Leônidas Oliveira — a cultura aliada ao turismo

O secretário Leônidas Oliveira

 O secretário estadual de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira — arquiteto e urbanista pela PUC Minas e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Valladolid, Espanha — sintetiza as realizações de sua gestão desde a posse em 2020 e admite que não esperava que Minas Gerais alcançasse números tão expressivos no turismo como acontece agora. Leônidas, mineiro de São Gotardo (município da região do Alto Paranaíba), afirma que a Secretaria Estadual de Cultura e Turismo (Secult) tem uma engenharia estratégica e uma inteligência que norteiam as ações da pasta. O secretário diz ainda que a cultura é aguerrida e livre.

Por Cezar Félix

— Como o senhor sintetiza até agora a sua gestão frente à Secretaria de Estado da Cultura e Turismo?

— Quarenta e cinco dias depois da data em que aqui cheguei, em 11 de março de 2020, a pandemia foi declarada oficialmente. Naquela ocasião, o levantamento que fizemos é que a Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) ainda tinha poucos projetos, inclusive porque era um momento em que éramos obrigados a segurar as movimentações culturais e, obviamente, a atividade turística. Mas foi quando eu me lembrei do seguinte: a arte salva. Nós então arrecadamos 500 quilos de alimentos para os artistas e a madrinha dessa ação foi a Elza Soares. Foi o primeiro projeto da minha gestão na secretaria. Além desse projeto e também com o Agroturismo e o Minas Consciente — sempre na tentativa de driblar aquele momento —, a nossa prioridade era trabalhar pela manutenção dos empregos. A ocupação hoteleira, por exemplo, não poderia ser plena, e hoje nós podemos dizer que tivemos sucesso. As avaliações mostram poucos casos de meios de hospedagem fechados atualmente em Minas Gerais. Conseguimos passar por aquele período pandêmico crítico e posso citar conquistas muito importantes e significativas: marcamos presença em todas as feiras nacionais e internacionais; passamos de dois para nove voos internacionais; temos voos não subsidiados para o interior de Minas e essa é uma demanda mantida apenas por passageiros. O norte de Minas recebe voos, assim como as regiões turísticas mineiras. Veja o caso de Paracatu, onde existem 350 casarões tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), cuja conexão era muito complexa a partir de BH. A esse panorama acrescento os 24 meses da liderança de Minas Gerais no crescimento do turismo, duas vezes a média nacional, como foi divulgado em abril de 2024. E, em agosto, a Bahia está apenas 0,1 ponto acima de Minas Gerais. A liderança do nosso estado no setor turístico brasileiro é resultado direto da estratégia de aliar a cultura ao turismo. Isso multiplica as possibilidades de atrair o turista para conhecer (e usufruir) dos mais variados aspectos da mineiridade por meio da estruturação de roteiros que privilegiam a nossa paisagem cultural — incluindo a nossa incomparável cozinha, o nosso patrimônio histórico e artístico e, é claro, os nossos paradisíacos atrativos naturais. O balanço então é muito positivo até porque, em 2023, os serviços ligados à cultura e ao turismo foram os maiores geradores de renda e de empregos de carteira assinada. Não há melhor resposta como essa: gerar empregos para as pessoas.

— O senhor esperava que Minas Gerais alcançasse esses números no turismo?

