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A Galeria Claudia Andujar renasce com artistas visuais indígenas no Inhotim

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Claudia Andujar, Inhotim.

Claudia Andujar, Inhotim.

Dez anos após ser inaugurada no Inhotim, a Galeria Claudia Andujar apresenta obras de artistas indígenas que dialogam com o legado da fotógrafa.

 

Reportagem Cyro Almeida/Fotos Maria Vaz

 

ANDUJAR. É de conhecimento amplo que o sobrenome da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar sobreveio ao casamento com seu primeiro marido, Julio Andujar. Natural supor que a reputação da fotógrafa já estava consolidada na esfera pública quando se separou de Julio e, portanto, abrir mão do nome de casada poderia acarretar algum prejuízo a sua visibilidade como artista. Todavia, a história não é essa.

Batizada como Claudine Hass, casou-se em 1949 com Julio Andujar, seu colega de High School, aos 18 anos em Nova York, e a união durou apenas nove meses. Após o divórcio, manteve o sobrenome do marido para ocultar sua origem judaica, em um mundo ainda dilacerado pelo extermínio de milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. Ela própria foi uma sobrevivente.

Nascida em 1931 na Suíça, viveu sua infância na Transilvânia — região foco de disputas territoriais entre Romênia e Hungria na primeira metade do século XX. A “solução final” criada pelos nazistas abateu-se sobre seu pai e outros membros da família, todos mortos nos campos de concentração de Auschwitz e Dachau. Em 1944, aos 13 anos, Claudine conseguiu escapar com sua mãe rumo à Suíça, e dois anos depois mudou-se para os Estados Unidos, onde adotou o nome Claudia. A mudança do prenome na imigração e a manutenção do sobrenome espanhol provindo de um casamento de tão curta duração demarcam a forma como a jovem judia inscreveu sua autonomia por meio do rebatismo.

Reinaguração da “casa de terra”

Em abril de 2025, o museu de arte contemporânea e jardim botânico Instituto Inhotim (Brumadinho, Minas Gerais)”, promoveu a reinauguração e o rebatismo da Galeria Claudia Andujar, que passou a se chamar Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano (termo que designa “casa de terra” na língua Yanomami). Essa nova galeria exibe trabalhos de 22 artistas indígenas da América do Sul em diálogo com a obra de Andujar.

Claudia Andujar, inhotim

Sala de abertura da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano.

Mais do que promover uma exposição de longa duração — é indeterminado o tempo de permanência da mostra Maxita Yano —, a reconfiguração do espaço expositivo e o rebatismo cumprem o propósito de aprofundar as reflexões sobre existências indígenas e suas relações com a arte contemporânea.

Inaugurada em 2015, sob a curadoria de Rodrigo Moura, a galeria no Inhotim pôs em destaque a obra de uma das mais influentes fotógrafas brasileiras do século XX. Sessenta anos antes, em 1955, Andujar desembarcava no Brasil pela primeira vez, aos 24 anos, com o propósito de visitar a mãe, que se mudara para o país após a guerra. Jovem artista que se dedicava à pintura, foi no Brasil que ela despertou para a fotografia. Instalou-se em São Paulo, onde vive até hoje, passando a contribuir com veículos de comunicação no país e no exterior.

Fotografia dos Yanomami

No ano de 1971, o fotojornalismo levou Claudia à Amazônia. Contrariando os desígnios da revista Realidade — que a contratara como fotógrafa, mas não pautara questões indígenas —, Claudia seguiu para a missão católica da bacia do rio Catrimani, território Yanomami, em Roraima. A experiência com os indígenas foi tão impactante que aquela foi sua última contribuição para a Realidade. A partir daí, Andujar se dedicaria, sem nenhuma restrição criativa ou editorial, a fotografar os Yanomami, permanecendo longos períodos na região do Catrimani até 1976, financiada por bolsas da Fundação Guggenheim e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Em 1977, mesmo ano em que conheceu Davi Kopenawa Yanomami, Claudia Andujar é retirada das aldeias do Catrimani pela Funai, sob comando do governo militar brasileiro. O revés serviu de estímulo para sua atuação ainda mais incisiva como militante indigenista, sendo uma das fundadoras, em 1978, da Comissão para a Criação do Parque Yanomami (CCPY), entidade que exerceu papel central nos esforços que precederam a demarcação e homologação da terra indígena pelo governo federal em 1992.

