O reino animal da Serra do Cipó

Além de ser um dos principais atrativos turísticos de Minas Gerais e formar um exuberante conjunto natural — que está entre os maiores do mundo por sua importância e impressionante beleza cênica —, a Serra do Cipó é abrigo para 55 espécies conhecidas de mamíferos. Porém, o dado ameaçador é que 11 espécies que lá vivem estão seriamente ameaçadas de extinção.

Por: Tudy Câmara
Fotos: Roberto Murta

A Serra do Cipó é dos conjuntos naturais mais exuberantes do mundo. Considerada por Burle Marx como o “Jardim do Brasil”, pela extraordinária diversidade de ambientes, da fauna e da flora.

Está localizada nos municípios de Santana do Riacho, Jaboticatubas, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro, na região sul da Cordilheira do Espinhaço, no Estado de Minas Gerais. Localiza-se no divisor de águas das bacias hidrográficas dos rios São Francisco e Doce.

O nome da Serra do Cipó vem do rio Cipó, assim chamado pelo seu leito sinuoso. O rio Cipó é afluente do rio São Francisco.

A ocupação da Serra iniciou-se com os bandeirantes, no século XVII. No século XVIII a região foi percorrida por grandes naturalistas como Lund, Saint-Hilaire, Warming, Langsdorff, dentre outros, que iniciaram impressionantes registros da riqueza da flora, da fauna e de sítios arqueológicos e paleontológicos.

A Serra do Cipó é atualmente uma das principais atrações turísticas de Minas Gerais, e encontra-se muito próxima da capital mineira. Está inserida na Estrada Real e no Circuito do Diamante. Possui um Parque Nacional, com beleza cênica ímpar, inúmeras cachoeiras e flora e fauna exuberantes. Sendo assim, a região possui grandes atrativos para o lazer, práticas esportivas ao ar livre, e muita biodversidade, para os pesquisadores.

O Parque Nacional da Serra do Cipó foi criado em 25 de setembro de 1984, pelo decreto no. 90.223 e fica a 90 Km de Belo Horizonte. O Parque está inserido no bioma do Cerrado, com grandes áreas de campo rupestre. Ocorrem também matas de galeria, que possuem influência da Mata Atlântica na composição de espécies, e alguns fragmentos de Mata Atlântica. A região se destaca, portanto, pela imensa riqueza de espécies, distribuídas em ambientes extremamente diversificados.

Abundância de espécies vegetais

A flora da Serra do Cipó vem sendo estudada há muito tempo, com descobertas relevantes, como a ocorrência de numerosas plantas endêmicas — aquelas que só existem lá — configurando uma das maiores taxas de endemismo do mundo.

Da flora destacam-se várias espécies de sempre-vivas, cujas flores secas, pelo fato de não murcharem e nem perderem a cor, são utilizadas como decoração. Por isso, também são muito coletadas, e, consequentemente estão sempre sob algum tipo de ameaça. Outro grupo de plantas muito diversificado na Serra do Cipó são as canelas-de-ema, e algumas das espécies são muito interessantes: as canelas-de-ema gigante, por exemplo, que atingem até seis metros de altura e um metro de circunferência na base do tronco.

São encontradas também orquídeas e bromélias de várias espécies e várias cores, margaridas, cactos, ipês e quaresmeiras, além de fascinantes liquens coloridos que brotam sobre as pedras. Enfim, a abundância de espécies vegetais é tão grande que a região encontra-se permanentemente florida durante todo o ano. É um verdadeiro laboratório a céu aberto para os pesquisadores.

Fauna rica e menos conhecida

A fauna da região também é muito rica, porém menos conhecida. Possui um número alto de espécies endêmicas, principalmente de insetos e anfíbios. Entre as aves e os mamíferos também destacam-se várias espécies ameaçadas de extinção.

Os mamíferos se distinguem dos outros grupos de vertebrados pela presença de glândulas mamárias, que fornecem leite como alimento às crias. Nos machos essas glândulas estão presentes, mas de forma rudimentar. Apresentam também glândulas sudoríparas e sebáceas em diversas partes do corpo, variando conforme a espécie. Algumas dessas glândulas se modificam e expelem odores que apresentam várias funções, como defesa, marcação de território e atração sexual. Em quase todas as espécies os pêlos revestem o corpo e formam uma camada protetora contra a perda de calor para o ambiente.

Os mamíferos podem pesar poucos gramas, como minúsculos morcegos que pesam cerca de três gramas, até animais com muitas toneladas, como as grandes baleias e os elefantes. A fauna de mamíferos do Brasil é formada por animais de pequeno e médio porte, não temos grandes mamíferos.  A anta é o maior mamífero terrestre do Brasil, alcançando até 1,20 m de altura e pesando até cerca de 300kg.

