A natureza é o destino

Estrada Real 20 anos — Ecoturismo

 A natureza é o destino

 Passados 20 anos do lançamento da rota turística da Estrada Real, que colaborou decisivamente para consagrar no Brasil e no exterior a grande potencialidade turística de importantes recantos da Serra do Espinhaço, arranjos locais mantêm vivo o turismo em destinos importantes, como a Serra do Cipó e o Parque Estadual da Serra do Intendente.

Reportagem Denise Menezes
Fotos Cezar Felix

Cachoeira do Tabuleiro: revitalização da trilha que leva à cachoeira.

Duas décadas depois do surgimento do projeto Estrada Real, arranjos ainda locais tentam consolidar as atividades que foram estabelecidas como foco de desenvolvimento da região quando foi pensado o roteiro. A Estrada Real é uma iniciativa criada com a intenção de implantar um corredor de turismo nos antigos caminhos abertos por bandeirantes e que foram oficializados pela Coroa Portuguesa, no século XVII, para o escoamento do ouro e dos diamantes encontrados em Minas Gerais. Esse projeto colocou em evidência, no Brasil e no mundo, a vocação para o ecoturismo e o turismo de aventura nas regiões da porção mineira da Serra do Espinhaço.

Com recursos escassos, comunidades, empresariado, gestores de áreas de conservação e administrações municipais apostam na ação conjunta e na criatividade para aperfeiçoar e criar produtos turísticos e, assim, promover a conservação de biomas singulares e a geração de renda para as populações.

Visitação aos parques: parceira para a preservação das áreas protegidas.

“Hoje há uma grande dificuldade financeira para manter as ações de incentivo do desenvolvimento do turismo com a temática da Estrada Real. Mas mobilizar as comunidades e municípios ao longo dos caminhos da rota, para o desenvolvimento do turismo, era o nosso grande objetivo. Se isso está acontecendo, nosso trabalho já pode ser considerado bem-sucedido”, diz o empresário Eberhard Hans Aichinger, o primeiro diretor e um dos fundadores, ao lado da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e dos professores Átila Godoy e Oyama Ramalho, do Instituto Estrada Real, responsável pelo lançamento da rota.

Atrativos valorizados

O analista ambiental do Parque Nacional da Serra do Cipó Edward Elias Júnior, envolvido nas articulações com a comunidade local para a promoção da atividade turística em sintonia com a preservação do acervo natural da área de conservação, considera que o projeto da Estrada Real deixou como legado uma grande contribuição para o ordenamento turístico regional, além de uma divulgação consistente e em mídia e da confecção e da distribuição de folheteria do parque e de seu entorno. “A região do parque já tinha um fluxo turístico direcionado antes da criação da área de conservação, e o próprio parque foi criado 15 anos antes do lançamento da rota da Estrada Real. Mas o projeto agregou valor aos atrativos, empoderou os municípios e fomentou o ordenamento turístico regional, atingindo até cidades fora da estrada”, avalia.

Aliada ao trabalho realizado pelo Instituto Estrada Real, Elias aponta uma grande mudança de postura na gestão das unidades de conservação como outro fator que contribuiu para a organização da atividade turística local. “Houve uma mudança de paradigma, passamos de uma visão mais conservacionista e voltada à pesquisa de conservação para o entendimento de que a visitação aos parques é uma grande parceira para a preservação das áreas protegidas. Visitantes bem-informados e orientados se transformam em aliados no combate a problemas como a caça dentro da área do parque”, explica, ao salientar que, hoje, apenas 2% da área do parque é usada para atividades turísticas.

Conservação dos recursos naturais

Conservação da natureza e diversidade da fauna: na foto, o veado-campeiro.

A mudança, destaca o analista ambiental, ocorreu com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), para a conservação dos recursos naturais e a pesquisa para a conservação das áreas protegidas em nível federal, em 2007. Essas funções eram antes exercidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) junto ao licenciamento e à fiscalização ambientais, atribuições que foram mantidas pela autarquia.

“A partir daí, passou-se a considerar as questões socioculturais, o ser humano, nesse processo de conservação ambiental e, como consequência, estabeleceu-se a gestão participativa dos parques. As comunidades foram inseridas no planejamento estratégico das áreas protegidas, sem que se perdessem, em nada, as atividades de pesquisa e conservação”, afirma. Segundo ele, houve uma abertura para a implementação de atividades turísticas que conectaram o parque com as comunidades do entorno, na preparação e na organização para receber o turista.