Claudia Andujar, Inhotim.

Sala documental da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano.

Pioneirismo na experimentação

Falta dizer que além do aspecto mais notadamente político da obra de Andujar, suas fotografias são marcadas pelo pioneirismo na experimentação. Por exemplo, podemos observar entre as técnicas e recursos utilizados pela fotógrafa: película preto e branco de alta sensibilidade (granulação); película de alto contraste; diapositivo (slide); película redscale; película infravermelha; dupla exposição de um único frame; disparo de flash conjugado à baixa velocidade do obturador; domínio do contraluz; utilização de vaselina nas bordas das lentes; sobreposição de negativos em laboratório fotográfico; refotografia de imagens monocromáticas empregando películas e iluminações coloridas. Tais variações permitiram que ela expressasse não só o mundo material, mas também o mundo onírico, mitológico e transcendental dos Yanomami.

Claudia Andujar. Inhotim.

Visitante observa fotografia infravermelho de Claudia Andujar | Maxita Yano. Foto: Daniela Paoliello / Divulgação.

Este breve contexto demonstra que não foi de pouco relevo a incorporação feita pelo Instituto Inhotim das obras de Claudia Andujar em seu acervo e a construção de uma galeria exclusiva em 2015, numa década em que despontavam as lutas pela afirmação de novas identidades e novas territorialidades. Nas palavras de Júlia Rebouças, atual diretora artística da instituição, “é muito relevante constatar como o cenário artístico conquistado pela produção indígena contemporânea foi impactado positivamente, nos últimos dez anos, pela existência da Galeria Claudia Andujar no contexto institucional brasileiro.”

Um novo conceito

A recém inaugurada mostra Maxita Yano — por meio do trabalho realizado pela  curadora Beatriz Lemos e pela assistente curatorial Varusa — assume o desafio de repensar o acervo permanente do Inhotim frente à autonomia alcançada pelos artistas indígenas, além de ressaltar a necessidade de impulsionar outras comunicações sobre a representatividade. Assim como aconteceu com Claudia Andujar no despontar de sua idade adulta, a autonomia é demarcada, portanto, por um novo conceito: um rebatismo.

A atual Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano transformou o projeto expográfico original, outrora composto por 426 obras da fotógrafa entre os Yanomami. Na versão vigente, esse número foi reduzido para 205 imagens, das quais 30 são inéditas no Inhotim — elas já pertenciam anteriormente à coleção, mas eram conservadas na reserva técnica —, dialogando com a presença de 90 obras dos artistas convidados, que permanecerão sendo exibidas por meio de um contrato de comodato.

Claudia Andujar, Inhotim.

Interior da Galeria Claudia Andujar/Maxita Yano.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Claudia Andujar, Inhotim.

Claudia Andujar, Inhotim.

Beatriz Lemos, curadora coordenadora do Instituto Inhotim.

 

Primeiros contatos

A sala inicial é dedicada ao primeiro contato de Claudia Andujar com a Amazônia, no final da década de 1960, antes de sua experiência junto aos Yanomami. Apresenta trabalhos quase desconhecidos na trajetória da fotógrafa, incluindo fotos aéreas, numa alusão curatorial à “queda do céu” — importante conceito vivo da cosmologia Yanomami. Entre os novos artistas, a primeira que ocupa os olhos do público é UÝRA, paraense de origem Munduruku, residente no Amazonas, em seus autorretratos simbióticos entre o corpo humano e a natureza vegetal. Se observamos a paisagem expressa nas fotos de Andujar, a paisagem nos olha de volta através de UÝRA; a floresta se coloca ativamente e nos confronta.

A segunda sala é dedicada ao contato introdutório de Claudia Andujar com o território Yanomami, ainda como fotojornalista para revista Realidade, quando produziu muitas imagens numa profícua parceria com George Love, com quem foi casada entre 1968 e 1974. O espaço expositivo é dividido com a boliviana Elvira Espejo Ayca. Esse diálogo mostra como uma produção artística que emerge da conexão com o território torna-se elemento intrínseco na sustentação da memória, da identidade e do patrimônio cultural de uma comunidade.

Claudia Andujar, Inhotim.