Muitas vezes vamos visitar uma área verde, como um Parque e ou uma reserva biológica com uma expectativa grande de avistarmos mamíferos e nunca eles aparecem. Sabe por que isso nunca acontece? A maioria dos mamíferos tem hábito noturno, o que torna muito difícil sua observação na natureza, sendo os vestígios por eles deixados, muitas vezes, os meios mais eficazes para notar sua presença. Ao andarmos nas matas e nos campos, constantemente observamos suas pegadas, fezes, pêlos, ossadas e outros sinais, mas visualizá-los é uma tarefa difícil.

As espécies que apresentam hábitos diurnos, como os macacos, os tamanduás e os esquilos são a minoria e, se tivermos um pouco de sorte, poderemos conseguir visualiza-los.

55 espécies de mamíferos

Existem atualmente aproximadamente 5418 espécies de mamíferos viventes em todo o mundo. Destas, habitam o Brasil 682 espécies, cerca de 13% do total das espécies. É o país com o maior número de espécies de mamíferos no mundo. Em Minas Gerais são registradas cerca de 243 espécies de mamíferos, e destas 55 já foram encontradas no Parque Nacional da Serra do Cipó.

A maioria das espécies de mamíferos registradas na Serra do Cipó apresenta ampla distribuição geográfica, ou seja, vivem no Cerrado, na Mata Atlântica e também na Caatinga. Entretanto, algumas só ocorrem no Cerrado (endêmicas do Cerrado), como alguns ratos-do-mato e a raposinha.

Outro dado importante é em relação a ocorrência de espécies ameaçadas de extinção, que estão na lista oficial do Estado e que vivem na Serra do Cipó. São 11 espécies. Vivem por lá os lobos-guará, as raposinhas, as lontras, os ratos-de-espinho, as jaguatiricas, os gatos-do-mato-pequeno, as suçuaranas, os tatus-rabo-de-sola, os tamanduás-mirim, os catitus e os guaribas.

O Homem tem que preservar esses animais, para poder preservar a si próprio, pois todos os seres vivos fazem parte da teia da vida.

Devido às alterações do meio ambiente, e muitas provocadas pelo Homem, muitas espécies de mamíferos, hoje, se encontram sob algum tipo de ameaça de extinção. A lista de espécies de mamíferos ameaçadas de extinção no Brasil registra 69 espécies. Esse número  provavelmente é bem maior, pois faltam estudos sobre a situação dos mamíferos no país. Corremos o risco de toda a fauna de mamíferos estar ameaçada. Assim, é muito importante o conhecimento dos mamíferos e de sua interação com o meio, para que sejam identificadas estratégias para a conservação dessa diversidade.

A sabedoria do Homem está em conviver harmoniosamente com o meio ambiente, sem comprometer a fauna e a flora locais. É função do cientista produzir o conhecimento sobre a biodiversidade, mas é dever de todo cidadão atuar em sua preservação. Agindo assim, estaremos garantindo a nossa própria sobrevivência.

História natural de algumas espécies da Serra do Cipó

O gambá (Didelphis albiventris)

O gambá é um pequeno mamífero que vive em todas as regiões de Minas Gerais. Apresenta uma alimentação bastante generalista: come ovos, frutas, tubérculos, invertebrados, pequenos vertebrados, como aves, roedores, cobras, sapos, pereças e outros. Apresenta uma bolsa marsupial, onde os filhotes prematuros se alojam, após 13 dias de gestação. Os filhotes ficam aderidos aos mamilos até por volta de 60 dias e, progressivamente, vão se soltando e se expondo ao ambiente até completarem o desmame, que ocorre por volta de 90 a 100 dias. Uma curiosidade dos gambás é a presença de glândulas odoríferas, na região anal que eles utilizam como meio de defesa.

O mico-estrela (Callithrix penicillata)

O mico-estrela também conhecido por sagüi ou souin é um pequeno primata que apresenta uma mancha branca na testa o que lhe confere seu nome popular mais conhecido. Esses micos se alimentam de frutas, flores, néctar, pequenos invertebrados e exudatos de determinadas espécies de árvores (resina liberada por algumas espécies, composta por açucares e sais minerais). São animais gregários vivem em bandos. Uma curiosidade da espécie é a atividade social mais importante que eles praticam que é a catação ou grooming, que é a retirada de parasitas entre os pêlos … é uma forma de estabelecer laços afetivos com o grupo.