O cicloturismo é uma das atividades mais praticadas pelos turistas na região.

Hoje, toda a oferta de produtos turísticos no parque da Serra do Cipó é feita por empresas e prestadores de serviço da comunidade, o que movimenta a economia local. Na área de conservação, já é possível fazer passeios a cavalo e em charrete, canoagem, trilhas de cicloturismo, com aluguel de bicicletas dentro do parque (cerca de 40% do público frequenta o parque de bike), canionismona Cachoeira da Taioba e um roteiro de travessia que consiste em percorrer a pé longas distâncias em trilhas pelo terreno montanhoso. Nos fins de semana e feriados prolongados, empresas e prestadores de serviço parceiros do parque mantêm um representante na portaria da unidade, para fazerem a oferta dos serviços. O parque também fornece aos interessados, inclusive por telefone, os contatos dos parceiros que oferecem os serviços.

Travessias

A Travessia Alto Palácio-Serra dos Alves é um grande atrativo: Na foto, a Capela de São José.

A construção do roteiro de travessias no Parque Nacional da Serra do Cipó, iniciada em 2015, é um exemplo da abertura da área de conservação à participação da comunidade. O primeiro roteiro, da Travessia Alto Palácio–Serra dos Alves, foi construído e é gerenciado em parceria com voluntários. Junto à equipe do parque, empresas e o clube de montanhismo Centro Excursionista Mineiro (CEM) ajudaram na construção, na sinalização e no mapeamento das trilhas. Para as empresas, o trabalho voluntário é uma contrapartida para que a travessia seja um dos serviços oferecidos por elas aos clientes. O CEM, além de refazer toda a sinalização da trilha, promove cursos sobre impactos, considerações e princípios importantes em trilhas de longo percurso para todos os envolvidos no projeto.

A Travessia Alto Palácio–Serra dos Alves cruza o parque na direção predominante norte-sul, numa caminhada total de cerca de 40 quilômetros, a ser feita em três dias, em grupos de até 30 pessoas. Os descansos e pernoites são feitos no entorno de dois abrigos situados ao longo do percurso: a Casa de Tábuas, em Itambé do Mato Dentro, e a Casa dos Currais, já em Itabira. A travessia parte do Alto Palácio, a primeira edificação construída no parque, no município de Morro do Pilar, em 1984, para ser a sede administrativa do espaço, e vai até o portal da Serra dos Alves, no município de Itabira, em região totalmente inserida na Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira. Um segundo roteiro de travessia já está em elaboração pelo parque e pelos parceiros da área de conservação, a Alto Palácio–Cabeça de Boi.

 

As travessias são irresistíveis para quem aprecia o contato próximo à natureza.

Canionismo

Uma novidade em teste no parque é o canionismo na Cachoeira da Taioba. O canionismo é uma atividade de montanha que nasceu na Europa e começou a ser praticada esportivamente entre a França e a Espanha, na década de 1970, mesclando basicamente técnicas de alpinismo, espeleologia (exploração de cavernas) e de esportes aquáticos, como raftinge caiaquismo. Consiste na exploração de rios em desnível, sem embarcação, com utilização de técnicas e equipamentos específicos. Nesse esporte, transpõem-se os obstáculos aquáticos por meio de natação, flutuação e apneias, e os verticais, por meio de saltos, desescaladase rapéis. A atividade se completa com as caminhadas de aproximação e retorno.

No Parque Nacional da Serra do Cipó, a atividade foi proposta pela Inhangatu, uma empresa de turismo de aventura que mapeou a rota da Cachoeira da Taioba, e foi aprovada pelo Conselho Consultivo da unidade. São 1,2 mil metros de extensão total, com 400 metros de desnível, acessados com corrimão, desescaladae marcha aquática. A duração total de descida varia de seis a nove horas, dependendo do perfil do grupo.

As belezas naturais também atraem turistas como fotógrafos profissionais.

83 mil turistas na Serra do Cipó

 A Serra do Cipó fica na região sul da cadeia montanhosa do Espinhaço, localizada a 90 quilômetros da capital mineira. Marcada por rochas arenosas, a região se encontra no divisor de águas entre as bacias dos rios São Francisco e Doce. Possui uma das maiores diversidades de flora e fauna do mundo, inclusive de espécies ameaçadas de extinção.

