Cláudio Moura Castro

Cláudio Moura Castro

Entusiasta — e praticante — de várias modalidades de  Turismo de Aventura, o economista Claudio de Moura Castro foi o principal incentivador da certificação de empresas especializadas em aventuras — quando ajudou Walfrido dos Mares Guia, então Ministro do Turismo no governo Lula. Ele lembra que, apesar da variedade de atrativos, o Brasil não existia no mundo das aventuras comercialmente organizadas. Foi nesse momento que surgiu a ABETA (Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura), entidade responsável por interagir com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), visando à elaboração de normas para a área.

Após cinco anos, os Certificados de Conformidade às Normas começam a ser respeitados pelo mercado e pelos governos locais. Isso incentiva os profissionais interessados a  investir na sua formação. Nesta entrevista, Moura Castro descreve os bons resultados auferidos pela ABETA, fala sobre programas e projetos, porém faz um importante alerta: tudo o que foi realizado até agora pode ser jogado fora se não forem resolvidos os entraves administrativos-financeiros com o Ministério do Turismo, praticamente o único financiador da associação. Atingido por denúncias de mau uso de recursos, o Ministério agora busca separar o joio do trigo. Mas o processo é lento e a ABETA pode ruir durante a espera.

Por: Cézar Felix
Fotos: Divulgação

— Como idealizador da ABETA, como o senhor avalia hoje a situação da entidade?

Embora a  ABETA tenha transformado o mundo do turismo de aventura e ecoturismo no Brasil e adquirido sólida reputação internacional, essa Associação se vê diante de um cenário ameaçador para o seu futuro imediato— caso não se resolvam logo os imbroglios político- financeiros que levaram à paralização de todos os desembolsos do Ministério do Turismo. Como as suas principais atividades dependem em 90% de recursos públicos, interrupção prolongada no seu fluxo é a sentença de morte para a sua equipe e para a sustentação do trabalho cuidadosamente desenvolvido no curso de sete anos.

— Numa retrospectiva, como surgiu a proposta de criação da ABETA?

Mesmo para os modestíssimos padrões de qualidade da América Latina, o turismo de aventura no Brasil mostrava um grau de profissionalismo e amadurecimento lastimável — em que pesem os atrativos extraordinários do país.  Na verdade, compulsando vários catálogos de turismo aventura dos Estados Unidos e Europa, a lista dos destinos começava no Alasca e terminava na Patagônia, saltando o Brasil. Apesar da variedade de atrativos, o Brasil não existia no mundo das aventuras comercialmente organizadas. Ao ser indicado o Professor Walfrido dos Mares Guia para o Ministério do Turismo, insisti com ele para que promovesse tais atividades. Após minha proposta, comecei a entender melhor a situação do Brasil e me dei conta de que, com o crescimento das atividades, o número de acidentes estava se multiplicando de forma assustadora. Voltei ao Ministro e sugeri que ignorasse minha ideia de expansão, pois ainda era cedo para isso. Antes, seria necessário preparar o país para essas atividades, seja para clientes estrangeiros, seja para os próprios brasileiros.

— Não seria a solução criar cursos para treinar as pessoas?

De fato, logo pipocaram as propostas de formar gente. Mas isso é um saco sem fundo. E no momento em que secam os recursos, nada mais acontece. Começamos então a especular sobre maneiras de criar um sistema de certificação. Diante de um certificado profissional respeitado pelo mercado e pelo governo, os próprios interessados acabariam por investir na sua formação. É assim com a carteira de habilitação. O Estado certifica o desempenho. Como é obrigatória, cada um que cuide de se preparar para passar na prova. Na verdade, havíamos antes pensado nos diplomas e certificações do MEC (Ministério da Educação) e do MTb (Ministério do Trabalho), mas logo chegamos à conclusão de que seria um caminho equivocado, pois o MEC não consegue sequer fiscalizar seus três mil cursos de ensino superior. É irrealista imaginar que vai ser mais cuidadoso em um cursinho de guia oferecido no Acre. O MTb ainda não disse a que veio. Demos então um grande salto conceitual. A ABNT, uma organização privada de normalização, vinha já começando a certificar formação profissional, para setores muito críticos, como soldador de oleodutos. Entrar no turismo aventura seria apenas um passo a mais.

