Aeroporto doméstico

André Junqueira Caetano

Mais uma vez neste calor de aeroporto meninos pululando aquiali e piozinhos de xícaras de café batendo asas pousando em pires. elas nem tanto estorvam mas tampam a grande cárie a grande empresa de mineração detonando cargas para desencavar marfim-ferrugem e levá-lo em trens aos portos. não há montanha em mim. cordilheiras desavisadas vieram e se converteram em falhas. cavernas das impossibilidades naturais sem ajeitá-las em mim que é tudo o que deveria: comê-las assim mesmo. cruas. mulheres de lindas bundas passam para lá e para cá inconscientes do adereço sexual que carregam. naturalmente. dizem que elas, as mulheres, querem amor, rebento e, por fim, se possível, um homem (sic). se isso é, sou como elas. quero amor quero um filho – não um de carne conectando ossos – e também quero poder derreter sorvete destacado de meus potenciais talentos na frente da plateia ávida escorrer pelo ralo de meu consagrado e insosso coração masculino, para, conspurcado, voltar à forma corpo-esqueleto parente dos macacos (nunca! nunca! a imagem e semelhança de Deus!). quando tudo vier a ser – a digestão do eu mesmo ou a morte – não virá cavalo grego inerte máscara mortuária estátua granítica pedra viúva. tudo ressoa neste aeroporto. sons feios pessoas mascando comestíveis uma arquitetônica cinquentista do século passado quando tudo devia ser mais calmo pois nem tanta gente assim da minoria viajava de avião e as coisas deviam ser menos mascáticas e é possível que não soassem como agora. talvez também as mulheres não passassem para lá e para cá ondulando lindas bundas em justas calças e não fosse tão óbvio em suas faces o que elas não pensam. o enfaro das trajetórias balísticas. rendez-vous. as mineradoras ganharam toda guerra travada na superfície deste planeta. não tenho minério-de-ferro em minha formatura. não tenho futuro de homem sóbrio nem fim de menino órfão. não vou me desvincular dos homens caducifólios: nunca fui moderno, não serei eterno nunca! tenho ciência agora: essa distância é de fato e, contudo, não pode mais se esconder dos meus olhos: te vejo, safada! está em minha mão o mapa de tuas estradas, sei exatamente onde tu não queres ir! queres fazer crer que a única saída é aprofundar a caverna. pois ouça-me bem!: também não sou um ser abissal, não há minérios nos meus cafundós! meu pai morreu há mais de vinte séculos e minha mãe casou-se em segundas núpcias com um unicórnio que nunca contraiu moléstia humana. percorri sozinho os litorais instantâneos léguas distante das liturgias das meias idades. quando nelas cheguei, adentrei, bandeirante-mascate, as matas do horizonte. venho de longe, ziguezagueante. cícero-neante. o que sempre foi.

Aeroporto de Congonhas, São Paulo, 10/11/2002

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ArtigosSagarana

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