O Parque Nacional da Serra do Cipó, com uma área de 33,8 mil hectares, nos municípios de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro, foi criado em 1984, para proteger e preservar esse patrimônio natural. O parque é caracterizado por sítios arqueológicos, cânions, cavernas, cachoeiras, rios, matas, campos rupestres e cerrados. Com a abertura à comunidade, o parque tem registrado crescimento no fluxo de visitação. Segundo Edward Elias Junior, entre os anos de 2002 e 2018, o número de visitantes quadriplicou, passando de 20 mil para 80 mil. Até novembro passado, o parque já havia recebido cerca de 83 mil turistas.

Já a APA Morro da Pedreira, com mais de 100 mil hectares,é considerada pelo Atlas da Biodiversidade de Minas Gerais uma área de extrema importância biológica. Numa região de transição entre Mata Atlântica e Cerrado, a APA tem por objetivo a preservação do Parque Nacional da Serra do Cipó, do conjunto paisagístico da Serra do Espinhaço e dos sítios arqueológicos, além da proteção dos habitatsdas espécies raras e endêmicas e das ameaçadas de extinção, como o lobo-guará, o veado-campeiro e o gato-maracajá.

Lapinha da Serra, um dos mais belos recantos da Serra do Espinhaço.

Avenida-parque

Além da oferta de novos produtos turísticos, a comunidade da Serra do Cipó também se preocupa em retomar projetos abandonados pelo setor público na região. Um grupo de empresários, capitaneados pela Associação Comercial da Serra do Cipó, tenta resgatar um antigo projeto de implantação de uma avenida-parque, num trecho de 5 quilômetros, urbano e duplicado, da MG-10, entre a ponte sobre o Rio Cipó e o Véu da Noiva, acampamento local da Associação Cristã de Moços. De acordo com o empresário André Jack Motta Belisário, diretor da Zareia Integração Ambiental, onde está situado um dos principais atrativos da Serra do Cipó, a Cachoeira Grande, a avenida-parque, com ciclovia, seria uma contrapartida ambiental às obras de asfaltamento da estrada que, no entanto, não foram ainda executadas.

“Nossa ideia, então, é nos focarmos nesse projeto, de executar pelo menos o paisagismo de parte desse trecho, com o plantio de 300 mudas de árvores, de maneira a sensibilizar as autoridades públicas para a conclusão do projeto”, explica. André Jack informa que 200 mudas serão bancadas pela Associação Comercial e outras 100 pela Prefeitura de Santana do Riacho, que se responsabilizará também pelo plantio e pela manutenção de todas os exemplares.

Paralelamente à execução do paisagismo em parte da rodovia, o empresariado local busca se articular com deputados eleitos na região para levar ao governo de Minas o pleito de recursos a serem aplicados no projeto da avenida-parque e em outros que visam aperfeiçoar a infraestrutura da Serra do Cipó. André Belisário conta que o empresariado local tem investido em diversificar a oferta de hospedagem. “Hoje, por exemplo, tem crescido a oferta de casas para aluguel por temporada, uma mudança orgânica para a região”. Ele diz ainda que a expectativa do segmento empresarial da Serra do Cipó é de uma retomada nos índices de ocupação da rede de hospedagem da região na temporada de verão. “No ano passado, foi registrada uma taxa de ocupação entre 25% e 30% da capacidade. Agora, o índice já está entre 35% e 40%, e algumas pousadas registram uma ocupação altíssima para a nossa região, que é de 50%”.

Estação de mountain bike

O empresário Antônio Gonçalves, conhecido como “Ticorico”, que organiza, há mais de 20 anos, viagens para grupos de ciclistas interessados na prática demountain bike, reconhece que a rota da Estrada Real criou um fluxo turístico para as comunidades da Serra do Espinhaço, com ações de marketingagressivas, conseguindo até ser enredo da mais tradicional das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, a Mangueira, em 2004. “O turismo na Estrada Real virou negócio de fato, com as comunidades envolvidas. Trouxe turistas, criou uma expectativa. Mas, de alguns anos para cá, caiu no esquecimento, pela falta de divulgação dos caminhos e sob a justificativa da falta de recursos para os investimentos necessários”, analisa.

As belas e diversas paisagens proporcionam a criação de diferentes atrativos turísticos.

Apesar disso, Ticorico é o idealizador de um projeto turístico já em implantação e que deve ser inaugurado em março do próximo ano, uma estação de mountain bikeem Conceição do Mato Dentro — a Bikestation —, que pretende ser a maior infraestrutura nacional de apoio ao turista biker. O projeto é resultado de acordo entre a prefeitura municipal da cidade e a mineradora Anglo American, que explora, no município, a Mina do Sapo, para a extração de minério de ferro. A empresa vai custear todo o projeto.

