O cineasta mineiro, diretor de filmes como “Menino maluquinho”, “Amor e companhia”, “Uma onda no ar” e “Batismo de sangue”, sucessos de público e crítica, conta que o seu filme mais recente, o documentário “O mineiro e queijo”, lhe possibilitou conhecer mineiros autênticos, guardiões de uma cultura centenária. Helvécio Ratton fala sobre o seu próximo projeto, o longa “O segredo dos diamantes”, um filme com valores universais, mas que é essencialmente mineiro — todas as locações são em Minas Gerais. Ratton também analisa a conjuntura do cinema brasileiro e diz que é preciso investir em salas populares e resgatar os cinemas de rua.
Por: Cézar Félix
Fotos: Rogério Alves Dias
— Como mineiro e conhecedor desta terra, o que o documentário “O mineiro e o queijo” trouxe de novidade para o senhor em se tratando de “coisas” de Minas Gerais?
A produção de “O mineiro e o queijo” me fez encontrar com os mineiros autênticos, isso foi muito importante para mim. Foi algo que surgiu muito além de todas as questões relacionadas ao queijo — como a abordagem histórica e as muitas contradições que cercam a produção artesanal. Até Dezembro de 2011, a legislação não permitia o comércio, fato que quase fez do queijo artesanal um produto clandestino, embora ele seja um patrimônio nacional. O felicidade de ter encontrado mineiros, guardiões de uma cultura centenária, ricos em tradições, me possibilitou identificar pessoas autênticas que foram colocadas na tela como um contraponto aos estereótipos formados que você vê por aí afora, principalmente na televisão. O mineiro geralmente é caricaturado como uma espécie de caipira muito simplório, que fala errado. Ele é sintetizado de uma forma muito grosseira pela TV e por outros meios de comunicação. No filme, o espectador vê como os mineiros realmente são. Eu gostei muito de colocar esse verdadeiro mineiro na grande tela tanto na forma de se expressar quanto na forma de ser e na forma de falar. Eles se entregaram ao filme de uma forma muito bonita, sem reservas, sem defesa. Eu sinto que foi um presente.
— Minas Gerais é um estado muito rico em cenários, principalmente no que diz respeito ao seu patrimônio histórico. Como cineasta, qual é a sua visão sobre as questões relacionadas à proteção deste patrimônio?
De fato, esta é uma questão complexa, é complicado falar sobre o tema. Minas Gerais tem um imenso patrimônio histórico e, como cineasta, é muito difícil falar sobre isso porque parece que você está competindo com toda uma imensa cultura que precisa ser preservada e para a qual nunca há dinheiro suficiente para conservá-la. São tantas igrejas, obras de arte e museus extremamente importantes que precisam ser preservados, tantas construções que devem ser conservadas, porém sempre falta dinheiro. O Estado não tem condições de preservar, revitalizar, proteger e transfere, na maior parte dos casos, a responsabilidade para as leis de incentivo à cultura. A verdade é que existe uma verdadeira guerra por conta desses recursos que, aliás, são mínimos. Todas as formas de produção cultural buscam recursos praticamente numa única fonte, a mesma que deveria financiar também a proteção ao patrimônio histórico. Eu assisto a tudo isso com uma certa aflição e muita angústia. Como não perceber, por exemplo, o estado precário de uma igreja que poderia ser uma linda locação para um filme? Como o dinheiro, insisto, sai da mesma fonte, é impossível ter recursos para todos. A dificuldade é muito grande, não conseguimos fazer com que haja projetos contínuos de manutenção e preservação do nosso patrimônio histórico. Na verdade, a gente está sempre apagando incêndios e às vezes incêndios verdadeiros. O complicador definitivo são as irrisórias verbas destinadas à cultura. O orçamento federal destina uma parcela mínima para cultura, a verdade é esta. Você vê o Estado sempre “terceirizando” via as leis de renúncia fiscal, e até os orgãos federais se beneficiam das leis. Definitivamente é complicado!
— O que o senhor pode contar sobre o seu novo projeto, o próximo filme que leva a sua assinatura?
