Cafés especiais mineiros
Cafeicultura de alta sofisticação
Uma nova ordem, inclusive econômica, na cafeicultura caracteriza a produção dos cafés especiais, uma realidade que vai muito além da alta qualidade e do sabor da bebida. Em Minas Gerais, são quatro regiões que se destacam na produção dos sofisticados grãos de café: Cerrado Mineiro, Matas de Minas, Chapada de Minas e Sul de Minas.
Reportagem Cacaio Six/Júlio Rezende
Fotos Cezar Felix
Para quem se acostumou a frequentar cafeterias — um hábito do cotidiano já consagrado por muitos belo-horizontinos — e a saborear uma bebida que se diferencia pela alta qualidade, algo imediatamente sentido pelo paladar, além de poder escolher uma das modalidades em que o café é servido — seja coado, seja espresso, seja ainda aquele que pode ser preparado em equipamentos como prensa francesa, cafeteira italiana, aeropres,cleverou cápsula —, é muito interessante também conhecer a origem dele, de onde veio o grão capaz de gerar tão inebriantes sensações ao ser degustado.
Em Minas Gerais, são quatro regiões produtoras que se destacam na produção dos chamados cafés especiais: Cerrado Mineiro, Matas de Minas, Chapada de Minas e Sul de Minas.
Muito além da qualidade e do delicioso sabor, os cafés especiais representam hoje uma nova ordem econômica na cafeicultura. Os números divulgados pela Associação Brasileira de Cafés Especiais — entidade sediada em Varginha, Sul de Minas — impressionam: o mercado de cafés especiais registra uma expansão de 15% ao ano, enquanto o café tipo commodityou convencional cresce apenas 3%. Os dados são de 2018. Da produção total brasileira de 51,3 milhões de sacas, o índice de 15,6% refere-se aos cafés especiais. Foram exportadas 6,75 milhões de sacas, de um total de 8 milhões de sacas de cafés especiais que foram produzidas no país. Esses números representam 20% de todas as exportações brasileiras.
Cerrado Mineiro
A região do Cerrado Mineiro engloba 55 municípios, localizados nas regiões do Triângulo, do Alto Paranaíba e do Noroeste de Minas. São 210 mil hectares de café arábica cultivados por 4.500 produtores, que produzem em média 5 milhões de sacas ou 35 sacas por hectare. Da área total produtiva, 68 mil hectares são irrigados, e a área certificada corresponde a 102 mil hectares. Esses números representam 12,7% da produção brasileira e 25,4% do que é produzido em Minas Gerais. Os dados são da Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro, entidade sediada em Patrocínio, que administra a marca (de Denominação de Origem) Cerrado Mineiro.
Aliás, a região ganhou o reconhecimento da Denominação de Origem no ano de 2013, sendo a primeira do país a receber essa chancela de qualidade, que, inclusive, garante a certificação da qualidade do produto. O café do Cerrado tem como principais características: “aroma intenso, com notas que variam entre caramelo e nozes; a acidez é delicadamente cítrica e o corpo vai de moderado a encorpado; o sabor é adocicado com notas de chocolate e a finalização é de longa duração”.
Clima e altitude
Essas características se devem a fatores como a altitude das áreas cultivadas e às condições climáticas. Os cafezais são cultivados em altitudes que variam de 800 a 1.300 metros. O clima da região tem estações bem-definidas, com verões quentes e úmidos e inverno mais ameno e seco. O resultado é a produção de um terroirsingular, como define a Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro.
A garantia da qualidade do produto café do Cerrado Mineiro, como não poderia deixar de ser, está intimamente ligada à Denominação da Origem. A Federação dos Cafeicultores esclarece que o termo identifica “um território demarcado por produzir um produto que possui características únicas e que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar”. Os 55 municípios da região “produzem um café diferenciado em sua bebida. São cafés com identidade e alta qualidade, resultantes da combinação do clima, solo, relevo, altitude e o ‘saber fazer’ de sua gente”.
O reconhecimento da Denominação de Origem é uma responsabilidade do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
Grande ousadia
Essa conquista tão importante, que consagra e reconhece a qualidade do café do Cerrado Mineiro, começou no já distante ano de 2009, como recorda Cláudio Wagner de Castro, da Unidade de Agronegócios do Sebrae-MG. “Os produtores do Cerrado, além de pioneiros, foram muito determinados quando entraram em contato conosco com o objetivo de estruturar um grande trabalho”, atesta o profissional, que reconhece a “grande ousadia” dos cafeicultores.