Fotografias das séries A última floresta (2017), Mil quase mortos (2018) e Elementar (2018-2020), de UÝRA.

Fotografias das séries A última floresta (2017), Mil quase mortos (2018) e Elementar (2018-2020), de UÝRA.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

A artista UÝRA.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

La memoria de las manos (2007-2018), de Elvira Espejo Ayca.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

A artista Elvira Espejo Ayca.

 

Espiritualidade, cotidiano e luta política

Adentrando o espaço mais amplamente edificado da galeria, realçado por sua luz natural, temos uma série de núcleos temáticos que estabelecem a partilha entre as obras de Andujar e a atual geração de artistas indígenas. A começar pelo eixo da espiritualidade, a curadoria propõe um rearranjo do conjunto de fotografias dedicado à cerimônia do reahu, ritual fúnebre e festa intercomunitária, que também agrega acontecimentos como expedição de caça, união de casais, além da retificação das relações sociais e culturais dentro e fora da comunidade. O reahu é a oportunidade para invocação dos xapiri (espíritos guardiões da floresta que fundamentam a cosmovisão Yanomami), quando os pajés são elevados espiritualmente pela utilização do yãkoana, um sagrado pó alucinógeno. A capacidade de acessar seus xapiri— e, portanto, compreender o mundo e solucionar problemas — é parte do aprendizado dos novos pajés. A noção de rito de passagem vai de encontro ao trabalho de Julieth Morales, obra audiovisual que consiste numa fricção entre fotografia, vídeo, têxtil e performance, evocando a transição de meninas para jovens mulheres da etnia Misak, na Colômbia.

Claudia Andujar, Inhotim.

Instalação audiovisual Nay Srap (Tejiéndome) (2017), de Julieth Morales. Foto: Icaro Moreno / Divulgação

 

Claudia Andujar, Inhotim.

A artista Julieth Morales.

 

Seguindo por esse eixo, vemos Lanto’oy’ Unruh, cuja narrativa visual sobre a preservação das crenças e costumes da nação paraguaia Enlhet Ya’alve-Saanga evidencia a coexistência de diferentes gerações em práticas rituais e cotidianas, mesclando de forma espontânea e descontraída elementos sagrados e seculares. Faz eco a essas imagens e ao conjunto de práticas Yanomami fotografadas por Andujar a presença de Graciela Guarani, cuja obra comissionada Xe Ñe’e(2025) se atém às sutilezas e belezas do povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que apesar do confinamento compulsório em pequenas áreas externas ao seu território ancestral, expressam uma vida comunitária que não se resume ao drama. Ao ecoar a existência em coletividade, Tayná Uráz retrata a aldeia Marakanã (Rio de Janeiro), destacando os efeitos não muito conhecidos das diásporas indígenas e a baixa visibilidade dos aldeamentos em contextos urbanos. Coexistindo com as culturas periféricas de uma grande metrópole, estão imbuídos da manutenção de suas identidades e ancestralidades.

O representante de Minas Gerais no grupo de artistas convidados é Edgar Kanaykõ Xakriabá, cujas fotografias, não se restringindo a seu território étnico (localizado no município de São João das Missões, norte do estado), documentam os encontros do Acampamento Terra Livre (ATL) — organização dos povos indígenas brasileiros e grande assembleia —, que ocorrem anualmente em Brasília. Se por muitas décadas os museus incorporam as materialidades indígenas em seus acervos e exposições tão somente pela ótica do “artefato” — objetos ou dispositivos manufaturados, construídos mecanicamente para fins utilitários —, as imagens do fotógrafo Xakriabá confabulam com esse viés e ao mesmo tempo o desafiam. Elas se situam no campo da informação e assumidamente cumprem o papel de amplificar as mobilizações indígenas nos espaços de decisões políticas, tornando-se instrumentos úteis, ou artefatos, da luta e da resistência dos povos originários.

Claudia Andujar, Inhotim.

A artista Tayná Uráz. Foto Ana Clara Martins/Divulgação

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Davi Kopenawa Yanomami observa fotografias da série Xe Ñe’e (2025), de Graciela Guarani.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Interior da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano. Foto: Icaro Moreno / Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

O artista Edgar Kanaykõ Xakriabá.