“O segredo dos diamantes”: para fazer esse filme eu me inspirei em histórias que ouvia desde criança. Passei a infância em São João del Rei, terra da família de meu pai e sempre escutava histórias sobre pedras preciosas e ouro, casos que lá aconteciam e como em toda as Minas Gerais. Onde existe mineração, garimpo de ouro e diamantes, onde há riqueza sempre se fala sobre fortunas e tesouros escondidos, em especial porque a pessoa guardava diamante e ouro para não pagar impostos. Então ouvia coisas assim: “o fulano morreu, ele tinha escondido um tesouro e nem a família sabe onde está”. Então surgiam lendas: o sujeito morria e depois voltava para indicar onde ele havia escondido o seu tesouro. Enfim, são muitas histórias e estórias. Eu me inspirei nestes conjuntos de lendas que envolvem as fortunas geradas pelas pedras e pelo ouro. Isso tudo tem um fundamentando, pois muita gente fez fortuna desta forma. Eu crei uma história onde três adolescentes buscam um tesouro em forma de diamantes do século XIX. Histórias sobre caças a tesouros são universais. Eu cresci lendo a Ilha do Tesouro (de Roberto Louis Stevenson) e outras obras que são totalmente universais. Aqui no Brasil e em Minas Gerais temos histórias como estas e eu acho que cabe ao cinema, de certa forma, utilizá-las porque são histórias que poderiam ser contadas em qualquer outro lugar do mundo. A sedução que as pedras preciosas e o ouro exerce sobre as pessoas acontece em qualquer lugar, e aqui em Minas Gerais nós vivemos uma longa história ligada à mineração e aos garimpos. Basta você chegar na Europa e ver a quantidade monstruosa de ouro e pedras preciosas que partiram daqui para construir aquele fascinante patrimônio histórico. Muitas histórias foram geradas neste processo e o filme se alimenta disto. Eu estou contando aqui uma história, “O segredo dos diamantes”, que tem valores universais, mas que é essencialmente mineira. Esta história vai ser filmada em locações mineiras, em nosso cenário mineiro, com muita gente mineira — na verdade eu estou usando um grande elenco mineiro. Em resumo: é uma história universal de alma mineira.
— Além do patrimônio histórico, Minas é um cenário universal?
Sim, sem dúvida que é! Incluindo o patrimônio histórico, temos cenários extremamente diversificados em Minas Gerais. Isso é muito intressante. Na cena urbana, em Belo Horizonte, você filma como se estivesse em outra grande metrópole. Eu filmei “Batismo de sangue” em BH, mas é uma história que se passa na cidade de São Paulo; eu filmei cenas de São Paulo em nossa cidade e ninguém veio me falar que não parecia São Paulo. Os cenários naturais também são muito diversificados: você tem o Cerrado, a Mata Atlântica … O sertão tem as suas vastas paisagens, o sul de Minas tem a Mantiqueira, o norte tem os grandes planaltos. Você consegue ter uma imensa variedade na tela. Em “O segredo dos diamantes” eu vou filmar no Serro, no distrito de Milho Verde, em São Gonçalo do Rio Abaixo, Guanhães, Sabará e Belo Horizonte. Veja quantos cenários teremos! Vamos compor um painel de locações muito atraente, muito bonito. Minas é um território muito bom para você filmar porque existem inúmeras grandiosas histórias ao lado de grandes cenários, diferentes e fortes.
A questão não é ter leis que obriguem que os filmes brasileiros fiquem por mais tempo em cartaz. A solução passa é pela urgência de ampliar o universo das salas de cinema e, principalmente, pela necessidade de contarmos com salas populares.
— Como o senhor analisa a atual produção cinematográfica de Minas Gerais?
Minas Gerais tem uma enorme vocação para o audiovisual. O fato de não termos teledramaturgia em BH — as grandes producões para TV estão concentradas no Rio, na TV Globo, e em São Paulo nas outras emissoras —, faz com que a produção do audiovisual seja canalizada para outras produções, especialmente para o cinema. A videoarte se desenvolveu aqui em Minas exatamente porque a televisão não canaliza esse tipo de criação. A videoarte surgiu nas pequenas produtoras e nas garagens com uma criatividade imensa que simplesmente ganhou o mundo. Existem hoje algumas gerações que produzem cinema, um grupo de ótimos profissionais, posso citar o pessoal da Camisa Listrada, da Teia, dentre tantos outros. Há muito interesse pelo audiovisual, porém o estado não consegue potencializar esta demanda. Na verdade, o único instrumento de apoio que temos aqui é o “Filme em Minas”, que acontece de dois em dois anos e que, de fato, é insuficiente para atender essa demanda. Inclusive, o “Filme em Minas” trabalha com pequenos orçamentos. O Estado precisa injetar mais recursos, pois Minas investe muito pouco até em comparação com Estados com menor economia. Existe muita vontade de fazer cinema em Minas, mas poucos recursos.
— E não existe uma cultura de investimento privado na produção cultural …
Esta cultura não existe no Brasil, não é um problema exclusivo de Minas. O fato é que as Leis de Incentivo quando surgiram pretendiam criar a figura do mecenas privado, aquele que tiraria o dinheiro do próprio bolso para investor na producão cultural, mas esta figura não apareceu. A verdade é que no Brasil a cultura é financiada com dinheiro público. As empresas não investem recursos próprios, todo o dinheiro é canalizado para as leis de incentivo.