— Eu não esperava, nem nos meus melhores sonhos. O que aconteceu durante a pandemia: eu viajava por até 15 dias no meu carro por Minas Gerais com a minha equipe. Eu comecei a ver a diversidade da nossa cultura e das nossas paisagens, a beleza que a gente tem, e observava as delícias da nossa cozinha. Essas coisas que a gente sabe. Eu não imaginava, porém, que nós chegássemos a tanto. O meu motorista, Geovani, disse na ocasião: “Ninguém está saindo dos escritórios, só você. Então quando isso tudo passar, Minas estará lá na frente”. Foi ele quem previu. Eu não esperava, mas acreditava. Agora, quando você pega dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não tem o que discutir. Você esperava que tudo isso fosse desencadear em R$ 3,5 bilhões em investimentos em turismo em Minas Gerais nestes dois anos vindos de fora do Brasil? Um Vila Galé em construção em Ouro Preto e um outro programado para ser erguido em Brumadinho? A Clara Resorts no Inhotim — com investimento em torno de R$ 300 milhões — e a inauguração recente em Alfenas de um hotel da rede Accord? Os números mostram investimentos robustos, crescentes e sustentáveis. O Vila Galé de Ouro Preto, conforme me disse Jorge Rebelo de Almeida (CEO da rede hoteleira portuguesa), será um dos mais rentáveis em termos de ocupação graças ao turismo pulsante aqui no nosso estado. O nosso negócio é muito bom, mas nós não podemos nos descuidar. Temos que continuar promovendo e nos estruturar ainda mais. Minas Gerais sempre esteve na moda na história do Brasil, sempre teve a hospitalidade reconhecida, mas acho que hoje nós temos plena consciência do que a gente realmente é. E, quando isso acontece, o outro também toma consciência do que nós somos. Então, no turismo, faltava essa consciência do poder de atração e de aderência ao que os turistas desejam: as pessoas querem vivenciar a nossa cultura, usufruir dos nossos costumes e se envolver com a mineiridade. Ou seja, eles querem viver as experiências. Por isso, nós investimos tanto nessa modalidade inovadora, que traz ótimos resultados, o Turismo de Experiência.

A liderança de Minas Gerais no setor turístico brasileiro é resultado direto da estratégia de aliar a cultura ao turismo. Isso multiplica as possibilidades de atrair o turista para conhecer (e usufruir) dos mais variados aspectos da mineiridade.

—  O senhor pode descrever como é a metodologia de trabalho desenvolvida pela Secult? 

 — O ano é litúrgico. Assim, é acertado aproveitar as datas importantes do ano, isso está dando certo. Minas Gerais é uma terra religiosa. Nós temos muitas festividades que são litúrgicas. Então, nós temos o Natal da Mineiridade, que é o tempo do advento; o Réveillon, que é o tempo da paz; o Carnaval, também é litúrgico, uma festa da carne, que antecede a festa da Quaresma; o Minas Santa é uma festa dos feriados, pois ela casa com os feriados nacionais e religiosos. Depois temos o Minas Junina, que não é uma festa litúrgica, mas é religiosa. Na sequência, há esse momento de inverno, que é quando Minas Gerais mais faz festa. São os períodos em que acontecem as festas pagãs durante o solstício de inverno. Ainda podemos contabilizar os festivais de inverno que acontecem simultaneamente às várias exposições agropecuárias e aos rodeios. São eventos que ocorrem em um período em que não chove.

— Há um conceito estratégico nessas ações da Secult?

— Sim, essa foi uma estratégia de posicionamento adotada por Minas Gerais em relação ao Nordeste, ao Sul do Brasil e também ao exterior. Trata-se de uma conjuntura propícia para posicionar Minas porque temos diversos produtos turísticos que são muito aderentes. São mais de 100 vinícolas, por exemplo. Então precisamos nos posicionar, pois vinho combina com frio. Nós temos as vinícolas na Cordilheira do Espinhaço e no Sul de Minas, na Serra da Mantiqueira, lugares frios no inverno e que contam com municípios turísticos belíssimos e paisagens deslumbrantes. Nós ainda temos as termas que também combinam com o frio. Tudo faz parte de uma estratégia de posicionamento. Já no segundo semestre, acontecem as promoções de Minas Gerais nas feiras. Eu considero esse trabalho nas feiras como um excelente gatilho de impulsionamento. Também realizamos uma ampla divulgação na imprensa em geral, nas redes sociais e no Google. Minas sempre está nas primeiras páginas do buscador. Quando se busca por montanhas, temos as montanhas de Minas, e quando se busca por mar, temos o mar de Minas. A Secult tem uma engenharia estratégica, uma inteligência que norteiam as nossas ações. Aliás, no Mar de Minas os dados são ainda melhores. Anteriormente, as pessoas chegavam no Lago de Furnas de ônibus somente para passar o dia e voltar para casa. Hoje isso não acontece mais, pois agora há a sempre desejada permanência dos turistas por períodos mais longos. Eles vão lá para conhecer todas as rotas oferecidas. A Secult uniu o Mar de Minas com a Serra da Canastra. Ali são inúmeros atrativos dentro e nos arredores do Parque Nacional da Serra da Canastra em lugares como Delfinópolis, o município brasileiro que abriga a maior quantidade de cachoeiras. A ocupação hoteleira é alta, de pessoas vindas de outros pontos de Minas, do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas também de todas as regiões brasileiras e do exterior.