 

Retratos

A nova espacialidade da galeria reserva um núcleo dedicado ao retrato. Essa ala dialoga não apenas com a obra de Claudia Andujar, mas com a história da arte e a antropologia, convidando o espectador a se questionar: quem é o sujeito indígena? Essa decisão curatorial é corroborada pelas presenças de dois fotógrafos amazônicos separados por fronteiras impostas pela invenção dos estados nacionais. Davi Gonzales vem do povo Shipibo-Konibo, no Peru, e suas obras evidenciam memórias ameaçadas pelos resquícios do colonialismo na vida contemporânea. As imagens, impressas em generosas dimensões, enfatizam o vestuário e os adornos Shipibo, amparadas por um formalismo estético possibilitado pelo estúdio, claramente tributárias a Martín Chambi (1891-1973), outro fotógrafo peruano cuja obra é celebrada por sua contribuição à iconografia dos povos andinos do país.

Paulo Desana, cinegrafista e fotógrafo do povo Desana, no Amazonas, é um dos artistas nesta seleção, cujas obras se destacam pelo caráter de experimentação. Não por acaso, foi um dos convidados pelo Inhotim para contribuir com obras comissionadas. Nos últimos anos, ele tem trabalhado com dois importantes materiais na construção de sua poética, além da câmera: a tinta fluorescente e a luz negra. Operando uma habilidosa fusão desses materiais sobre os corpos fotografados, Desana revela pinturas corporais que evocam espíritos ancestrais e outros seres mitológicos. Em parceria com a equipe de Educação do Inhotim, o fotógrafo convidou representantes dos povos Xukuru Kariri, Pataxó e Pataxó Hãhãhãe, habitantes da região de Brumadinho, para participarem de duas sessões fotográficas noturnas nos jardins do museu. O trabalho representou um desafio à técnica que vinha sendo desenvolvida exclusivamente em estúdio, trazendo nova comunicação e expressão estética a partir da conjugação entre os  grafismos indígenas e a botânica de Inhotim.

Claudia Andujar, Inhotim.

Fotografias das séries Os espíritos da floresta (2025), de Paulo Desana, e Retratos de mi sangre (2018-2022), de Davi Gonzales.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Fotografias da série Os espíritos da floresta (2025), de Paulo Desana, e retratos dos Yanomami feitos por Claudia Andujar.

 

Outros ambientes e presença Yanomami

Seguindo pelo corredor que leva a outras duas salas da galeria, somos acompanhados por um grande painel, obra comissionada à artista Olinda Silvano, peruana do povo Shipibo-Konibo. A pintura de kenés — grafismos geométricos de tradições indígenas diversas — expressa, em cores vibrantes, um complexo sistema cultural, sobretudo na esfera do feminino. Esse corredor conecta o ambiente interno à exterioridade da galeria — espaços que se tornaram mais aprazíveis ou convidativos à permanência dos visitantes por meio de intervenções não apenas decorativas, mas sensoriais, propostas por Renata Tupinambá, do Rio de Janeiro. Ela também é propositora de programações culturais adjacentes — shows, performances e rodas de conversas —, visando contribuir para o aprofundamento das relações com as comunidades indígenas no entorno do Inhotim.

Ao final do corredor, à direita, há uma sala dedicada aos artistas Yanomami, cuja tímida expografia é incongruente com a presença da etnia que é tema central na obra de Claudia Andujar; aliás, justificativa da construção arquitetônica e curatorial chamada Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano. A despeito das decisões expográficas modestas, o ambiente conta com a exibição de importantes produções fílmicas de Morzaniel Iramari Yanomami, Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami. A imagem (pei utupë) é parte da constituição da pessoa Yanomami, não sendo encarada como mero objeto ou representação. A operação das câmeras revela uma maior autonomia, protagonismo e controle na produção e circulação das imagens dos indígenas — o mesmo podendo ser afirmado sobre o desenho, que surge nas obras de Ehuana Yaira Yanomami, Joseca Mokahesi Yanomami, Oneron Yanomami e Salomé Ohotei Yanomami. O desenho, a fotografia e a imagem fílmica são, para os Yanomami, extensões da existência dos seres ali presentificados.

Claudia Andujar, Inhotim.