— Sobre a repercussão de seus filmes, o senhor recebe respostas satisfatórias do público?
Sim, pelo meu lado, tenho respostas muito positivas. Eu posso dizer que faço cinema para me comunicar com as pessoas. Eu procuro fazer um cinema aberto, um cinema que possa interessar ao público que frequenta salas de cinema até porque eu sou um frequentador assíduo de cinema e eu quero fazer filmes que possam competir no mercado — especialmente com as produções estrangeiros. Isso quer dizer que eu preciso dirigir filmes que possam atrair e emocionar as pessoas. Por isso, todos os meus filmes são abertos ao público. Eu fico muito contente porque os meus trabalhos, no geral, repercutem muito bem. Uns mais outros menos, mas a resposta é sempre boa. Na verdade, depende de cada filme encontrar o seu público. “O mineiro e o queijo”, um projeto de menor custo, teve uma repercussão extremamente calorosa e continua circulando muito. Já “Menino maluquinho” teve muita aceitação popular, já foi exibido várias vezes na TV Globo, e é muito conhecido em outras partes do mundo.
— Qual é a sua opinião sobre a conjuntura de mercado relativa ao cinema brasileiro?
Vivemos uma conjuntura de mercado extremamente difícil porque o filme brasileiro é exibido por uma ou duas semanas e sai de cartaz. Isso se deve a um problema estrutural em função das poucas salas de cinema que existem no país, pouco mais de duas mil salas, um número irrisório em se tratando de Brasil. Estamos muito atrás de países como México e Argentina que contam com redes de cinema muito maiores do que as nossas, isso sem falar nos países de primeiro mundo, obviamente. As pouquíssimas salas que temos são organicamente ligadas ao cinema norte-americano, portanto o nosso filme é retirado da sala para dar lugar a mais uma nova produção estrangeira. A questão não é criar leis que obriguem que os filmes brasileiros fiquem por mais tempo em cartaz, não é isso. Uma possível solução passa é pela necessidade de ampliar o universo das salas de cinema e, principalmente, pela necessidade de contarmos com salas populares. Eu percebo o tamanho de público que perdemos depois que deixaram de existir os cinemas de rua. Quem mais gosta de cinema brasileiro é o povo brasileiro, as camadas populares, que não tem preconceito em relação ao Brasil, em relação às coisas brasileiras e um público que gosta de se ver na tela. Este tipo de expectador nós perdemos com a extinção do cinema de rua e não houve uma reposição. Não foram criadas novas salas para ele. Os cinemas estão confinados nos shoppings e a ida a esses centros de compras é uma operação cara: o ingresso é caro, o estacionamento é caro, a pipoca é cara, o transporte é difícil e o cinema deixa de ser uma diversão barata. Para solucionar esse estrangulamento é preciso investir em salas populares, sobretudo nas periferias, nas vilas, próximo às favelas para conquistar de volta esse imenso público. Esse setor da população perdeu o hábito de frequentar cinema e passou a suprir a sua necessidade de dramaturgia, do audiovisual, por meio da televisão. Tem um grande exibidor no Brasil, o Ademar de Oliveira, que fala com muita inteligência que nós precisamos criar no Brasil um conceito “Casas Bahia” de cinema onde o povão possa entrar sem constrangimento numa sala de qualidade, confortável, com um bom som e uma boa imagem para consumir um cinema brasileiro de qualidade.
— E quanto ao padrão de qualidade da produção nacional?
Este é o maior paradoxo em que vivemos: produzimos um cinema com cada vez mais qualidade e muitas vezes com menos público. Somos sacrificados porque quando o público pensa em ver o filme, ele já saiu de cartaz. Como também não temos a capacidade de fazer campanhas milionárias de marketing, o ‘blockbuster’ já chega embalado por violentas campanhas nos meios de comunicação e com uma visibilidade imensa. Bem antes dele estrear, o público já sabe quando vai ser a estréia e onde ele vai assistir ao filme. No caso do cinema brasileiro é muito difícil, a gente fica confinado aos cadernos de cultura dos jornais que chegam a uma parcela ínfima da população. Como é inviável financeiramente produzir grandes mídias na televisão, eu vislumbro maiores possibilidades de expansão da comunicação por meio da internet. Por um custo muito menor, você pode fazer campanhas e atingir muito mais pessoas. Temos que buscar essas novas mídias para divulgar o cinema brasileiro. Em termos de qualidade de produção, não tenho dúvidas de que estamos crescendo aceleradamente. Em termos técnicos, temos um cinema impecável, no padrão dos melhores do mundo. Temos ótimas fotografia, direção de arte, música, mas acho que podemos aprimorar os roteiros, temos que criar uma jovem geração ligada à dramaturgia, que aprenda a escrever para a tela.