Capoeira Coffee
Um café de atitude
A marca Capoeira Coffee — cuja cafeicultura é aprimorada grão a grão no município de Areado, sul de Minas Gerais — conseguiu consagrar o espaço dela no mercado de cafés especiais obedecendo aos princípios do empreendedorismo, da criação de novas oportunidades de negócios e da constante busca pela excelência nos processos de produção, além da valorização dos funcionários e das comunidades que vivem no entorno da propriedade. Todo trabalho da Capoeira Coffee é liderado por uma mulher de grande visão empresarial: a cafeicultora Marisa Helena de Souza Contreras.
Reportagem Maria Vaz/Cacaio Six
Fotos André Sena/Cezar Felix
Há apenas 12 anos, começou a trajetória do Capoeira Coffee na Fazenda Capoeira, que fica no município de Areado, região Sul de Minas Gerais. Foi quando Gabriel Contreras, marido da cafeicultora Marisa Helena de Souza Contreras, adquiriu as terras, “que não tinham nenhum pé de café e praticamente nenhuma estrutura”, como ela conta. “O que havia era um sonho de um casal empreendedor”.
Aliás, o empreendedorismo é uma característica da personalidade de Marisa Helena, nascida na região, cuja principal atividade econômica é a cafeicultura. O pai, empresário, já cultivava café, mas não em um nível de grande escala. Todavia, como ela relembra, ele a ensinou a tomar gosto pelos negócios.
Entender o negócio
Graduada em Farmácia, logo Marisa Helena abriu a primeira loja. “Assim que me formei, eu já fui para o balcão da farmácia, porque queria servir as pessoas; eu nunca vendi remédio. Eu vendia saúde, beleza, bem-estar, mas remédio, não!”, esclarece Marisa Helena, que acrescenta: “eu amava aquele contato com o público, quanto mais eu tinha contato com o meu cliente, mais eu entendia do meu negócio e mais eu crescia. Aí, me casei, continuei na farmácia, nasceram os meus filhos, e eu já era dona de quatro farmácias”.
Foi exatamente nessa época que o marido, Gabriel, começou a cultivar os primeiros pés de café, enquanto ela seguia à frente do próprio negócio. Pouco tempo depois, com o desenvolvimento da cafeicultura na propriedade, o marido passou a precisar da ajuda da esposa. Marisa, que residia em Bebedouro, interior de São Paulo, começou a refletir sobre a mudança de cidade e de ramo de negócios: “como eu poderei ir para uma pequena cidade e para a fazenda, gerir uma atividade, a cafeicultura, setor que eu não conheço?”, questionou-se ela.
Opção pelos cafés especiais
Lavoura na propriedade: sete anos na cafeicultura em busca da excelência.
Mas o sonho alimentado pelo casal falou bem mais alto. “Eu lá, e ele aqui, a atividade não alcançaria bons resultados”, pontua. Efetivada a mudança, há sete anos, Marisa começou a entender a atividade, estudou muito o universo do café e percebeu que o mercado de cafés especiais começava a crescer enquanto os cafés commoditiesnão estavam alcançando os mesmos resultados. “Foi aí que eu comecei a entender mais o negócio”, conta.
“Quando cheguei definitivamente à fazenda, eu percebi que era fundamental entender toda a cadeia produtiva, pois, senão, não compreenderia como entregar para os meus clientes as melhores xícaras”, observa.Foi quando Marisa propôs ao marido que eles concentrassem os investimentos na produção de cafés especiais. Ela se recorda de como se deu o diálogo entre os dois: “vamos investir na produção de cafés especiais?”. Ele respondeu: “isso dá muito trabalho!”. Eu disse: “mas eu acredito!”. Ele, então, perguntou: “quem vai comprar?”. E eu respondi: “primeiro a gente faz, depois buscamos os compradores”.
Grandes atitudes
O fato é que a cafeicultora acreditava muito na empreitada. No começo do trabalho, ela lembra que as pessoas a questionavam sobre qual o espaço que eles iriam ocupar, se eles iriam tomar o espaço de outros produtores. Marisa tinha a resposta pronta: “nós não viemos ocupar os espaços de ninguém, nós viemos ocupar os espaços vazios”, conta. Isso porque, segundo ela, não havia produção de café de qualidade na região. As pessoas também acreditavam que era necessário investir muito dinheiro nos cafés especiais. “Porém, o que eu sempre disse é que não se tratava apenas de dinheiro, era preciso oferecer muito amor, muita dedicação, zelo e carinho”.
