Fotografia – Miguel Aun
Por Sávio Grossi
O percurso da fotografia mineira passa necessariamente por ele. Nos últimos 40 anos, nenhum outro fotógrafo conseguiu reunir um acervo tão amplo e expressivo sobre a paisagem humana e o cenário das Minas Gerais, fruto de intermináveis andanças pela diversidade desse território, do Triângulo ao Jequitinhonha, da Metalúrgica à Mata, do barroco à taipa nordestina, das serranias aos campos abertos, da paisagem urbana ao bucolismo do interior. Muito provavelmente, Miguel Aun é o fotógrafo que mais clicou esta terra com sensibilidade rara e um olhar distinto que confere à cena mineira um tom de surpresa e revelação, por mais familiar que nos pareça. Uma coleção de espantos, na expressão do poeta Fernando Brant.
Desde a década de 70, quando a fotografia mecânica ainda imperava como arte e magia, uma geração inteira de fotógrafos de Belo Horizonte — a chamada geração ‘blow-up’ — teve a sorte de encontrar em Miguel Aun o colega e orientador afável e generoso, sempre disposto a compartilhar segredos do ofício, alquimias de revelação, dicas sobre lentes e equipamentos e, acima de tudo, seu entusiasmo pela arte e técnica da fotografia. Caráter marcante de sua obra é a notável habilidade para realizar a própria essência e etimologia do nome da coisa: fotografia = gravação da luz. Seus ensaios autorais são quase sempre registrados sob luz natural. A cada tomada, fica a nítida impressão de que Miguel demora na espreita da luminância ideal, aquele momento mágico que conforma volumes e delineia expressões com precisão e sensibilidade.
Não é mera coincidência que sua obra nos impressione por uma esmerada conjugação de arte e ciência. Formado em Engenharia Elétrica com Mestrado em Física Nuclear, ele decidiu, no início dos anos 70,dedicar-se exclusivamente à fotografia, estimulado pela prática inestimável na escola paterna. Com o pai, Elias Aun, aprendeu os princípios elementares da profissão: apurar contrastes, dosar as químicas de emulsão, compreender a ótica das lentes e os mistérios da câmera escura. A loja da família — a famosa casa Foto Elias — era ponto de encontro obrigatório de amadores e profissionais da capital e do interior de Minas.
O acervo de Miguel Aun reúne hoje cerca de 50 mil imagens. Algumas delas integram as coleções de instituições respeitáveis como MASP e Itaú Cultural. Ao longo de 40 anos de arte e ofício, participou de dezenas de exposições coletivas e individuais, recebeu prêmios nacionais e internacionais e ilustrou diversas publicações editoriais. Suas imagens foram veiculadas em centenas de campanhas publicitárias, sempre com o selo indelével de sua autoria. Não por acaso, ele foi o artista homenageado da segunda edição do Foto em Pauta, Festival de Fotografia realizado em Tiradentes em março de 2012.
Na série “Minas em vários tons” (que aguarda breve edição), embora o foco temático recaia sobre locações do território mineiro, o conjunto das fotos ganha relevo como representação de uma arte fotográfica sem fronteiras, deslocada do tempo e do espaço. A despeito da iconografia típica da terra, aqui a cena mineira se dilui na expressão universal de luzes e sombras, retratando o território mundo e sua humanidade geral. Irresistível a comparação com a sintaxe rosiana e sua transposição do registro regional ao sentimento cósmico. Ainda no dizer de Fernando Brant: “Miguelzinho tem um olhar mineiro, um olhar do mundo. Como a sua morada é aqui e ele adquiriu o dom de enxergar dentro e fora, corpo e alma, ele flagra pessoas mineiras em seus gestos mais naturais e revela a sua essência”.
Miguel define sua fotografia como “simples”. E é, de fato, a simplicidade que impressiona suas gravações. Não o olhar novidadeiro em busca de aparições, não o truque acrobático que deforma o mundo em grandes angulares, mas o desenho de cores e formas num átimo de luz, a mesma luz que incide cotidianamente sobre a nossa existência mas que só pode ser capturada por quem a sabe ler. Não é outro o motivo pelo qual o simples costuma nos pegar de surpresa. Sempre esteve ali e ninguém via. Aun desenvolveu esta capacidade de pressentir o momento exato de abrir o diafragma à revelação da luz e, com isso, desmonotonizar a paisagem da vida. Esta é a sua inconfundível marca autoral.