Trancoso

As características cosmopolitas, assim como suas paisagens de sonho, são idênticas às da vizinha Arraial D’Ajuda. Como que esculpido no alto de uma falésia, o Quadrado de Trancoso sintetiza o charme de um dos destinos mais encantadores do Brasil.

Reportagem: Assad Abrahão
Fotos: Jean Yves Donnard

Longos e exatos 423 anos separam a origem da vila de Trancoso deste ano de 2009 do século XXI. Assim como na vizinha Arraial D’Ajuda, as estonteantes praias e todos os cenários naturais, como a vegetação, as falésias, os rios e as lagoas, parecem avisar que o mais perfeito para se fazer nesta parte paradisíaca do planeta é contemplar, admirar, ficar em paz e amar a natureza.

A impressão de que o tempo parou e de que muito pouca coisa mudou desde o longínquo ano de 1586 — quando os jesuítas fundaram o povoado — está no Quadrado de Trancoso. Como que esculpido no alto de uma falésia, o Quadrado está em um amplo terreno retangular e totalmente coberto por grama. Ao fundo desse terreno verde desponta, como marco principal, a singela Igreja de São João Batista, pintada de uma cor branca profunda e emoldurada por duas fileiras, uma em frente a outra, de casinhas simples, rústicas e encantadoramente multicoloridas. Aliás, esse tipo de desenho urbano, sabiamente aproveitado pelos jesuítas, remete às formas como eram projetados os aldeamentos indígenas.

Esse modelo tinha um objetivo claro: garantir a formação de núcleos familiares, na medida em que só era permitido o casamento de membros de famílias moradoras de um lado do gramado com membros de moradores do outro lado. Tal costume já era inerente à cultura indígena.

Não é permitida a circulação de automóveis e não há postes de iluminação no Quadrado — à noite, as tênues luzes das casas não são suficientes para ofuscar o intenso brilho do céu repleto de estrelas.

O ar bucólico do Quadrado acentua o caráter universal do lugar. Pra começar, turistas de diferentes nacionalidades e de diversos pontos do Brasil circulam por ali. As lojas de arte e artesanato são atrativos irresistíveis por oferecer, além do artesanato nativo e indígena, peças de grande originalidade e valor artístico. Há, ainda, charmosas pousadas (para todos os níveis de exigência) e diversos restaurantes, desde os mais simples e despojados até os mais sofisticados e alguns que podem ser considerados exóticos. A variedade de cardápio é excelente, vai desde a tradicional culinária baiana à cozinha internacional.

Amplidão das praias

O mais devastador impacto — no melhor sentido, é claro — com as belezas de Trancoso começa com a inebriante vista do alto da falésia atrás da igrejinha de São João Batista. A visão surge como um convite imediato para se desbravar as praias de areias claras e o mar de águas límpidas, mornas e calmas.

Seja de bugre, de moto, a cavalo ou a pé (convenhamos que essa última opção é a melhor), uma boa dica é começar o passeio descendo a partir da bela Praia do Taípe. O santuário, localizado no litoral norte, na divisa com Arraial D’Ajuda, foi escolhido pelas tartarugas marinhas para perpetuar a espécie em época de desova.

Em seguida, cruza-se a Praia do Rio da Barra, aquela das lindas falésias avermelhadas com mais de 20 metros de altura. Depois dos manguezais, celeiro essencial da biodiversidade marinha, já se está a caminho do litoral sul de Trancoso. Na sequência, vêm as praias dos Nativos, Coqueiros, Rio Verde, Pedra Grande, Itapororoca, Itaquena e Rio dos Frades.

As duas primeiras são protegidas pelo Rio Trancoso e estão próximas ao Quadrado. São as mais agitadas e onde estão as barracas de praia. A badalada Tostex, que fica na Praia dos Nativos (a mais extensa, com três quilômetros), é hoje o “point” mais descolado entre as barracas de Trancoso. Trata-se de um espaço de cinco mil metros quadrados e 300 metros de área em frente ao mar, com programação intensa. As atrações vão das mais conhecidas bandas de forró e DJ’s consagrados, como o ex-piloto de fórmulas 1 e Indy Raul Boesel, até a cantora Elba Ramalho, que tem casa na vila.

O diferencial da Tostex é o bonito projeto arquitetônico, idealizado para respeitar as características do lugar. A barraca, que tem ainda pista de dança, bar e sanduicheria, tornou-se um ambiente agradável e aconchegante. Seguindo a boa onda da sustentabilidade, a Tostex obedece normas de preservação ambiental, como a reciclagem do lixo. Além do mais, todo o material utilizado pela barraca é resultado do reaproveitamento de embalagens Tetra Pak. Usa-se uma mistura de plástico e alumínio dessas embalagens cartonadas para fabricar bandejas, cardápios, lixeiras, coletores de materiais recicláveis e até barras de alongamento.

As praias que seguem esculpindo a parte sul do litoral de Trancoso têm em comum a amplidão. São praticamente desertas, cenários perfeitos para a mais pura contemplação, demorados banhos de mar e longas caminhadas.

O diferencial da Praia do Rio Verde é a linda lagoa do Rio Verde, opção para o mais delicioso banho de água doce. As piscinas naturais são características das Pontas de Itapororoca e Itaquena, sem contar a enorme pedra que surge na maré baixa e dá o nome à Praia da Pedra imediamente anterior às duas pontas. A foz do Rio dos Frades esculpe a praia que tem o mesmo nome do rio, cujo acesso só é possível na maré vazante.

Os indescritíeis encantos não páram por aí. O magnífico litoral ainda leva ao Curuípe, Espelho, Caraíva e Corumbau … Mas aí já são outras belas páginas para serem escritas.


Trancoso sustentável

Problemas, como crescimento desordenado, poluição, ausência de planejamento urbano, criação de novas oportunidades de trabalho e de educação para a população e, finalmente, uma definitiva aposta no desenvolvimento sustentável — principalmente da atividade turística —, já fazem parte da agenda de importantes empresários locais.

No ano de 2007, foi reativada a SAT (Sociedade dos Amigos de Trancoso), uma ONG cujo principal objetivo é efetivar a implementação de ações políticas com foco na sustentabilidade. “Moro aqui há 33 anos, acompanho os problemas da vila e vejo que eles são bem maiores do que se imagina. Aí é preciso interferir, ajudar. Não dá mais para ver Trancoso apenas como a extensão da sua casa”, diz a empresária Lia Udler, diretora da SAT.

Lia explica que, apesar de inúmeras dificuldades como a falta de recursos e de profissionais especializados, a ONG tem planos ambiciosos: “queremos fortalecer parcerias estratégicas com outras ONGs, mobilizar as autoridades de turismo, de cultura e de meio ambiente e envolver todos, ambientalistas, moradores e turistas”.

A empresária salienta que o movimento criado pela SAT — denominado Trancoso Sustentável — tem ambição de servir como modelo para outros destinos turísticos. “É muito importante também passar credibilidade para os moradores”, diz ela.

A entidade incentiva o debate entre a comunidade, os turistas e o poder público. Com frequência são realizadas reuniões entre moradores, visitantes e autoridades. Nestas ocasiões,  acontecem acalouradas discusões sobre os principais problemas da vila.

Atividades como palestras também fazem parte do calendário da SAT. Recentemente, por exemplo, o respeitado ambientalista Fábio Feldmann, ex-deputado federal e ex-secretário do meio ambiente de São Paulo e assíduo colaborador da SAT, proferiu palestra na sede da entidade, instalada em casa no Quadrado de Trancoso.


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