Há uma conjuntura propícia para posicionar Minas Gerais porque temos diversos produtos turísticos que são muito aderentes.

— Como o senhor analisa as questões relacionadas às manifestações tradicionais, sobretudo aquelas ligadas às raízes africanas?

— Embora a manifestação cultural seja um produto turístico, antes de tudo ela é tratada como um produto da cultura. Agora mesmo as congadas e os reinados estão protegidos como patrimônios imateriais de Minas Gerais. Antes não existiam políticas públicas para a afro-mineiridade; então nós desenvolvemos esse projeto que também inclui os terreiros e as demais manifestações das matrizes africanas. A congada, de uma forma especial, pois é uma expressão latente na nossa cultura. Já adianto que nós vamos lançar as rotas das festas de Nossa Senhora do Rosário, a Rota do Rosário. Fizemos um mapeamento de todas as festas de Nossa Senhora do Rosário e nós vamos criar estes roteiros de forma muito potente — já temos tudo muito organizado, geoprocessado e mapeado.

— Por falar em roteiros, há projetos relacionados à Rota do Café, correto?

— A Rota do Café é muito potente no Sul de Minas e as pessoas já começam a visitar a Rota do Café do Cerrado Mineiro, criada recentemente. O fato é que os turistas que visitam essas rotas vivem dias de ótimas experiências. Na verdade, o Sul de Minas explodiu em se tratando do turismo do café. Não só a rota que nós criamos, mas há outras rotas já existentes. São fazendas que recebem os turistas com qualidade, eficiência e essas experiências estão plenamente consolidadas.  Eu me lembro que quando eu estudava na Europa, os meus amigos me pediam para tirar fotos de um pé de café, me pediam até folhas de café, até que um dia eu levei um pezinho de café. Como eu costumava visitar as rotas das vinícolas, eu já sabia que essa modalidade de rota relacionada à cafeicultura poderia atrair muita gente. O café é a bebida mais consumida do mundo depois da água. As pessoas teriam interesse em saber como se planta e como se produz café. O mundo pós-pandêmico trouxe atrativos de enorme interesse relacionados às experiências que Minas Gerais, insisto, tem aderência de sobra. O turista cansou de apenas observar. Eu tenho uma frase, é até um mantra que eu guardo para mim: só tem verdade aquele que tem uma experiência cultural porque senão é mentira. A cultura é que traz a verdade. Tudo é uma experiência cultural. Minas Gerais é uma experiência cultural. Eu costumo dizer o seguinte: se você for em uma cachoeira em São Paulo ou em Mato Grosso será diferente daqui. Se você visita uma cachoeira em Minas, na sequência você poderá ir comer um torresmo, por exemplo, e saborear uma boa cachaça. Portanto, essa é uma experiência cultural diferente de todas as outras.

As congadas e os reinados estão protegidos como patrimônios imateriais de Minas Gerais. Antes não existiam políticas públicas para a afro-mineiridade.

— Como o senhor, que é arquiteto e urbanista, avalia as tão fundamentais questões relacionadas à proteção e conservação do patrimônio histórico de Minas Gerais?

 — Nós lançamos R$ 4,5 milhões em um edital para revitalização do patrimônio histórico de Minas Gerais, o Restaura Minas. Nós repassamos até o momento — o IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) e a Secult —, R$ 105 milhões para os municípios e, até o final do ano, serão repassados R$ 165 milhões para a recuperação do patrimônio histórico. Para a proteção do patrimônio imaterial, nós já liberamos em torno de R$ 30 milhões. Ou seja, cerca de R$ 200 milhões neste ano. Uma notícia muito boa, o PAC das Cidades Históricas anunciou mais de R$ 260 milhões para Minas. Em uma parceria fantástica com o Ministério Público, o projeto Minas para Sempre segue restaurando mais de 40 bens pelo estado. Inclusive o Palácio da Liberdade, que recebeu R$ 10 milhões na primeira fase para restaurar e iluminar. E devemos lançar o Minas para Sempre Fase 2, com outros projetos. São projetos fundamentais para Minas Gerais, pois nós temos o maior sítio barroco do país, nós temos o maior número de cidades barrocas coloniais, 62% do patrimônio histórico tombado está aqui. Para coroar de vez todo ano de 2024 e toda uma história de Minas Gerais, virá a declaração da Unesco (que eu aguardo ansiosamente) elevando o queijo como Patrimônio Cultural da Humanidade.

