O Parque do Estadual do Rio Preto (PERP) — localizado no alto do vale do rio Jequitinhonha em São Gonçalo do Rio Preto — conserva uma preciosa biodiversidade do Cerrado na Serra do Espinhaço e protege as nascentes da bacia do rio Jequitinhonha. O PERP oferece aos visitantes quatro roteiros temáticos, com trilhas estruturadas e sinalizadas, em lugares que a natureza desenha paisagens deslumbrantes.
Reportagem Cacaio Six/Fotos Cezar Félix e Marcos Amend
As trilhas dessa reportagem que chegou ao Parque Estadual do Rio Preto (PERP) seguiram inicialmente rumo à Pousada Raiz Parque, empreendimento — uma Reserva Particular do Patrimônio Natural — vizinho do parque, localizado no povoado do Alecrim, município de Couto de Magalhães de Minas. A estrada de terra, de seis quilômetros de extensão, repleta de subidas, descidas e curvas, proporciona sensações aventureiras, além de bonitos cenários.
O lugar, que está a 1.200 metros de altitude, combina hospedagem de alta qualidade com uma extensa área de natureza preservada. O Raiz Parque abriga belas cachoeiras, típicas do Cerrado, e generosos trechos ao longo da Serra do Espinhaço, cuja vegetação é constituída por magníficos campos rupestres conservados.
Roteiros temáticos
Para chegar ao PERP, basta pegar essa estrada de volta e se dirigir à entrada principal da Unidade de Conservação, que tem na gerência Antônio Augusto Tonhão de Almeida, que deu apoio e completo suporte para a produção desta reportagem. Ao chegar na portaria, a primeira impressão foi muito boa devido ao gentil atendimento por parte do profissional responsável. Seguindo adiante, na estrada interna do parque — muito bem cuidada, por sinal — a primeira visita foi ao Centro de Visitantes.
Na companhia de um outro atencioso servidor, foi possível visitar a sala para exposições, a biblioteca e o auditório que tem capacidade para 70 pessoas. A estrutura se completa com 12 alojamentos, arejados e confortáveis, com capacidade para hospedar até 60 pessoas; uma casa de hóspedes; três residências institucionais; a sede da administração e o restaurante. Há ainda a área de camping (com capacidade para até 35 barracas), equipada com fonte de água potável, quiosques, churrasqueiras, lavatório de pratos e roupas e vestiários.
O Parque do Rio Preto oferece quatro roteiros temáticos, com trilhas estruturadas e sinalizadas: Roteiro Convivência com a Fauna e a Flora; Roteiro Praias de Rios e Cachoeiras; Roteiro dos Mirantes e Roteiro das Pinturas Rupestres. Cada roteiro conta com diferentes trilhas e diversos atrativos.
Imersão dentro do Cerrado
A Trilha do Cerrado (grau médio de dificuldade) faz parte do primeiro roteiro e é possível percorrê-la em duas horas e trinta minutos. Com 4,6 km de extensão ao longo das margens do Rio Preto, a rota proporciona uma intensa imersão dentro do Cerrado. O contato é muito próximo à impressionante vegetação do bioma, é possível visualizar várias espécies de pássaros e, com um pouco de sorte, alguns exemplares da fauna. O conjunto de trilhas leva a deliciosos lugares para banhos como os poços do Veado, da Pedra, o Vau Bravo e o Vau das Éguas.
Com grau de dificuldade baixo e a pequena extensão de 550 metros, a Trilha das Crianças, equipada com sinalização interpretativa para os pequenos, cruza uma mata fechada até chegar à linda Prainha. É mais visitada em razão da proximidade com a sede do parque e também pela beleza do contraste entre a areia alva da praia e as águas escuras do rio.
Praias e cachoeiras
No roteiro seguinte, das Praias de Rios e Cachoeiras, destaque para a paradisíaca Trilha da Cachoeira do Crioulo, que pode ser percorrida em até três horas. Embora tenha grau de dificuldade entre médio e alto em 6,5 km de extensão de algumas subidas íngremes, o trajeto termina na deslumbrante queda de 30 metros de altura. A pequena praia com areia branca junto a um formoso poço para banho completa o fascinante cenário. A rota não pode ser percorrida em dias de chuva e deve ser iniciada antes das 11 horas.