— Então, o primeiro passo foi desenvolver os processos de certificação?

Com o apoio do Ministério do Turismo, começou um longo processo de tomar um sistema de normalização tradicionalmente voltado para a indústria e ajustá-lo  para certificar pessoas e empresas de turismo aventura. Afinal, há uma proximidade, pois estamos falando de atividades com riscos consideráveis. Como acontece nesses casos, foi criado um comitê de Turismo Aventura dentro da ABNT. Mas pelas suas regras,  para que funcionasse, era preciso a participação ativa dos consumidores e produtores de turismo de aventura: é assim em tudo que a ABNT certifica. A ABETA nasce como uma resposta à necessidade de organizar o trade do turismo aventura, para que pudesse interagir com a ABNT. Na sua criação, foi inestimável o trabalho hábil e persistente de Gustavo Timo, ex-proprietário de uma empresa do ramo, a Brasil Aventuras. Foram inicialmente convidadas as empresas mais respeitadas e experientes, progressivamente, o número de associados cresceu. Ao longo dos anos, foram sendo aprovadas as normas para 26 atividades de turismo de aventura e mais as de gestão da segurança, para as empresas. Aprovadas as normas, os organismos certificadores do país foram convidados a se candidatar junto ao INMETRO, para que fossem credenciados a certificar empresas e profissionais. No momento, dois organismos já estão credenciadas e operando normalmente, a própria ABNT e o Instituto Falcão Bauer.

— Como o senhor descreveria a situação hoje do turismo aventura, no que diz respeito às garantias de segurança para um cliente?

As melhores empresas de turismo de aventura brasileiras são hoje certificadas por grandes organismos nacionais. Recebem o mesmo tratamento que rolamentos de esfera, óleo lubrificante ou motores elétricos. É um sistema diferente do que acontece em qualquer outro país do mundo. Não apenas diferente, mas melhor, pois o processo transita por instituições responsáveis por certificar praticamente todos os produtos industriais do país, manufaturados pelas melhores empresas e sem interferências políticas ou instabilidade.

—  E que tipo de organização é a ABETA?

A ABETA nasce como uma ação cooperativa das melhores empresas de turismo de aventura, visando ser a interface  da ABNT. Como tal, sua governança já começa nas mãos das empresas mais prestigiosas, cujos executivos compõem os conselhos diretor, consultivo, de ética e fiscal. Esses conselhos acompanham muito de perto a ação da diretoria executiva, formadas por profissionais da ABETA. Ou seja, é uma organização que, pela sua estrutura, é muito aberta e transparente. Além disso, há uma considerável rotatividade dos membros dos conselhos. Portanto, é uma instituição que não se presta a atividades sigilosas ou às escondidas, como acontece em outras ONGs denunciadas recentemente.

— Além de certificar empresas, a ABETA também forma pessoal especializado especificamente em turismo de aventura?

Uma das razões que levou à busca de soluções diferentes para preparar gente era o completo vácuo existente no país. Os cursos de turismo não entram em assuntos práticos de aventura. Os diplomas de guia existentes não oferecem a mínima  garantia de qualidade ou especificidade. Ou seja, o país estava totalmente desequipado para lidar com a onda crescente de atividades, algumas com riscos, como rapel, canioning, jipe off-road. Daí a onda crescente de acidentes que seriam perfeitamente evitáveis.


Com o apoio do Ministério do Turismo, começou um demorado processo de tomar um sistema de normalização tradicionalmente voltado para a indústria e ajustá-lo  para certificar pessoas e empresas de turismo aventura. De fato, há uma proximidade, pois estamos falando de atividades com riscos consideráveis.


— Qual foi a reação dos profissionais e dos desportistas da aventura?

O caminho da certificação ABNT foi inicialmente rejeitado por alguns, sobretudo aqueles que não entenderam que era apenas para os profissionais do ramo, não para os praticantes amadores. Mas progressivamente, a lógica foi sendo aceita e, com o financiamento do Ministério, as primeiras empresas foram certificadas em gerenciamento da segurança.