Castro lembra que tudo veio ao encontro das propostas do Sebrae de propor, por meio da identificação da origem, “uma transformação positiva na vida das pessoas não somente a partir da estruturação do negócio cafeicultura, mas também fazendo com que elas se tornassem donas do próprio território, valorizando a cultura e a relação com o ambiente em que vivem”.
Não é por mero acaso que o lema da entidade dos produtores da Região do Cerrado Mineiro é “integrar, desenvolver e conectar as pessoas, influenciando a transformação e a evolução da cultura do café”. O objetivo final é ratificar a força da marca em razão da qualidade do produto e, é claro, garantir a origem do café, além de identificar a história do produtor e a maneira dele de trabalhar. “Hoje, o consumidor do café especial quer saber se o produto que ele compra tem realmente autenticidade, uma cultura própria de produção, se é produzido de forma ética e sustentável e, principalmente, se tem uma história”, explica Claudio Wagner de Castro, do Sebrae-MG.
Boas práticas agrícolas
Esse atual estágio de sucesso em que se encontra o café do Cerrado foi precedido de um complexo trabalho de articulação, que propôs ações conjuntas, discutindo planos e propostas sempre envolvidas com o território, como salienta Castro. “Nós nos conectamos com centros de pesquisas científicas, fizemos pesquisas de mercado, trabalhamos a gestão e articulamos de ponta a ponta: do produtor ao mercado”.
Para obterem a garantia de origem e qualidade, os produtores precisam seguir os mesmos processos na hora da produção, além de obedecer a regras. Alguns dos pontos exigidos são: altitude mínima de 800 metros;o café arábica é o tipo obrigatório; qualidade mínima de 80 pontos, tendo como base os métodos da Specialty Coffee Association (SCA), ou Associação Americana de Cafés Especiais, em português, e as boas práticas agrícolas e o respeito à legislação brasileira. Também é necessário usar a sacaria oficial da Região do Cerrado.Atualmente, o café do Cerrado tem várias marcas, com diversos produtores obtendo sucesso no mercado a partir da criação de diferentes tipos de blend. É o caso, por exemplo, da marca Dulcerrado, da Expocaccer (Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado), entidade associada à Federação dos Cafeicultores do Cerrado. Em 2107, a marca Nunes Coffee, de Patrocínio, arrebatou o Prêmio Cup of Excellence da BSCA (Associação de Cafés Especiais do Brasil) na categoria ‘pulped naturals’.
O Cup Excellence um dos mais renomados concursos de cafés especiais em nível mundial,
De quebra, a marca bateu o recorde como o café mais caro do mundo por ocasião de um leilão virtual promovido pela Alliance for Coffee Excellence (ACE) A saca de 60 Kg do produto foi comprada por R$ 55.457,60. O quilo do café, que equivale a cerca de R$ 917, foi adquirido em seis sacas por japoneses e australianos.
As principais cidades produtoras do Cerrado Mineiro são: Patrocínio, Monte Carmelo, Araguari, Patos de Minas, Campos Altos, Unaí, Serra do Salitre, São Gotardo, Araxá e Carmo do Paranaíba.
Matas de Minas
O case de sucesso do café do Cerrado Mineiro é agora vivido também pela região das Matas de Minas, cujo trabalho voltado para a certificação de origem foi iniciado em 2013, como informa o Sebrae-MG.
“Os cafeicultores da região, para serem reconhecidos como produtores de cafés de qualidade, mudaram completamente a lógica da produção. Houve muito investimento do território. As pessoas se conectaram, mudaram a forma de se relacionar, entenderam e absorveram as regras; houve uma mudança de comportamento, a própria sociedade causou essa transformação. A fama, anteriormente, era de que a região produzia café de baixa qualidade”, como descreve Cláudio Wagner, do Sebrae-MG.
“A região tem um propósito e uma relação com a cultura de seu povo e com o meio ambiente, pois está dentro do bioma Mata Atlântica. Há um desenvolvimento coletivo por parte dos produtores. Lá há muita variação de relevo e, portanto, variação de sabores, o que não deixa de ser muito desafiador”, acrescenta ele.