Além disso, ela acrescenta que percebeu que, para se produzir um bom café, era fundamental investir nos processos de produção, principalmente na pós-colheita, para então conseguir “beirar a excelência”. Marisa Helena Contreras lembra que a propriedade dela e do marido fica em uma região de baixa altitude, o que, segundo ela, não impede a produção de um café de alta qualidade. “Todos diziam, no início do nosso trabalho, que só seria possível produzir os melhores cafés nas maiores altitudes”. Sobre a questão, a cafeicultora afirma que rompeu com esse modelo: “café também se produz nas grandes atitudes”, dispara, fazendo trocadilho com os termos.
Rodar o café 15 vezes ao dia
Pensando assim, pois ela tem “muita atitude”, a produtora segue aprimorando os processos de produção do Capoeira Coffee. Marisa Helena tem mais um argumento: “se você chegar ao terreiro de um produtor de cafés especiais, de longe, você reconhece: é capricho, é carinho, é zelo, é asseio. Na produção, é tudo impecável, os lotes são separados e rastreados do pé até a xícara”.
Marisa Helena, todavia, tem mais uma receita: “certa vez cheguei ao terreno e disse aos funcionários que iria rodar o café 15 vezes ao dia, em vez de três, que é o normal. Eles me acharam louca”. Hoje, esse serviço é rotina na fazenda, e a produtora faz questão de liderar os procedimentos para, inclusive, dar exemplo a todos os envolvidos no trabalho. “Eu amo ficar no terreiro, rodo o café, fico lá doze horas por dia; abro e fecho tudo e, enquanto não estão encerradas as atividades, eu não vou embora”. Os resultados vieram, e a bebida evoluiu muito, deu tudo certo no que é exigido de um café especial de alta qualidade.
Atributos de qualidade nos cafés
O sucesso do Capoeira Coffee, que tem marca reconhecida pela qualidade, é resultado desse trabalho liderado por Marisa Helena de Souza Contreras. A cafeicultora faz questão de repetir que é essencial cuidar do café, rodar mais no terreiro, ter amor ao trabalho, mais carinho e zelar pelo produto. Ela ainda lembra que a melhor nutrição e uma lavoura bem-tratada expressam os mesmos atributos de qualidade nos cafés. “As mesmas qualidades que vieram do pé, que rodaram no terreiro, devem ser entregues na xícara do nosso comprador. Eu quero entregar para os meus clientes o melhor possível, eu quero que esteja nas xícaras deles todo esse amor, toda essa dedicação. É assim que produzimos cada grão de café”.
Atuação das mulheres
Após conseguir consagrar a marca Capoeira Coffee no concorrido mercado de cafés especiais, Marisa Helena explicou que ainda não estava plenamente satisfeita. O foco dela passou a ser a atuação das mulheres no mercado da cafeicultura. Há tempos ela observava exemplos de situações como aquela em que a mulher perdia o marido e logo vendia a propriedade. Além desses acontecimentos, outros diferentes casos envolvendo as mulheres ocorrem cotidianamente, como a própria história vivida pela empreendedora.
“Se eu consegui ajudar o meu marido, eu conseguirei fazer o mesmo para ajudar as mulheres”, enfatiza. “Se eu consegui transformar a vida do meu marido e se o café transformou a minha vida, eu também vou transformar a vida de outra mulher”. Com esse pensamento, “e uma grande inquietação”, a cafeicultora teve a ideia de fazer uma reunião de mulheres envolvidas de alguma forma com o universo do café. Surgiu, então, a proposta de realizar todos os anos, na Fazenda Capoeira, um encontro anual da mulher do café.
Mobilização em torno da mulher
No primeiro ano do encontro, cinquenta mulheres participaram. Em 2018, já foram trezentas participantes, e, neste ano de 2019, são esperadas quatrocentas mulheres. “Reunir essas mulheres, trazer palestrantes importantes, mostrar que elas também podem realizar, pois elas são muito poderosas e fortes, isso me trouxe uma enorme realização pessoal e profissional”, confessa Marisa Helena Contreras.
Como resultado desse trabalho, ela tornou-se palestrante do agronegócio Sebrae e embaixadora da rede Três Corações. “Também fiz parte de uma aliança global no mundo de mulheres que trabalham com café e ajudei a fundar essa aliança no país”, conta.
“Hoje, eu tenho tantos projetos que já não faço mais parte desse movimento”, explica.
No entanto, a mobilização em torno da mulher cafeicultora continua a toda velocidade, em forma de uma grande network.
Rede de relacionamentos
A rede é voltada para incentivar a troca de informações, a realização de negócios, os relacionamentos e o crescimento profissional e empresarial. “O mercado dos cafés especiais é uma estrutura que não envolve apenas os grãos de café; é também uma grande cadeia de relacionamentos”, explica a proprietária do Capoeira Coffee. Essa iniciativa, segundo Marisa Helena, produz resultados ao provocar a união das mulheres que juntas participam de encontros, feiras e palestras, além de colaborar para a melhoria da bebida produzida pelas mulheres. Ela conta que a rede tem um lenço como símbolo: “o nosso lencinho representa a flor do café que nos une, porque o lenço protege a mulher que apanha o café. Esse adereço tem como significado a nossa união e o nosso olhar na mesma direção”.