—   Que avanços houve na profissionalização dos operadores de aventura?

O processo continuou e hoje já há aproximadamente 100 empresas certificadas. Espera-se que esse número avance rapidamente. Pode-se dizer, quase todas as empresas consolidadas e sérias já estão certificadas ou em processo de certificação. Além disso, mais de 8000 pessoas já foram qualificadas.

—   O senhor começou falando do isolamento do Brasil e da falta de confiança dos operadores internacionais. O que está acontecendo hoje?

Com o amadurecimento da ABETA, começou um processo de patrocinar eventos internacionais no Brasil. Em última análise, era preciso trazer os operadores de fora para conhecer os atrativos, bem como as pessoas e empresas que recebem turistas. Primeiro apareceram chilenos e argentinos que, apesar de terem muito mais experiência prévia do que nós, gostaram do sistema ABNT de certificação.  No ano seguinte (2008) aparecem administradores da associação internacional de turismo de aventura. De repente, acontece algo totalmente inesperado. A ISO se interessa pela certificação brasileira — a ISO é a organização internacional congregando instituições como a ABNT e suas congêneres em outros países. Vários países da Europa concluem que essa poderia ser uma boa solução. A ISO cria então um comitê internacional de Turismo de Aventura, à semelhança do que se passou com a ABNT. Brasil e Inglaterra foram indicados para secretariar o processo. Hoje, as Normas Brasileiras de turismo de aventura caminham a passos largos para se tornarem as referências internacionais, graças a liderança técnica da ABETA e a parceria com o Ministério do Turismo. Os trâmites estão caminhando e, em breve, poderemos ter aprovada uma ISO de Turismo Aventura, com muitos países de Primeiro Mundo subscrevendo.

— Então, o Ministério do Turismo apoia efetivamente todos os projetos da ABETA? Em termos de resultados, de números, o que já pode ser documentado sobre a eficiência desta parceria?

Ao longo dos sete anos transcorridos, os focos principais são segurança, qualidade dos serviços e promoção internacional. É preciso entender, os recursos humanos na área ainda são ínfimos, comparados com outros países mais maduros. Além dos números de empresas certificadas (94) e pessoal treinado (8 mil), mais de 70 destinos foram impactados diretamente. Houve um aumento de 165% no valor médio pago por cliente, para cada atividade de Ecoturismo e Turismo de Aventura no Brasil (de 2006 para 2009).

—  No início desta entrevista, o senhor disse que a ABETA antevê um futuro pessimista, se não forem resolvidas questões administrativo-financeiras com o Ministério do Turismo. O que está acontecendo?

A ABETA é uma associação estritamente técnica, composta pelos pequenos e médios empresários do setor e com uma equipe de profissionais de alta competência. Como já trabalha com o Ministério, por um período de sete anos, há uma trajetória a ser examinada. Ou seja, não se trata de uma operação isolada de uma entidade desconhecida. De fato, ao longo dos anos, a ABETA apresentou todas as suas prestações de conta, sem tropeços ou atrasos. A única crítica oferecida pelos órgãos de controle é improcedente e resulta do desconhecimento do assunto. De fato, foi notado que algumas pessoas fazem muitos cursos e que, portanto, o número de alunos é menor do que o número de cursos oferecidos. Mas tal comentário ignora o fato de que os cursos são modulados. Após uma formação inicial mínima, o condutor deve fazer outros cursos mais avançados. Se todos apenas fizessem os módulos iniciais, não haveria condutores sênior, com o conhecimento necessário para administrar uma equipe ou para excursões mais ambiciosas.

— Em resumo: sem os recursos da parceria com o Ministério do Turismo, tudo o que foi realizado até agora pode ser perdido? Há alguma outra alternativa?