A Bikestation terá mesas para lanche, áreas de encontro (meeting points), estacionamentos, marcos, placas, totens, lavador de bicicletas (bike wash) e postes com energia solar para recarga das modernas bicicletas elétricas, ideais para quem quer fazer menos esforço nas trilhas pelas montanhas de Minas. O funcionamento será como o das estações de esqui. O ciclista vai pedalar em um local com boa estrutura e segurança e terá à disposição as informações técnicas de que necessita, em português e inglês, com dados sobre perfil das trilhas, tempo gasto estimado, gráfico de altimetria, grau de dificuldade, atrativos, dicas de alongamento e localização de serviços médicos mais próximos.

 Medidas de compensação ambiental

O empresário Samuel Taets Júnior, proprietário da Pousada da Gameleira, situada no distrito do Tabuleiro, em Conceição do Mato Dentro, tem avaliação semelhante à de Ticorico sobre a influência da criação da rota da Estrada Real para o desenvolvimento do ecoturismo na região. Ele lembra que o trabalho do Instituto Estrada Real conseguiu envolver a administração municipal na criação de roteiros e tentou transformar a cidade na capital mineira do ecoturismo.

Um outro ângulo da Cachoeira do Tabuleiro, 273 m de puro encantamento.

“Houve um boom, com verbas investidas por Fiemg, prefeitura e empresas engajadas no processo. A rota foi divulgada em mais de 200 países. Mais adiante, tivemos parte da cadeia do Espinhaço reconhecida pela Unesco como Reserva da Biosfera, o que foi um novo incentivo para a visitação. Mas se esqueceram de criar uma interlocução com as pessoas que estavam nos pontos da rota, as quais são fundamentais para estimular o turista a subir e descer o caminho. Hoje, com a falta de recursos, quem não tem precisa implorar para conseguir até uma folheteria de divulgação da rota, e o trabalho se perdeu”.

Aliado à escassez de verbas para o investimento na rota, na análise de Samuel, Conceição do Mato Dentro enfrenta outro grande problema, a dificuldade de reter o turista na cidade e no entorno. “Temos muito o turismo do bate-volta, do público que vai até a Serra do Cipó e vem à cidade para conhecer a Cachoeira do Tabuleiro, mas não se hospeda aqui”, explica. Segundo ele, a taxa média de ocupação nos meios de hospedagem da cidade é de 30%. “E 30% não pagam o investimento do empresário”, reclama.

A ação conjunta entre empresariado, agentes públicos e comunidade também tem sido o caminho trilhado em Conceição do Mato Dentro, na busca pelo desenvolvimento do turismo na região. “Temos trabalhado muito com a preparação da infraestrutura, com a realização de cursos de capacitação específicos para o turismo”, informa o empresário.

Como medidas de compensação ambiental pela exploração do minério, relata Samuel, a Anglo American tem investidos em outras ações no município, já executadas ou em execução, como a reforma da sede do Parque Municipal Natural do Tabuleiro, a revitalização da trilha que leva à cachoeira de mesmo nome, na área do parque, a preparação de trilha e a construção de escadaria e ponte de madeira na Cachoeira Rabo de Cavalo, no Parque Estadual Serra do Intendente, a reforma dos balneários da cidade e a construção de rampa para voo livre no Pico do Soldado.

 Rota das Dez Cachoeiras

Cachoeira Rabo de Cavalo: rota das 10 cachoeiras.

Marcos Alexandre dos Santos, gestor do Parque Estadual Serra do Intendente, criado em 2007, com 13,5 mil hectares, nos distritos de Tabuleiro e Itacolomi, em terras altas da cordilheira do Espinhaço, diz que a gestão compartilhada tem sido a ferramenta usada pela unidade para cuidar melhor e prepará-la para o turismo. “Temos trabalhado com as associações comunitárias, com a Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro e com o Conselho Municipal de Turismo da cidade, buscando um turismo de base comunitária e uma gestão de uso público”, afirma. A ação tem garantido o crescimento da visitação no parque, a qual passou de 2,8 mil visitantes, em 2014, para cerca de 7 mil, no ano passado.

