o estrangeiro vê  a comida típica mineira?

— A comida mineira é ligada ao território, então os estrangeiros, sobretudo os europeus, demoram um pouco para compreender a sua essência. Na Europa, as pessoas são acostumadas com uma sequência de pratos. Aqui, a comida mineira enche a mesa: vem o arroz, o feijão, a farinha, o frango, o porco, a carne de boi, o quiabo, o jiló, o ovo … É um outro jeito de comer. Então, para o estrangeiro entender o significado da gastronomia mineira, ele primeiro vai ter que aprender um pouco sobre a complexidade do território. É uma culinária muito ligada ao meio de vida das fazendas, é uma comida agreste, por isso muito ligada às conservações: a carne seca, a carne de lata, a banha e ainda tem o jeito de matar o porco e o frango. Enfim, é uma gastronomia esencialmente de raiz.

— A L’Osteria Mattiazzi, outra casa dirigida pelo senhor e considerada por muitos como melhor restaurante italiano da cidade, completa 15 anos de existência. De uma década e meia para cá, o que mudou nos hábitos gastronômicos dos belo-horizontinos?

— A cidade está completamente transformada nos seus hábitos. As pessoas estão saindo com mais frequência para jantar fora. Há 15 anos, havia pelo menos um número 10 vezes menor de restaurantes do que registra-se hoje. Portanto, houve uma mudança exponencial. A meu ver, isso aconteceu por uma soma de fatores: primeiro, ocorre o modismo da gastronomia; a televisão bombardeia com muitas informações e diferentes programas que envolvem a cozinha. Depois, surgiu uma escola superior de gastronomia, além de mais outras escolas. Por isso, emergiu  uma nova visão sobre como se tornar um profissional da cozinha. Nem todos vão virar gastrônomos ou ‘chefs’, mas abriu-se um leque de oportunidades profissionais na área. Há ainda um grande número de pessoas de diversas áreas que procuram cursos de culinária e existem muitos professores que oferecem diferentes modalidades de cursos. As pessoas querem tratar o ato de cozinhar como uma forma de lazer. Essas situações levaram à construção do hábito de sair à noite em busca de um bom restaurante no sentido de usufruir do prazer de uma boa mesa, de conhecer e saborear os mais diferentes tipos de opções gastronômicas.

— Mas há muitas reclamações quantos aos preços altos, o senhor concorda?

— É fato que há hoje uma influência dos preços, que realmente estão altos. Não está fácil sair de casa para usufruir de uma boa mesa, de um bom bar. O aluguel influencia muito, pois estão excessivamente caros. Veja o Bairro de Lourdes: os valores passam de 15, 20 ou 25 mil reais.

— Qual é a saída para atrair mais clientes? Sempre investir em qualidade?

— Na verdade, nós já temos um conceito formado de gastronomia de qualidade em Belo Horizonte. Inclusive, em razão da existência de muitos críticos; temos vários deles! Da mesma forma que quase todos os brasileiros são treinadores de futebol, muitos são também cozinheiros. As coisas melhoram, os investimentos nas casas são mais altos — sobretudo em conforto e em estrutura. Nos últimos cinco anos, eu diria, muitas casas foram abertas, porém muitas delas vão fechar as portas, pois eu acho que não há espaço para o grande número de casas existentes. Tanto é verdade que se você dar um passeio pela cidade no final de semana, você vai observar muitas casas com cadeiras vazias. A tendência então é sobreviver a casa que oferecer o melhor custo benefício, coisa que especialmente o mineiro aprecia muito. Serão lugares de qualidade, mas que não se paga para ser servido com talheres  de prata ou para usar um guardanapo de linho de 40 por 40 cm ou ainda sem ser preciso ter uma louça muito cara, daquele tipo que se quebrar você tem que vender oito pratos para repor a peça. Esse inchaço na gastronomia já foi vivido pela Europa e houve um movimento de redução na estrutura para possibilitar a diminuição dos preços para o cliente. Esse processo agora ocorre aqui, ainda um pouco lento, mas já foi iniciado.

— O que mais lhe agrada em Belo Horizonte, a cidade que o senhor escolheu para viver e trabalhar?

— Veja o caso da Salumeria: nós vivemos uma ótima experiência com o centro de Belo Horizonte. Eu, inclusive, gostaria muito de morar no centro, de conseguir encontrar um bom apartamento antigo no alto de um desses prédios. Há uma retomada muito interessante de lugares bonitos na áreal central. Veja o caso da Rua Sapucaí (onde se localizada a Salumeria Central), de onde se tem uma vista fantástica do ‘skyline’ de Belo Horizonte, do viaduto de Santa Teresa e ainda está atrás do um dos lugares mais lindos da cidade, a Praça da Estação. Veja exemplo do Edifício Maleta,  onde explodiram bares muito agradáveis e que atraem muitos frequentadores. Outro lugar que eu torço muito para que seja revitalizado e que lá também ocorra uma explosão no sentido de resgatar a boemia é a Lagoinha, um bairro rico em história e repletos dos mais interessantes casarões e de galpões muito bons para abrigar as mais interessantes casas. Espero que esse processo de revitalização do centro da cidade que se inicia, torne-se algo sem volta. Porém, o importante é prover os lugares de conteúdo. Existem muitos bares, lanchonetes e botecos, mas muitos sem conteúdo algum. Um boteco chamado “copo sujo” pode ser ótimo desde que tenha graça e conteúdo.  O centro, para mim, é a parte mais bonita da cidade.

— O senhor também gosta de boteco?

— Gosto muito de boteco, porém não gosto dos botecos feitos sob encomenda e sob medida pelos arquitetos. Boteco tem que ter história, senão é um bar. Boteco é aquele que consegue sobreviver durante anos a fio. Boteco é aquele que segue mantendo a mesma identidade, é aquele lugar cheio de conteúdo em todos os sentidos: da cerveja gelada, do tira-gosto de qualidade e da fidelidade absoluta de seus clientes. Isso é boteco

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