Projeto Florada
A inquieta cafeicultora vislumbrou logo em seguida outro grande desafio, mais um projeto destinado às mulheres dedicadas ao café. No ano de 2017, durante a Semana Internacional do Café — evento realizado anualmente no Expominas, em Belo Horizonte —, ela assistia a uma palestra do executivo Pedro Lima, CEO do Café Três Corações, quando teve a oportunidade de fazer uma proposta inovadora a ele. Marisa conta que chegou ao administrador da companhia, que detém 25% do mercado nacional do café, e disse: “a proposta que eu quero lhe fazer é para ajudar a transformar a vida de tantas mulheres que, como eu, produzem café com muito amor e muito carinho”.
Proposta aceita pelo executivo, surgiu, então, o Projeto Florada, um concurso nacional para premiar os melhores cafés produzidos por mulheres. Em março de 2018, ocorreu o lançamento nacional do concurso, e, durante a Semana Internacional do Café de 2018, no mês de novembro, houve as premiações das melhores produtoras. O primeiro lugar ganhou R$ 25 mil, o segundo, R$ 15 mil, e o terceiro, R$ 10 mil. Participaram 700 cafeicultoras de diferentes regiões brasileiras, um número expressivo.
“O café transforma vidas”
Além do concurso, a companhia Três Corações lança no mercado cafés das produtoras participantes do Projeto Florada. “Para essas 700 mulheres que tiveram a vida transformada, tudo melhorou no aspecto profissional. Além de produzirem um bom café, elas têm quem compre e valorize o produto e a história delas”, reconhece Marisa. A produtora vai além quando assegura que o trabalho dela “não é só produzir café, porque a minha vida é transformada pela bebida, à medida que o café transforma vidas — no mundo inteiro, são 25 milhões de famílias garantindo o sustento delas por meio do café, vivendo do produto”, ratifica.
Na Fazenda Capoeira, Marisa e o marido também desenvolvem projetos para geração de renda. Um deles envolve a compra, pela fazenda, de produtos fabricados pelas comunidades que vivem ao redor da propriedade e que são vendidos na cafeteria construída por eles. “As mulheres da minha comunidade se capacitam, fazem cursos e criam produtos maravilhosos, que são vendidos na cafeteria. Isso gera uma vida mais significativa para essas mulheres do campo, que começam a ter renda e passam a dar mais valor àquilo que produzem”, assegura.
Protagonismo no campo
Do alto da experiência adquirida e da trajetória que levou o Capoeira Coffee a conquistar mercados em cinco países, além do espaço ganho no mercado interno, Marisa Helena de Souza Contreras garante que hoje as mulheres exercem protagonismo no campo. “Nós temos muita facilidade de transitar entre o campo e a cidade, entre a carreira e a família. A gente busca a excelência em cada detalhe, em cada grão, a gente constrói a nossa história. No meu caso, é sempre uma história de sucesso quando entrego os melhores cafés para os nossos clientes”, sintetiza.
Potencialidade turística
A potencialidade turística da cafeicultura não poderia passar despercebido pela empreendedora. “As pessoas dão valor enorme a essa vida simples, à rotina do campo. Percebi que elas vinham passear na fazenda e ficavam encantadas”, descreve. Marisa criou, então, uma rota de turismo rural para o visitante passear e conhecer “como se constrói a história de um café de qualidade”.
A Fazenda Capoeira recebe grupos de compradores e visitantes previamente agendados. “Durante a visita, eu conto para eles toda a história do café no mundo e depois descrevo a história do Capoeira Coffee; como o nosso café é produzido e construído grão a grão e, finalmente, como essa bebida chega à xícara. Portanto, os turistas têm a oportunidade de conhecer essa história e de vivenciar essa experiência ao lado da cafeicultura, além de desfrutar da linda paisagem”.
Marisa esclarece que essa modalidade de receber visitantes é relacionada exatamente ao turismo de experiência, momento em que as pessoas mergulham nesse universo da cafeicultura. “As pessoas, muitas vezes, não têm ideia de como se constrói um café de qualidade, como se faz e quanta gente é envolvida. Isso explica porque eu tenho hoje dentro da fazenda os produtos turísticos cafeteria e a rota de turismo rural”.
É assim, na obediência irrestrita aos conceitos refletidos pelo empreendedorismo e, é claro, no rígido tratamento profissional da atividade, e ainda vislumbrando todas as oportunidades que surgem, que a marca Capoeira Coffee consagra a presença dela nos mercados dos cafés especiais.