Também com grau de dificuldade de médio a alto (4,5 km de extensão e duas horas de meia de duração), a Trilha da Cachoeira das Sempre-vivas proporciona belas visões dessa planta tão típica da região e leva à queda d’água de 15 metros de altura. É outra que deve ser iniciada antes das 11 horas.
Já a Trilha da Forquilha (uma hora e grau de dificuldade baixo), de fácil acesso, possui 2,2 km de extensão. O encontro do córrego das Éguas com o rio Preto inspirou o nome do lugar, pois essa junção forma uma grande piscina. Mais uma piscina natural, formada pelas águas do Rio Preto, caracteriza a Trilha do Poço de Areia (uma hora em dois quilômetros). No trecho, é possível observar belos exemplares da fauna e da flora.
A Trilha das Corredeiras (três horas) tem 5,2 km de extensão, mas se somar a distância total desde a sede, chega-se a 10,4 km. Destaque para as intrigantes formações rochosas — em torno do poço de Areia — com tonalidades que variam entre branco, cor de rosa e alaranjado. As pedras escorregadias impedem que o trajeto seja percorrido em dias de chuva.
Visões privilegiadas
Sobre o Roteiro dos Mirantes, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) esclarece que “o caráter geomorfológico do PERP é um importante fator paisagístico e, se bem compreendido, pode se transformar em um importante atrativo ecoturístico da Unidade”. Conforme o IEF, “os diversos mirantes existentes no Parque são pontos mais altos que permitem visões privilegiadas de diferentes paisagens. São de fácil acesso e alguns deles se localizam em trilhas de outros roteiros”.
Um marco da Estrada Real caracteriza o Mirante da Estrada Real, de onde se tem uma vista panorâmica para o pico Dois Irmãos e para o rio Preto, além de bonitos afloramentos rochosos cobertos por rupestres. O grau de de dificuldade é baixo, pois fica a menos de 100 metros da da estrada principal do parque.
Quase toda a bacia do córrego das Éguas — as piscinas naturais, os lajeados, as matas ciliares, uma densa vegetação de Cerrado — pode ser observada do Mirante do Lajeado (3,4 km de dificuldade média em uma hora e meia de caminhada). Também avista-se o morro do Alecrim, parte do pico Dois Irmãos, o leste do parque no município de Felício dos Santos e, ao fundo, a serra da Pedra Menina. Já a porção norte em direção à portaria é visualizada desde o Mirante da Lapa (cinco minutos de trilha e a pouco mais de 100 metros da estrada principal do parque).
Os vales do Ribeirão das Éguas e do rio Preto, além do pico Dois Irmãos e serra do Jambreiro, são vistos do alto do Mirante do Monjolo (uma hora de percurso em 2,8 km de dificuldade média). A trilha de acesso até o mirante fica no mesmo caminho que segue para a trilhas das cachoeiras — que também leva ao vizinho Mirante da Pedra (uma hora e quinze minutos), de onde se tem uma outra bela vista panorâmica para o vale do Ribeirão das Éguas e do rio Preto.
Sítios arqueológicos
Conforme informa o IEF, foram identificados no parque, no Roteiro das Pinturas Rupestres, 32 sítios de interesse arqueológico, sejam possuidores de testemunhas pré-coloniais ou de interesse histórico. São atrações de fácil acesso, porém a visitação é restrita.Próxima à estrada principal do PERP, a Lapa das Piabas (45 minutos de caminhada e baixo grau de dificuldade em 1,4 km) é um sítio arqueológico que preserva figuras rupestres ainda não estudadas, com formas semelhantes a peixes.
Nas proximidades da estrada surge um abrigo nas rochas que mostra a figura rupestre de um quadrúpede: é a Lapa do Tatu (1,3 km de dificuldade baixa), pois a pintura lembra o animal. O outro sítio arqueológico é a Lapa do Tropeiro (30 minutos, um quilômetro), antiga parada de tropeiros que transitavam pela Estrada Real, de São Gonçalo do Rio Preto a Diamantina, transportando mantimentos, pedras e metais preciosos. Ainda é possível conhecer o interessante Moinho de Fubá, localizado a 790 metros da estrada principal.