— Sobre Belo Horizonte, como o senhor vê a efervescência cultural da nossa capital, incluindo os grandes eventos como o Carnaval?

— Particularmente, eu tenho uma história muito especial com a nossa capital. Eu comecei a minha carreira como diretor do Museu da Cidade, o Abílio Barreto. Depois, eu me tornei secretário municipal de Cultura. Quando se fala em carnaval — que aqui existe desde que BH nasceu —, mas que teve uma explosão em 2009 e, em 2012, ele de fato começou a acontecer, eu estava lá presente naquele momento. A primeira Virada Cultural nós fizemos na minha primeira gestão, o primeiro Festival Literário Internacional de Belo Horizonte – Fli-BH aconteceu na minha gestão, assim como a inauguração do Museu da Moda. Ainda na minha gestão, Pampulha Patrimônio da Humanidade, a criação da Escola de Arte, a recuperação dos três teatros municipais, construímos o (teatro) Raul Belém Machado no bairro Alípio de Melo, o Contorno Cultural e entregamos o primeiro cinema de rua público, o Cine Santa Tereza. A minha história com a produção cultural em Minas Gerais é muito linda. Eu vou dar um exemplo de uma realização da qual eu gosto muito: o Festival Sarará começou na primeira Virada Cultural e nós recebemos na plateia cerca de 30 pessoas. Hoje, o Sarará recebe um público de 60 mil pessoas. A Virada Cultural e o Carnaval criaram uma produção cultural muito poderosa, foram projetos iniciados na minha gestão e que seguiram crescendo. É preciso citar a potência na Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. Esse ano o estado investiu R$ 165 milhões sem nenhum contingenciamento. O governador Romeu Zema acredita no incentivo. É como eu disse ao governador: para cada R$ 1 investido (um estudo da Fundação Getúlio Vargas realizado em 2016) em um evento com repercussão turística (medido de janeiro a janeiro no Rio) voltam R$ 13 para a economia. Esse dinheiro volta em forma do hotel, do combustível, do bar, do restaurante, do salário e do comércio popular, dentre outras atividades correlatas. No Carnaval foram investidos R$ 30 milhões de forma direta, além de toda infraestrutura oferecida. Ou seja, podemos considerar que esse valor investido fez retornar simplesmente 13 vezes mais. O fenômeno do Carnaval de BH ter atraído mais turistas estrangeiros do que a Bahia é algo muito importante e significativo. A cultura traz uma rentabilidade absurda, a economia da criatividade gera oportunidades, negócios, várias modalidades de empreendimentos e empregos.

É preciso citar a potência na Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. Esse ano o estado investiu R$ 165 milhões sem nenhum contingenciamento.

— A cultura então precisa também ser vista como uma atividade econômica de grande relevância…

Muito além disso, uma outra coisa proporcionada pela cultura é o fato dela ser fundamental para nossa existência, para que nós possamos ser felizes. A cultura tem essa capacidade. A cultura é felicidade e bem-estar. A cultura ainda tem os seus abnegados que são os artistas. Pode-se falar o que for da cultura, mas a cultura é sinônimo da abnegação. Eu estou há muitos anos na cultura. Os artistas e os produtores, embora cada um expresse a sua ideologia, eles, no fundo, lutam para que a cultura exista, para que a liberdade exista, para que a pessoa humana exista. Se há uma coisa que nos une é a batalha pela pessoa humana, pelo direito de ser, existir, pensar, criar, fazer e viver plenamente. Toda cultura é aguerrida, o fio condutor é dar dignidade a todos. A cultura não admite ser presa ou repreendida, a cultura é livre. Em um estado que tem na bandeira o símbolo da liberdade, nós temos o dever de deixar a cultura livre.

 

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