A artista Olinda Silvano.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Desenhos Yanomami. Foto: Icaro Moreno / Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Produções fílmicas Yanomami. Foto: Icaro Moreno / Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Produções fílmicas Yanomami. Foto Daniela Paoliello/ Divulgação.

 

Consequências do contato e documentos

Ao entrar na última sala, que por sua vez se desdobra em duas sessões — as consequências do contato e documentos —, o espectador é capturado pela grandiosidade em azul proporcionada pela obra de Denilson Baniwa, amazonense residente no Rio de Janeiro. O artista constrói um diário visual de sua convivência durante dez dias com Alfredo Yanomami. Ele exibe a montagem de diversas cianotipias impressas em lona, que orbitam a figura de Alfredo, produzindo assim um retrato expandido. O artista, que não é propriamente conhecido como fotógrafo, buscou estabelecer um elo conceitual entre duas acepções de origem — povos originários e invenção da fotografia. Estudando diversos processos artesanais dos primórdios da fotografia no século XIX (calótipo, colódio, papel albuminado, etc.), Denilson Baniwa optou pela cianotipia, por seu pioneirismo na documentação da natureza — plantas e algas marinhas. Em articulação com a Hutukara Associação Yanomami, Baniwa conheceu pessoas da primeira geração de indígenas Yanomami com formação universitária, ligando-se particularmente a Alfredo, bacharel em educação. Obra comissionada pelo Inhotim, o retrato de Alfredo, na concepção de Denilson Baniwa, expande-se para além da montagem de cianotipias, pois transborda para as paredes da galeria na forma de desenhos que expressam a cosmologia Yanomami.

Uma série de fotografias coloridas feitas por Claudia Andujar no início da década de 1990 dá sequência ao eixo das consequências do contato. As imagens exibem fachadas das casas de comércio de ouro em Boa Vista, Roraima. Outra obra comissionada pelo museu – um filme dirigido por Alexandre Pankararu, Graciela Guarani e Tiniá Pankararu Guarani, residentes de Pernambuco – promove o encontro de culturas indígenas, por meio da aliança entre ancestralidade, tecnologia, existência futurística e cibernética. A narrativa acompanha uma adolescente indígena num mundo distópico, distanciado de propósitos comunitários. Após encontrar uma máquina do tempo, a jovem viaja ao passado para testemunhar fatos históricos do Brasil e dialogar com importantes lideranças indígenas.

A sala ainda conta com um novo núcleo de documentação sobre a trajetória de Claudia Andujar, a partir de arquivos provenientes do Centro de Documentação Indígena e do Instituto Socioambiental. Entre outros itens, são disponibilizados, por exemplo, fac-símiles das fichas de vacinação para as quais as fotografias da série Marcados foram originalmente criadas. O conjunto de documentos é uma amostra relevante para quem se interessa por melhor compreender a atuação de Andujar na Amazônia — para muito além de sua influência no campo das artes — e pelos direitos dos povos indígenas.

Claudia Andujar, Inhotim.

iepé pisasu ara usika – um novo dia nascerá (2025), de Denilson Baniwa, e fotografias coloridas da década de 1990, por Claudia Andujar. Foto Ana Clara Martins/Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

A artista Tiniá Guarani-Pankararu. Foto Ana Clara Martins/Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Exibição do filme Híbrida, dirigido por Alexandre Pankararu, Graciela Guarani e Tiniá Pankararu Guarani. Foto Daniela Paoliello/Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Sala documental da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano. Foto: Icaro Moreno / Divulgação.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Sala documental da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Sala documental da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano.

 

Claudia Andujar, Inhotim.

Sala documental da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano.

 

Revisitar o acervo

Ao revisitar o projeto da galeria concebida em 2015, o Inhotim certamente reforça não apenas o compromisso perene da instituição com a pesquisa e a inovação, como também reafirma, ética e esteticamente, a trajetória de Claudia Andujar.

Pode-se considerar que a presença de artistas de tão diversas etnias em um espaço relevante e influente como o Inhotim é uma consagração da biografia de Claudia Andujar, no âmbito de sua luta pela proteção da vida indígena. Com exceção de Olinda Silvano e Joseca Yanomami, os artistas convidados ainda não eram nascidos quando Andujar viveu entre os Yanomami nas margens do Rio Catrimani e os fotografou de 1971 a 1976. Foi o seu período mais profícuo como artista entre os indígenas.