Para quem aprecia rotas com alto grau de dificuldade e longas distâncias, vale muito a pena percorrer a travessia dos Parques do Rio Preto e do Pico do Itambé, com 50 km de extensão. Segundo o IEF, o percurso é feito em áreas com altitudes superiores a 1.000 metros e, durante a caminhada, é possível observar o pico Dois Irmãos, com 1.836 metros, e o pico do Itambé, com 2.052 metros. É exigida assinatura de termo de responsabilidade e agendamento prévio com a administração dos dois parques.
12 mil hectares protegidos
Localizado no alto do vale do rio Jequitinhonha e dentro do maciço da Serra do Espinhaço, o Parque Estadual do Rio Preto — instalado em uma área de mais de 12 mil hectares no município de São Gonçalo do Rio Preto — tem enorme importância na proteção não só das várias espécies ameaçadas da flora e da fauna como também das nascentes da bacia do rio Jequitinhonha. Em uma região naturalmente formada por grandes afloramentos rochosos — características das formações geológicas locais — a natureza desenha paisagens deslumbrantes como é o caso das áreas que circundam as cachoeiras dos Crioulos e das Sempre Vivas. O cenário do PERP ainda revela outras tantas cachoeiras e piscinas naturais, incluindo todos os encantos que o bioma Cerrado apresenta.
‘Rio de Preservação Permanente’
O rio Preto, que dá nome ao parque, é um afluente da margem esquerda do rio Araçuaí que, por sua vez, é afluente do rio Jequitinhonha. O Instituto Estadual de Florestas explica que “a área do PERP abrange todas as suas nascentes, até o início de seu curso médio, a partir do vilarejo de Santo Antônio. Ao longo do percurso no interior do parque, esse rio proporciona várias configurações da paisagem, que definem locais para a visitação pública e potencial turístico”. Ainda segundo o IEF, “em 1991 o rio Preto foi declarado ‘Rio de Preservação Permanente’, concretizando o grande interesse da comunidade de São Gonçalo do Rio Preto”. Esta providência, como explica a instituição, “culminou na necessidade de proteger a nascente. Dois anos depois, foi sancionada a lei que autorizou a criação do Parque Estadual do Rio Preto com o objetivo principal de proteger as nascentes do rio Preto”.
No ano de 1989, o Instituto Estadual de Florestas fez um trabalho de classificação das águas do rio. As águas da nascente, segundo o IEF, foram classificadas como “classe especial” e, no percurso, como “classe A”. O IEF acrescenta que os recursos hídricos do PERP “são privilegiados e favorecem a formação de cachoeiras, piscinas naturais, corredeiras, sumidouros, cânions e praias fluviais com areias brancas”.
Flora
Como é característico da Serra do Espinhaço, o Parque do Rio Preto preserva uma preciosa biodiversidade no que se refere à vegetação da Unidade de Conservação. Lá existem árvores como candeia, cedro, pau d’óleo, peroba, ipê, jatobá-de-cerrado, monjolo, carvalho, pau pereira, sucupira, araticum e jacarandá. Das espécies da flora dos belos campos rupestres destaque para as canelas-de-ema e para as sempre-vivas. Existem, inclusive, espécies endêmicas desta incrível planta, como explica o IEF: “a serra do Ambrósio apresenta três espécies de sempre-viva, cada uma pertencente a uma face da serra. A espécie é incomum em outras formações brasileiras”. Outras espécies que colorem o parque são as orquídeas, bromélias éricas, azaleias e o sano. Ainda conforme o IEF, nas porções a leste do PERP há uma maior influência da Mata Atlântica e as porções norte e sul apresentam faunas associadas aos biomas do Cerrado e aos campos rupestres, respectivamente.
Fauna
Dentre os animais protegidos pelo Parque do Rio Preto, estão mamíferos como suçuarana, jaguatirica, lobo-guará. tatu-canastra, tamanduá-bandeira e veado. De enorme importância são as aves endêmicas como o lenheiro-da-serra-do-cipó, o beija-flor-de-gravata-verde e o rabo-mole-da-serra. Também vivem lá a coruja-barraqueira, o tico-tico-do-campo e a maria-branca. No interior do parque, informa o IEF, foram registradas espécies nativas de peixes como o jundiá, descoberto no rio Preto e ainda pouco conhecido por pesquisadores.