O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus)

O lobo-guará é o maior canídeo da América do Sul. A espécie está ameaçada de extinção no Estado de Minas Gerais e no Brasil. E um animal de hábito alimentar carnívoro, mas grande parte de sua alimentação é composta de frutas, principalmente a fruta-do-lobo ou lobeira, que recebeu esse nome devido a grande quantidade que o lobo-guará consome. O lobo-guará é um animal solitário e ativo à noite. O macho e a fêmea só andam juntos na época do acasalamento. O período de gestação é de 60 a 65 dias e geram de dois a cinco filhotes. Os filhotes nascem de cor preta com a ponta da cauda branca e assemelham-se a filhotes de cachorro doméstico. Mais tarde as feições e a coloração vão mudando. Uma curiosidade em relação ao lobo-guará é sua timidez — muito diferente do que muitos pensam a seu respeito.

A raposinha (Lycalopex vetulus)

A raposinha é um dos menores canídeos da América do Sul e algumas espécies só ocorrem no Brasil. É visualizado na Cerrado, na Caatinga e no Pantanal, sempre em áreas abertas. Ao longo de sua distribuição é conhecido, também por raposinha-do-campo e ou canela-seca. É um carnívoro, mas sua preferência alimentar tem chamado atenção dos pesquisadores. A espécie alimenta-se de pequenos mamíferos, répteis, aves, invertebrados, mas principalmente de cupins. Está na lista das espécies ameaçadas de extinção como vulnerável, no Estado de Minas Gerais.

O rato-de-espinho (Trinomys moojeni)

O rato-de-espinho é um pequeno roedor que apresenta a região dorsal coberta por pelos rígidos, como espinhos. Mora em áreas próximas a cursos d´água e é considerado um bom nadador. Vive sozinho e só é encontrado acompanhado, na época reprodutiva. Tem hábitos noturnos, como a maioria dos mamíferos. Esse roedor se alimenta de frutos, sementes e às vezes insetos. Uma curiosidade interessante desse animal é em relação aos espinhos que ele apresenta, na região dorsal …. quando se sente ameaçado, eriça os espinhos, e quando atacado, os espinhos se soltam facilmente penetrando na pele daquele que o molestou. Essa espécie de rato-de-espinho se encontra na lista das espécies ameaçadas de extinção como vulnerável no Estado de Minas Gerais.

O tatu-galinha (Dasypus novemcinctus)

O tatu-galinha é uma das espécies de tatus mais comuns que ocorre no Estado de Minas Gerais — e também na Serra do Cipó. Além de ser chamado de tatu-galinha é conhecido também por tatu-preto, tatu-verdadeiro, tatu-veado. Esses nomes comuns variam com a região do Estado e ou do país. Alimentam-se principalmente de formigas, cupins e outros insetos; algum material vegetal e pequenos vertebrados. É uma caça bastante apreciada, e, portanto, está sempre na mira dos caçadores.

O tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla)

O tamanduá-mirim é também conhecido de melete, michila, jaleco ou tamanduá-de-colete. Alimenta-se basicamente de formigas e cupins. Apresenta hábitos terrestres e arborícolas. São vistos em atividades tanto de dia, como à noite. É um animal que só ocorre na América do Sul. Uma curiosidade do tamanduá-mirim é que quando se sente ameaçado levanta-se apoiando nas patas posteriores e mostra suas patas anteriores com as garras afiadas, caracterizando popularmente “o abraço do tamanduá”. O tamanduá-mirim está na lista das espécies ameaçadas de extinção do Estado de Minas Gerais como vulnerável.

A jaguatirica (Leopardus pardalis)

A jaguatirica é um felino que ocorre em todos os Estados do Brasil e em todos os biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Campos Sulinos). A espécie é essencialmente carnívora, alimenta-se de roedores, aves, lagartos, anfíbios, peixes e caranguejos. Vivem sozinhos, exceto na época de reprodução quando casais ou fêmeas com filhotes podem ser vistos. A jaguatirica está na lista, como vulnerável, das espécies ameaçadas de extinção do Estado e do país.

A jaratataca (Conepatus semistriatus)

A jaratataca também é conhecida por jeritataca, jacarambeva, cangambá ou gambá é uma espécie de carnívoro que vive no Cerrado e na Caatinga de Minas Gerais. Alimenta-se de pequenos vertebrados, invertebrados e frutas. É um animal pouco visualizado, pois é ativo apenas ao entardecer e à noite. Uma curiosidade da espécie é a presença das glândulas anais. Essas tem função de defesa. O odor liberado por essas glândulas pode ser sentido a grande distância. Os sertanejos dizem que “se a jaratataca lançar o muco de suas glândulas em você as roupas que tiver usando terão que ser descartadas … o cheiro nunca mais sai”. O cheiro é bastante forte e marcante. Quem se depara com uma jaratataca e sente o odor das glândulas nunca mais se esquece.


Tudy Camara e Roberto Murta são diretores da Bicho do Mato Instituto de Pesquisa e Bicho do Mato Meio Ambiente


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