É difícil imaginar uma trajetória mais meteórica para o nosso turismo de aventura e ecoturismo. Em menos sete anos,  passa de uma tosca sequência de improvisações para líder mundial em normalização, com um modelo inédito de certificação de turismo. Ou seja, estamos diante uma iniciativa de espetacular sucesso, seriedade e capacidade de entregar resultados. Nesses anos de existência, a ABETA atraiu para os seus quadros, diretos ou de consultores, os melhores nomes do turismo de aventura e ecoturismo do país.  São hoje 24 pessoas tecnicamente qualificadas e mais um apoio administrativo de 10 funcionários. Mas dada a natureza das suas atividades, é impossível financiá-las pelas cobranças de mensalidades dos associados. Seus clientes são empresas pequenas e condutores com padrão de vida muito modestos. É diferente de cobrar uma certificação ou um treinamento da Mercedes Benz ou da Petrobras. Assim sendo, o Estado tem que investir nesses processos iniciais de certificação e treinamento de todos os envolvidos na atividade. Mais adiante, quando a certificação (individual ou empresarial) estiver mais consolidada e for exigida pelos clientes, esse quadro deve mudar um pouco. Mas de momento, não há como financiar de outra forma. Sendo assim, 90% do orçamento da ABETA vem dos seus parceiros públicos, sendo o principal o Ministério do Turismo. Devemos pensar no paralelismo que existe entre tais iniciativas e o restante da área de formação profissional. De fato, é de preparação inicial para o trabalho que estamos falando. E em todos os países minimamente bem sucedidos, esta formação é oferecida pelo Estado ou paga pelo Estado (esse segundo caso corresponde ao Sistema S), pois a maioria dos candidatos não pode pagar. No caso, quem paga é o Ministério do Turismo, mas poderia ser MEC ou Ministério do Trabalho.

—   Por que foram suspensos os pagamentos à ABETA?

Diante das denúncias recentes, todos os desembolsos do Ministério para ONGs foram interrompidos e as contas bloqueadas. Se 90% do orçamento é cortado, inevitavelmente, 90% da equipe terá que ser sacrificada. Isso significa um desinvestimento catastrófico para um setor ainda imaturo e que carece de consolidação. O que vimos foi um início brilhante. Mas não passa do começo. O profissionalismo do setor apenas nasce. Diante de uma Copa do Mundo que se aproxima, permitir o esfacelamento da ABETA é por em risco uma atividade que pode trazer divisas para o país, não só imediatamente, mas criando um círculo virtuoso de boca a boca de expansão dessa modalidade de turismo.

— O que significa o esforço da ABETA e os gastos do Ministério do Turismo para o mercado de turismo aventura no Brasil?

Os números surpreendem. Pelos últimos dados disponíveis, cinco milhões e meio de brasileiros fizeram alguma atividade de turismo aventura ou turismo de natureza no ano correspondente. Dos cinco milhões de turistas estrangeiros no Brasil,  próximo de vinte por cento se encaminham para atividades de natureza. Portanto, cerca de um milhão de pessoas. Notável registrar que os números estão aumentando rapidamente, trazendo mais divisas para o país. Somando, são seis milhões e meio de turistas de aventura, atendidos por duas mil empresas. O Ministério gastou próximo de 22 milhões de reais com os programas da ABETA, para preparar guias, empresas e destinos. Essa é uma das modalidades turísticas que menos investimentos requer, pois a natureza já está pronta. Falta arredondar alguns acessos, meios de hospedagem e, principalmente, o atendimento. Supondo que tais gastos tenham melhorado a qualidade dos serviços oferecidos e, principalmente, reduzido a taxa de acidentes, é um recurso muito bem gasto. Corresponde a um ou dois por cento do custo de fazer ou reformar um só estádio de futebol que abriga, em um jogo, não mais do que dois por cento dos turistas anuais de natureza.  Ou seja, um torcedor da Copa do Mundo custa aos cofres da nação 2 500 vezes mais do que um turista de natureza.  Sábia é a Nova Zelândia que almeja ser a Meca do turismo de aventura e não do futebol.


Noventa por cento do orçamento da ABETA vem dos seus parceiros públicos, sendo o principal parceiro o Ministério do Turismo. De momento, não há como financiar de outra forma. Diante das turbulências recentes, os desembolsos foram interrompidos. Se 90% do orçamento é cortado, inevitavelmente, 90% da equipe terá que ser sacrificada.


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