Famosos retratos de Minas Gerais
Por Rita de Podestá
Fotos Rogério Alves Dias
Professor de português desde 1975, colaborador da Folha de São Paulo desde 1989 e autor de várias obras didáticas, Pasquale Cipro Neto é também o idealizador e o apresentador do programa “Nossa Língua Portuguesa”, que ficou no ar, na TV Cultura, durante 17 anos.
Nossa conversa, por telefone, começou logo após o almoço. Eu lhe disse que, como boa mineira, não dispensava um cafezinho depois das refeições. Pasquale respondeu que ele, como um bom descendente de italianos, também não fica sem o seu café expresso muito forte de todos os dias.
Filho de italianos, o Professor Pasquale nasceu em Guaratinguetá (SP) — cidade localizada no Vale do Paraíba —, mas foi criado na capital do Estado. Nesta entrevista, ele fala sobre a sua relação com Minas Gerais, as amizades com compositores mineiros e sobre o contorcionismo às vezes necessário para entender um legítimo “mineirês”. Numa conversa despretensiosa, ele mostrou que, mesmo sendo também um cidadão italiano, é um brasileiro que valoriza profundamente a língua portuguesa e o seu ensino, além de ser um apaixonado pela cultura brasileira e, é claro, pelo futebol.
— Qual é a sua relação com o Minas Gerais?
— Há décadas mantenho uma relação com Minas Gerais. Sempre tive uma forte relação com a obra de vários escritores mineiros. A primeira vez que li Drummond fiquei em estado de choque. A música mineira também sempre me interessou muito. Milton Nascimento me cativou, assim como todo o movimento musical liderado por ele. Quando jovem, eu ouvia muito as canções do Clube da Esquina e ficava em constante estado de inquietação.
— O senhor, inclusive, já entrevistou o Fernando Brant no seu programa Nossa Língua, certo?
— Sim, na primeira vez, Fernando Brant me recebeu na casa dele, em 1995 ou 1996. Entrevistei também o Roberto Drummond e outras importantes figuras das Minas Gerais. Não posso deixar de citar o Celso Adolfo, que conheci pessoalmente sem saber que iria conhecer. Fui dar uma palestra
— O Nossa Língua também dedicou um programa sobre o jeito mineiro de falar. O que o senhor acha do “mineirês”?
— O “mineirês” não é um; são vários. Grosso modo, de Belo Horizonte para baixo a coisa é de um jeito; de BH para cima, de outro, mas, em geral, há muito diminutivo, muita “mastigação” de sílabas e palavras. Apesar de ser lento, na forma às vezes arrastada de falar, é rápido, apressado, já que parece engolir parte das palavras. Para um paulista entender um mineiro, às vezes é preciso um pouco de contorcionismo.
— O senhor acredita que é importante preservar esses regionalismos?
— Os dialetos brasileiros são repletos de ironia, de metáforas. Quanto a preservar os regionalismos, o tempo dirá. Com a modificação dos centros urbanos, eles podem se alterar, mas é preciso esperar. Acredito que os dialetos não vão desaparecer. Na Itália, por exemplo, existem milhares de dialetos. Se um siciliano e um milanês tentarem dialogar cada um com o seu dialeto, não vai haver conversa. A nova geração italiana pratica pouco os dialetos, principalmente os que nasceram em grandes centros urbanos. Esse ainda não é o caso do Brasil. As pessoas usam muitos vocábulos bem específicos dos dialetos de cada Estado. Não acho, por exemplo, que o mineiro vai deixar de usar o delicioso ‘trem’. Uma vez o Fernando Brant me disse que ‘trem’ só não é usado quando é para o trem de ferro. Quando o trem de ferro chega à estação, diz-se “Junta os trem, que lá vem a coisa”.
— O senhor conhece bem o Estado de Minas Gerais?
— Fui a primeira vez a Minas Gerais com 17 anos e conheci muitos lugares, porque fui por terra até Salvador. Assim, conheci uma parte de todos os famosos retratos de Minas Gerais. Depois, com o tempo, conheci praticamente todos os cantos das Minas Gerais: Belo Horizonte, Montes Claros, Ouro Preto, Mariana, Lambari, São Lourenço, o Triângulo, Valadares. Fui ver o Rio São Francisco
— O senhor costuma vir com frequência para Minas a turismo e lazer?
