Celebração e reverência à arte maior
O barroco mineiro, que até então era matéria restrita aos meios oficial, religioso-artístico ou acadêmico, vai alcançar uma outra dimensão nesse começo do século XXI. Com a criação do Dia do Barroco, em 18 de novembro, e a celebração do bicentenário de “imortalidade” do mestre Aleijadinho, em 2014, a expectativa é de que esse “tesouro nacional” ganhe as ruas por meio de seminários, promoções culturais e educativas e volte a fazer parte do imaginário popular.
Reportagem Andréa Rocha
Fotos Marcelo Rosa
A Lei 20.470, de 2012, que instituiu o dia do Barroco Mineiro em 18 de novembro, data de morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, previu a criação de uma comissão de especialistas, que será responsável pela coordenação de atividades comemorativas referentes a esse patrimônio artístico e cultural de Minas Gerais.
“Vejo com bons olhos essa iniciativa, justamente porque permite uma visão mais alargada do barroco mineiro”, pontua o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimonio Cultural e Turístico de Minas Gerais.
Em sua opinião, esta será uma excelente oportunidade para se mostrar que o barroco mineiro não está somente nas cidades do ciclo do ouro, mas em várias localidades do território mineiro. “Há muitos outros bens também nas regiões Sul e Oeste do Estado, principalmente do período sacro do século XVIII”, indicou.
Do mesmo modo que, em 1930, as comemorações do centenário de nascimento de Aleijadinho, em Ouro Preto, ganharam repercussão nacional e internacional, espera-se, para esses dois novos marcos históricos, a mesma visibilidade e mobilização.
Proteção
“Podemos chamar a atenção da mídia para alguns bens que precisam de cuidado e proteção”, advertiu Miranda, lembrando da Fazenda Jaguara, em Matozinhos, que está “completamente abandonada”. Outro exemplo é a matriz de Caeté, onde o pai de Aleijadinho, o projetista Manuel Francisco Lisboa, “comprovadamente atuou e onde supõe-se que tenha aprendido escultura.”
Mas como a pesquisa, a restauração e a preservação de um bem histórico e artístico tem um alto preço e nem sempre os recursos estão disponíveis para essa reparação, há que se buscar meios de viabilizá-los. Na avaliação de Miranda, essa responsabilidade é do Estado e também da Igreja, “que é proprietária da maior parte dos bens tombados em Minas”.
O momento de celebrações favorece a integração. “Na primeira reunião do da Comissão, vou sugerir que a Igreja seja parceira em projetos. É muito importante que a arquidiocese esteja conosco”, convida. Trata-se, segundo ele, de uma comissão de curadores que vai definir os caminhos básicos”, explicou, ressaltando a necessidade de interlocução e compartilhamento.
Estarão juntos outros organismos como o Instituto Estadual de Patrimônio HIstórico e Artístico (Iepha), a Superintendência de Museus, os municípios e instituições como a Faculdade de Ouro Preto (Faop) e o Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (CECOR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Lei de Incentivo
Para que se cumpra a meta de se difundir as ideias e a estética do barroco mineiro ao longo de 2014, a programação será aberta a produtores e programadores culturais. “Uma das propostas desta comissão pode ser justamente a abertura de editais para projetos”, indicou Miranda.
Segundo ele, “com certeza haverá linhas de financiamento para investir em produção científica, com publicações sobre o barroco, e ênfase em educação patrimonial”. Para Miranda, este será um momento único também para empresas e empreendedores que querem assumir a sua responsabilidade social por meio de patrocínios culturais. “As comemorações alcançarão visibilidade nacional e internacional”, projeta.
Rota
Uma outra proposta, que deve ser lançada pela comissão é uma Rota de Aleijadinho. Seria, segundo Miranda, um roteiro turístico, a exemplo do que é feito na Europa, com indicações da passagem do artista por um determinado local. O viajante teria em mãos um passaporte, que seria marcado em cada local visitado.
“Deste modo, podemos chamar atenção para lugares onde a presença de Aleijadinho é quase desconhecida, como por exemplo, Rio Espera”, na região do Alto Paraopeba, onde há documentos comprovando a produção de obras como o retábulo igreja de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, por volta de 1792. “Podemos informar a fazenda onde ele residiu, e amarrar essas informações”, anuncia.