Dessa interlocução com a comunidade, nasceu o projeto Rota das Dez Cachoeiras, um percurso de estradas e trilhas que totaliza 43,5 quilômetros no eixo principal e que tem como principal objetivo fomentar o turismo, principalmente o de base comunitária. O caminho atravessa comunidades do entorno do Parque Estadual Serra do Intendente e do Parque Natural Municipal do Tabuleiro. Ao longo do caminho, o visitante poderá conhecer dez cachoeiras. O caminho pode ser percorrido de bike, a pé ou a cavalo, atendendo diferentes perfis, usuários que podem optar por fazer o trajeto em etapas de um ou mais dias.

O percurso é dividido em quatro etapas. A primeira, entre as comunidades quilombolas de Três Barras e Cubas, tem 5,7 quilômetros e passa por dentro dos parques Natural Municipal do Tabuleiro e Estadual Serra do Intendente. A segunda, da comunidade de Cubas à Cachoeira do Tabuleiro, acrescenta mais 17,3 quilômetros à travessia. Da Cachoeira de Tabuleiro à Cachoeira do Parauninha, na terceira etapa, são mais 8,5 quilômetros. E na última etapa, entre a Parauninha e a Prainha, mais 12 quilômetros. No trajeto, o visitante vai conhecer as Cachoeiras de Três Barras, Peixe Cru, as quedas de Ribeirão do Campo, Tabuleiro, Congonhas, Altar, Rabo de Cavalo, Bocaina, Gurita — um complexo de três cachoeiras — e Prainha.

De acordo com Marcos Santos, as comunidades do entorno estão sendo preparadas para receber o turista que fará a rota, e essa preparação tem ocorrido por meio de cursos de capacitação. Foram cadastrados 60 prestadores para o fornecimento de 100 serviços diferentes. A rota, ainda em teste, deve ser inaugurada em fevereiro do próximo ano.

 Articular e integrar é preciso

A rota turística da Estrada Real só será consolidada definitivamente se as iniciativas trabalhadas por todos os envolvidos forem articuladas e integradas em todo o percurso.

Outro símbolo da Serra do Espinhaço: Pico do Itambé.

O economista e fotógrafo Marcos Rodolfo Amend, especialista no desenvolvimento de projetos que aliam o turismo à conservação ambiental, tem um posicionamento crítico sobre o trabalho realizado na Estrada Real. Ele reconhece o mérito do projeto na formação do conceito da rota e na divulgação dos caminhos, mas considera que a execução foi falha no que diz respeito à capacitação de pessoal, à criação de roteiros e à formatação de produtos turísticos.

Na avaliação de Marcos Amend, o esforço de comunicação se perde quando, ao longo dos caminhos que integram a rota, o turista não encontra serviços e atividades adequados. As iniciativas que a sociedade civil, o empresariado e o poder público hoje empreendem em trechos desse caminho, na análise do economista, só vão trazer bons resultados para consolidar a rota turística da Estrada Real se forem articuladas e integradas em todo o percurso. “Esse é o papel que o Instituto Estrada Real deve exercer, o de ser o catalisador dessas ações, para que a oferta de serviços, em todo o trajeto da Estrada Real, seja equilibrada”.

Marcos Amend salienta que os problemas registrados na rota são muito comuns no Brasil quando se trata do turismo de experiência, aquele ligado à história e à natureza. “As pessoas se preocupam muito com estruturas como obeliscos e portais, mas o desenvolvimento da atividade turística depende é de gente. Então, é preciso investir na capacitação das pessoas. É necessário também criar produtos atrativos. E tudo isso precisa ser realizado de maneira integrada quando o projeto envolve vários destinos”, frisa.

 Lapinha da Serra  

Turistas aproveitam a linda Lapinha da Serra e a incrível luz do lugar.

 A falta de contato com os responsáveis pelo projeto da Estrada Real, o que leva a um sentimento “de não pertencer” à rota, é a principal reclamação do empresário Teuler de Oliveira Reis, que é proprietário de casa e chalés elegantes, para aluguel, em Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho. “Todo o trabalho da Estrada Real na minha região ficou concentrado na Serra do Cipó. Não nos alcançou aqui na Lapinha. Eu só soube que a Lapinha da Serra estava na rota quando comecei a usar um aplicativo de hospedagem ligado ao pessoal do projeto. Nunca tive essa informação ou um contato de quem trabalhava a rota turística, e atuo aqui há 23 anos”, afirma.