— Vou muito a Minas. Não só para Belo Horizonte, mas para várias outras cidades. Gosto muito de Ouro Preto. Confesso que a primeira vez que fui, em 1973, fiquei decepcionado. Achei que o patrimônio estava mal cuidado. Fiquei triste com a decadência do lugar. Depois de muitos anos, voltei e, felizmente, a antiga Vila Rica tinha mudado muito. O bom trabalho das últimas administrações deixou a cidade muito bonita, com muitos casarões restaurados, as fachadas bem cuidadas e o centro histórico preservado. É uma cidade belíssima.
— O que senhor diz sobre a receptividade do mineiro?
— Eu acho que o mineiro é receptivo, mas primeiro ele fica com o pé atrás. Em vez de se chamar mineiro, ele deveria se chamar “desconfiado”. Geralmente o mineiro é ressabiado, tem desconfiança no início para depois abrir as portas. Mas eu sempre fui muito bem recebido pelos mineiros.
— Pelas suas histórias, percebe-se que a sua relação com a língua portuguesa passa também pela música. O senhor utiliza referências musicais nas suas aulas, certo?
— Minha relação com a música popular sempre foi muito forte. Em 1975, quando comecei a dar aulas de português, eu já usava a música popular como referência. Havia uns resmungos aqui e ali, mas com o tempo as pessoas viram que era uma relação que fazia sentido. A nossa música está ligada a várias modalidades da nossa língua. A música brasileira é das grandes maravilhas da nossa cultura.
— Quanto ao novo cenário musical brasileiro, o que chama mais a sua atenção?
— Sei que há muita coisa boa sendo feita no nosso país, mas confesso que não tenho sobre os novos o mesmo conhecimento que tenho sobre os clássicos da nossa música. Prefiro não citar nomes, pois posso esquecer alguém importante. Aliás, isso aconteceu uma vez numa das minhas participações no programa do Serginho Groisman, na TV Globo. Perguntaram-me sobre os melhores letristas brasileiros e de quem eu mais gostava. Eu respondi, citei vários e por algum descuido não falei do Chico Buarque. Depois disso, muita gente me perguntou o que eu tinha contra o Chico. É claro que não tenho nada contra o grande Mestre. Devo ter, sim, problemas de memória… Para me desculpar, escrevi, na mesma semana, na minha coluna da Folha de S. Paulo, um texto sobre uma das canções do grande Chico Buarque. Se fosse sobre futebol, seria mais fácil. Eu iria dizer que os dois melhores são Pelé e Garrincha, mas, se eu tivesse que eleger o terceiro, o quarto, o quinto…, aí já seria bem mais difícil decidir.
— Os seus interesses não se prendem apenas ao português e à linguística, mas também à música, ao futebol…
Isso! Sobre o futebol mineiro eu posso falar muito. Eu acompanho todos os jogos. Lembro bem de 1965 para a frente. Uma lembrança marcante é a decisão da Taça Brasil de 1966, entre Cruzeiro e Santos. O Cruzeiro ganhou em BH de 6×2 e
— Se o senhor tivesse de propor um roteiro de viagem para Minas, que lugares indicaria para um turista visitar?
— Eu diria para descer em Confins — que é bem longe, uma pena que não temos a tradição do trem — e ir até Belo Horizonte. É preciso visitar o miolo da cidade, conhecer a Praça da Liberdade, que é linda, e o circuito ao redor. Se o visitante gostar de um boteco, existem inúmeras opções. Depois, deve-se ir a Ouro Preto, onde há muita coisa bonita para ver. É uma cidade que precisa ser conhecida. A comida de lá me encanta sempre que vou a Ouro Preto como muito. A quem tiver mais tempo recomendo Pirapora, para ver o São Francisco. Sugiro também São Lourenço, Caxambu, Cambuquira e Lambari, no Circuito das Águas. Já fui algumas vezes a Lambari: sossego absoluto, muito silêncio. E o caminho de Franca (SP) para Sacramento (MG)? Que maravilha! As montanhas são lindas, e a vista do Rio Grande é grandiosa.
— É, o senhor conhece bem de Minas Gerais!
Sim, mas tenho de conhecer mais! Não conheço Diamantina, o que é um pecado! Tenho que conhecer Diamantina!
FRASE!!!
O “mineirês” não é um; são vários. Grosso modo, de Belo Horizonte para baixo a coisa é de um jeito; de BH para cima, de outro. Mas, em geral, há muito diminutivo, muita “mastigação” de sílabas e palavras.