Agricultura familiar
A região das Matas de Minas é composta por 63 municípios situados no Leste do estado em uma área de Mata Atlântica. São 275 mil hectares de área de produção, sendo que 80% dos 36 mil produtores de café possuem menos de 20 hectares plantados. A atividade gera 75 mil empregos diretos e 156 mil indiretos, segundo dados oficiais.
De acordo com o sitedo Sindicato da Indústria de Café do Estado de Minas Gerais (Sindicafé-MG), o café é “responsável por 70% da renda rural” da região, local em que a agricultura familiar é predominante.
O café da região, da variedade arábica, é produzido em área montanhosa e irregular, sendo que “cerca de 70% das propriedades estão localizadas na faixa intermediária, cerca de 700 metros (de altura), ideal para o plantio de café”.
A topografia da região interfere no sabor do café das Matas de Minas. “Somos pioneiros no que chamamos de qualidade artesanal, o trabalho manual e as técnicas desenvolvidas pelos produtores da região para se produzir alta qualidade. O resultado desse trabalho é uma diversidade de nuances e sabores diferenciados, presentes em nossos cafés, que hoje se destacam nas principais premiações nacionais e internacionais”, informa o siteoficial da região das Matas de Minas.
Chapada de Minas
Composta por 77 municípios localizados nos vales do Mucuri e do Jequitinhonha, a Chapada de Minas está dentre as principais produtoras de café do estado e do Brasil. A cafeicultura, que ocupa uma área de 37,8 mil hectares, possui grande importância para a economia da região, principalmente para os agricultores de pequeno porte.
A atividade reúne aproximadamente 5.800 produtores e é responsável por gerar 20 mil empregos diretos e indiretos, sobretudo na agricultura familiar. A produção pode chegar a 560 mil sacas em ano de alta bienalidade (quando uma safra tem alta produtividade e na próxima apresenta queda).
Os dados são do Sebrae Minas, que realiza um trabalho técnico para aprimorar a produção de café da região. Como resultado, foi criado, em 2018, o Instituto do Café da Chapada de Minas. A iniciativa tem como objetivo criar uma diferenciação para os cafés da chapada, visando atestar identidade e origem do produto.
A qualidade da produção cafeeira da região foi reconhecida, com a conquista de um prêmio no Cup of Excellence — Brasil 2018, realizado em Guaxupé, no Sul de Minas. A empresa Primavera Agronegócios, com café produzido na Fazenda Primavera, em Angelândia, da Chapada de Minas, venceu na categoria “Pulped naturals” com o café cereja descascado, escolhido dentre 37 amostras analisadas.
Sul de Minas
Graças em parte ao clima e à topografia, caracterizada por montanhas e altitudes entre 850 metros e 1.250 metros, o Sul de Minas é o maior produtor de café do Brasil — sendo responsável por um terço da produção nacional. A cafeicultura, principal atividade econômica da região, gera 300 mil empregos diretos somente na lavoura, de acordo com a Fundação Procafé.
A qualidade dos grãos é influenciada tanto pela altitude quanto pela característica do solo, rico em nutrientes. Outro fator favorável para o desenvolvimento do café na região é o clima, marcado por chuvas abundantes no verão e frio sem umidade no inverno, provocando aumento de produtividade.
Além desses fatores, a produção artesanal, a infraestrutura sólida e os investimentos em pesquisas garantem qualidade ao premiado café do Sul de Minas. Para isso, são realizadas avaliações, por empresas nacionais e internacionais, análises que garantem que o produto está de acordo com o padrão de qualidade esperado.
O Cup of Excellence já reconheceu a qualidade do café produzindo no Sul de Minas. Um dos premiados foi o produtor Sebastião Afonso da Silva, dos sítios Baixadão e São Sebastião, na cidade de Cristina. Ele recebeu a maior nota já registrada no concurso: 95,18 pontos.
Manter o padrão de qualidade permite que o café da região seja exportado. A Starbucks, maior torrefadora de café do mundo, importa e distribui a produção do Sul de Minas para as 15 mil unidades que mantém em diversos países.
As variedades mais cultivadas no Sul de Minas são Catuaí e Mundo Novo, mas são produzidas também Icatu, Obatã e Catuaí Rubi. O café da região se caracteriza, em geral, por corpo médio, acidez alta e aroma adocicado, podendo sofrer variações no grão produzido nas montanhas, por exemplo, cujo corpo é mais aveludado.