Na Lapinha da Serra, relata Teuler, todo o esforço para a formatação de produtos e a capacitação de pessoal vem da sociedade civil, do empresariado e, em algumas oportunidades, da Prefeitura Municipal de Santana do Riacho. Ele informa que, embora esteja operando em total capacidade nos fins de semana, quando consegue estar com todos os imóveis ocupados, nunca hospedou um turista que estivesse fazendo a rota da Estrada Real. Conta também que não recebeu qualquer folheteria do corredor turístico na qual a Lapinha estivesse incluída. “Recebo hóspedes que buscam a região para conhecer as cachoeiras, para fazer trilhas, e outros que só querem a experiência de estar em um ambiente integrado com a natureza”.

A Lapinha da Serra faz parte da APA Morro da Pedreira. Está a 143 quilômetros de Belo Horizonte. Os moradores mais antigos a chamam de “Lapinha de Belém”. O povoado tem cerca de 300 habitantes, que vivem da agricultura de subsistência e do turismo.

Com inúmeras belezas naturais, a região atrai visitantes para conhecer cachoeiras, lagos, grutas, rios, picos, sítios arqueológicos, fauna, flora e o principal, as pessoas e a cultura local. É tradição do povoado a realização dos festejos religiosos para comemorar o dia do padroeiro da Lapinha, São Sebastião, o Dia de São Pedro, o Dia de Santa Cruz, a Festa de Nossa Senhora da Aparecida, a comemoração do mês de Maria e as festas juninas.

 Serra dos Alves

A Serra dos Alves (e as mais incríveis trilhas no entorno dela) também faz parte da Estrada Real.

Na bucólica Serra dos Alves, em Itabira, o turismo tem sido fomentado pela comunidade, que se reúne uma vez ao mês, há três anos, para discutir ações que possam viabilizar a organização local da atividade. Helena Ferraz Ayres, proprietária da Casa de Cultura, um espaço destinado à realização de oficinas e hospedagem, informa que a mobilização já foi responsável por importantes conquistas para a melhoria da infraestrutura do lugarejo. “Conseguimos, junto à Prefeitura de Itabira, recursos para o calçamento da vila e dos caminhos dos morros da Serra dos Alves, e para a construção da estação de tratamento de água”, informa.

Ela destaca que há uma grande preocupação da comunidade de que o turismo na região seja organizado de maneira a respeitar as suas características naturais e culturais singulares. E, por meio do envolvimento da população, a Serra dos Alves formulou um manual de conduta para o turista. “Serra dos Alves tem um modo de vida peculiar, com uma população idosa e com muitas crianças, e queremos que a comunidade tenha voz nesse processo, formule as diretrizes para o desenvolvimento do turismo, de forma sustentável”, destaca.

As ações do projeto da Estrada Real, na avaliação de Helena, tiveram pouco alcance na região. “Nos cinco anos em que estou aqui, a única medida foi a instalação de placas de sinalização, em 2018, mas a iniciativa não veio acompanhada de uma interlocução com a comunidade. “Não houve contato com a população local e sequer uma reunião que envolvesse quem vive aqui”, diz.

Segundo ela, na região, o único exemplo de ação integrada com comunidades de outros trechos da Estrada Real se deu na preparação da Travessia Alto Palácio – Serra dos Alves, ação coordenada pelo Parque Nacional da Serra do Cipó. “Temos uma boa interlocução com a equipe do Parque, e houve um envolvimento da população na construção do roteiro da travessia e nas decisões das ações que precisávamos empreender. O pessoal do parque realizou ainda oficinas para a capacitação da comunidade para receber o novo roteiro”.

Helena diz ressentir de uma maior integração da Serra dos Alves com as outras comunidades ao longo do percurso da Estrada Real, de modo que as ações para o desenvolvimento do turismo sejam mais unificadas. “Aos poucos nossa comunidade está se abrindo para o turismo, já existe um estímulo para isso, nos últimos dois anos o fluxo turístico tem crescido, mas falta impulsionar as ações integradas com o restante da rota.

A Cachoeira do Bongue é uma das belas da Serra dos Alves.

A Serra dos Alves é uma formação geológica localizada no município brasileiro de Itabira, no interior do estado de Minas Gerais. Está situada à cerca de 45 km da sede da cidade e dista cerca de 15 km do distrito Senhora do Carmo.

O lugar está encravado na vertente leste da serra do Espinhaço, fazendo fronteira com o Parque Nacional da Serra do Cipó, e destaca-se como um dos locais com mais atrativos naturais de toda a região. Faz parte da APA Morro da Pedreira, e é um dos divisores de águas entre as bacias hidrográficas do rio São Francisco e do rio Doce, onde nasce o rio Tanque com suas várias cachoeiras, como o Cânion dos Marques.

 

 

 

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