Para a implementação dessa rota, Miranda acredita que não haverá necessidade de tantos recursos. “É mais uma questão de gestão do que de investimento”, pontua, lembrando que a Comissão é presidida pela Secretaria de Estado da Cultura, com participação da Secretaria de Turismo. “Vamos chamar também os municípios, a Secretaria de Educação, para que também se apropriem desse conteúdo”.
Imagem
Nessa perspectiva de difundir o conhecimento referente ao barroco mineiro e suas principais personagens, as escolas terão um papel fundamental, Pois além de promoverem atividades especiais, que podem feitas de forma integrada entre as diversas disciplinas, as instituições poderão trabalhar com uma série de símbolos e signos, entre eles, a própria imagem de Aleijadinho
“Quase ninguém consegue visualizar a imagem dele”, observa Miranda, lembrando que no Museu Mineiro, sediado em Belo Horizonte, há um quadro do século XVIII retratando o artista. “Muita gente pode se surpreender”, acredita o promotor, que defende a exposição da imagem do patrono das artes e da cultura em toda instituição pública de ensino. “E isso pode ser feito por medida legal”, indica.
Arte verdadeiramente nacional
O Dia do Barroco, em 18 de novembro, e o Bicentenário de Aleijadinho, em 2014, não serão apenas datas oficiais, para registro. Para um dos membros da Comissão Curadora, Amilcar Vianna Martins Filho, serão uma oportunidade de sensibilizar a população quanto à riqueza desse patrimônio, e assim contribuir efetivamente para a sua preservação. “É a primeira arte verdadeiramente nacional”, defende, ressaltando os ensinamentos do poeta, especialista e amigo Affonso Ávila: “É uma expressão única do barroco, um tesouro do país”.
O empenho na difusão das imagens, pensamentos e personagens do barroco mineiro é justificado. Conforme reconhece o diretor do Instituto Cultural Amilcar Martins, embora seja considerada uma arte única — distinguindo-se tanto do barroco europeu quanto do de outras regiões do país — a população de Minas, especialmente os mais jovens, pouco têm conhecimento deste estilo de época, de seu contexto, importância estética, histórica ou política.
“O Mário de Andrade já falava isso, que o barroco mineiro era a primeira arte verdadeiramente nacional”, indica Martins, ressaltando a diferença no uso dos materiais, como a pedra-sabão em substituição ao mármore, que era reproduzido por meio de pinturas, além das próprias características estilísticas, “menos chapa branca”. Um corte bem talhado pelas mãos de Aleijadinho, “que foi um grande transgressor, com seus anjinhos com cara de mulato”, destaca.
Para se alcançar esse objetivo de aprofundar os estudos e levar conhecimento para a população, o Conselho Curador vai promover uma combinação de eventos. Segundo Amílcar, os mais eruditos serão destinados aos especialistas, por meio de seminários, que terão participação inclusive de estudiosos internacionais
“Não queremos tornar as pesssoas especialistas, Mas podemos avançar um pouco mais, levando isso para o conjunto da população, por outros meios”, indicou. A expectativa é que o conhecimento contribua para o cuidado, para a redução das depredações, para a proteção do patrimônio.
Esplendor
Esse entusiasmo é compartilhado por Ângela Gutierrez, presidente do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, e que também integra a Comissão Curadora. Primeiramente, ela chama atenção para a atuação do Legislativo que, por iniciativa do deputado e presidente da Assembleia Legislativa de Minas, Dinis Pinheiro, tornou Lei um mecanismo de difusão e defesa do barroco mineiro.
“Minas saiu na frente ao formalizar essas datas”, ressalta a empresária, que entre outras realizações na área cultural, foi responsável pela formação do Museu do Oratório, em Ouro Preto/MG, em 1998, e pelo Museu de Artes e Ofícios, em 2005, em Belo Horizonte.
“O barroco atingiu seu resplendor no século XVIII, com ricas produções em ouro, pedras e arte religiosa”, pontua Ângela, lembrando que as celebrações que vão acontecer no próximo ano serão muito importantes para motivar a população, “especialmente as gerações mais jovens, que precisam ter oportunidade de se aproximar desta arte”. “Os mineiros, mais do que os outros, precisam conhecer a sua arte, o seu patrimônio”, finalize.