Por outro lado, a ousadia curatorial tem o efeito de dessacralizar a fotógrafa — uma espécie de iconoclastia — e isso certamente tem consequências no campo da arte, podendo representar certa ameaça aos artistas estabelecidos, ao estatuto da arte contemporânea e às instituições museais.

Claudia Andujar, Inhotim.

Claudia Andujar, artistas e curadoria. Foto Vitor Moriyama /Divulgação.

É corriqueiro no modo de funcionamento da arte contemporânea que artistas encontrem um fértil diálogo técnico e estético com mestres populares, artesãos ou mesmo com profissionais habilidosos em marcenaria, serralheria, resina, pintura, entre outros procedimentos manuais. Se olharmos a coleção do Inhotim, tanto em obras protegidas na reserva técnica quanto permanentemente expostas, facilmente encontraremos trabalhos que foram operacionalizados por artistas anônimos, que pensam não apenas a partir de conceitos, mas pensam com as mãos. Essas obras serão revisitadas com a mesma tenacidade feita à Galeria Cláudia Andujar? É fecundo que sejam.

O apagamento dos sujeitos e da representatividade é uma constante na arte contemporânea. Talvez na fotografia isso apareça com maior evidência pelo fato de ser uma linguagem impregnada da ideia de apropriação (tirar uma fotografia é tirar do outro ou de algum lugar). Certamente Claudia Andujar contribuiu para atenuar isso, sendo claramente referendada pelos artistas de Maxita Yano, cujas criações são uma resposta afetuosa ao legado da fotógrafa não-indígena. O compromisso de Andujar como aliada calhou de proporcionar a primeira abertura do Inhotim à reformulação de uma galeria permanente e a oportunidade para repensar o lugar dos povos originários no centro da arte.

A presença de artistas indígenas nos museus e em outros espaços de visibilidade é urgente e deve ser celebrada. Porém, uma mudança estrutural não ocorrerá sem que algumas questões sejam enfrentadas, como, por exemplo, o fato de que nenhuma obra de Maxita Yano – nem mesmo as comissionadas – foi adquirida e efetivamente incorporada à coleção do Inhotim, sendo exibidas por um contrato de comodato com os artistas.

Como mencionou o pajé e ativista indígena Davi Kopenawa Yanomami no evento de abertura da mostra Maxita Yano, o reposicionamento da galeria presenteia Claudia Andujar, aos 94 anos, com um merecido descanso. Os problemas ficarão para os próximos.

Claudia Andujar, Inhotim.

Davi Kopenawa Yanomami e Claudia Andujar na inauguração da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano, em Inhotim.

 

O Inhotim

O Instituto Inhotim é um museu de arte contemporânea e jardim botânico de Minas Gerais, com visitação pública de sua área de 140 hectares desde 2006. Organização sem fins lucrativos, o instituto promove exposições, pesquisa, debates e reflexões sobre arte, sociedade e biodiversidade. Conta com cerca de 1800 obras de mais de 280 artistas de 43 países, exibidas ao ar livre e em galerias em meio a mais de 4 mil espécies botânicas raras, vindas de todos os continentes.

A Galeria Claudia Andujar renasce com artistas visuais indígenas no Inhotim

Foto Cezar Félix

Localizado no município de Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte, o acesso ao Inhotim ocorre pelo km 500 da BR-381 – sentido BH/SP. Também é possível chegar pela BR-040 – sentido BH/Rio, na entrada para o Retiro do Chalé. Aproximadamente 1h30 de viagem, a partir de Belo Horizonte.

A visitação acontece de quarta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Nos meses de janeiro e julho, o Inhotim abre também às terças-feiras.

Claudia Andujar, Inhotim.

Foto Cezar Félix

Valor integral da entrada: R$ 60; meia-entrada: R$ 30. Todas as quartas-feiras são gratuitas, assim como o último domingo de cada mês. Crianças de 0 a 5 anos não pagam entrada.

O Inhotim tem a Vale como Mantenedora Master; o Nubank e a Cemig como Parceiros Estratégicos; Shell e Itaú como Patrocinadores Master e conta com o Patrocínio Ouro da Vivo, Santander, Supernosso, CBMM, Grupo Ultra e Petronas. Os patrocínios são viabilizados por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

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