Entrevista – Cláudio Moura Castro

É preciso contar a história

O economista e educador é também um profundo conhecedor do tema turismo — menos como especialista e mais como um viajante contumaz, frequentador de muitas trilhas, pelo mundo afora. E também, como um praticante de voo livre. Nesta entrevista, Moura Castro fala sobre o potencial turístico de Minas Gerais, reclama que as escolas de turismo só formam planejadores teóricos  e afirma que Minas oferece um turismo diferente, a ser explorado pelos que já percorreram os destinos tradicionais.

Por Marcela Vilas Boas e Cézar Félix
Fotos Rogério Alves Dias

— Como não poderia deixar de ser, o tema é turismo em Minas Gerais. Como o senhor avalia a atividade turística no Estado?

Comecemos com Belo Horizonte e, depois, falemos do resto do Estado. A capital fica querendo se impor como uma cidade turística quando, na verdade, seu destino é ser uma cidade dormitório para os turistas. Ninguém sai de Londres, Paris ou Nova Iorque só para conhecer os atrativos de BH. Se chegam por essas bandas, é para ir a Ouro Preto, Mariana, Tiradentes e Inhotim .

— Não podemos considerar nem mesmo o Circuito da Praça da Liberdade ou o modernismo da Pampulha como atrativos para o turismo?

Tudo isso complementa a boa experiência do turista, mas não é o que o traz aqui. Faz com que o passeio seja mais bonito, mais pleno. Não há nenhum desdouro em ser uma cidade dormitório. Fallstaff oferece pouso para quem vai ao Grand Canyon, um dos maiores atrativos turísticos do globo. E está feliz com os infindáveis dólares que pingam. BH deve tirar partido de sua geografia, no miolo do Circuito do Ouro. Para isso, deve oferecer bons serviços, hotelaria de qualidade e boa mesa. A capital deve ser uma cidade agradável e servir de pivô para quem vem conhecer a história e o Barroco Mineiro.

— Então, o Barroco Mineiro é realmente o grande e principal atrativo turístico de Minas Gerais?

— Sim, mas é mal vendido. Pelo que sei — e não sou o grande especialista no tema — o barroco em Minas é mais evoluído, mais redondo e, de certa forma, mais puro. Em vilarejos como São Bartolomeu ou Glaura, por exemplo, encontramos o barroco português, mais antigo, pois foram povoamentos anteriores. No século XVIII, o barroco reaparece em Ouro Preto e em Mariana,  já como Barroco Mineiro. Vejo o barroco da Bahia como muito pesado e o paulista é pobre. Já o mineiro é a glória. E isso vem junto com outro grande atrativo: o barroco na montanha! A topografia escarpada e a pobreza da terra fez com que a região de Ouro Preto se revelasse um desastre na hora de alimentar a população que para  lá foi, na corrida do ouro. Mas hoje, as montanhas se revelam como parte do seu grande atrativo turístico. Há dois séculos, a Madame de Staël — que era meio suíça, meio francesa — quando ia de Genebra a Paris, fechavas cortinas da carruagem, ao chegar aos Alpes, porque achava um horror aquela multidão de pedras pontiagudas. Mas os gostos mudaram. Atualmente, achamos esplêndidas tais escarpas pedregosas. A montanha adquiriu um atrativo especial e a combinação montanha-barroco é imbatível. De quebra, oferece ainda o atrativo do turismo de aventura.

— E existe também o potencial para a prática de vários esportes de aventura.

Claro! Minas tem grande potencial para a escalada, voo livre e outros esportes ao ar livre. Um pico inacessível é chamariz para escaladores decididos. Mas não passam de um punhadinho. Para ser um destino turístico, é preciso bom acesso e todas as amenidades, para o antes e depois do voo ou escalada. Na Lagoa dos Ingleses, por exemplo, o local de voo é excepcional, já que é possível decolar para dois lados. Além disso, o acesso é fácil e por boas estradas. E no vale do Paraopeba, logo abaixo, há bons restaurantes e pousadas. O mesmo acontece com as caminhadas e escaladas da Serra do Cipó. Há pousadinhas simpáticas e boa mesa.

—  Se Minas tem esse grande potencial turístico, e o seu desenvolvimento ainda é lento, por que isso acontece?

Porque não sabemos vender. A Serra Gaúcha é um lugar que, praticamente, não tem atrativos naturais ou históricos, mas que se transformou em um grande destino turístico. Isso porque tem bons serviços, gastronomia, hotéis e atrativos construídos. E se vende bem! Há um trenzinho, com sanfoneiro, comidas e vinho. Em Bento Gonçalves há um hotel de cinco estrelas, em meio ao parreiral da vinícola Miolo! Na Serra Gaúcha, tira-se água da pedra. E nós, que temos o ouro do barroco e o atrativo das montanhas, não sabemos vender.  Faltam guias preparados, que saibam contar história. O novo turismo é o do sonho. É o oposto do turismo de massa, da “cachaçada” e da música alta. É o turismo com enredo, onde mergulhamos em um mundo diferente, com narrativa, aventura, gente viva e morta. Há pouco fui assistir uma aula, em Cachoeira do Campo, dada, dentro de uma capela, por um professor de história. Foi uma tarde genial! Ouvimos as histórias de Minas, do barroco, dos Emboabas e outras. Onde estão os guias capazes contar essas histórias? Aquele discursinho decorado dos guias de Ouro Preto não é capaz de criar a máquina do tempo imaginária, que nos leva aos momentos curiosos e relevantes do Século XVIII.

—  E é isso que valoriza a experiência turística…

Exatamente. Faz pouco, fui ao museu dos bombeiros em Nova Iorque. No século XIX era um posto de bombeiros, de bairro. Lá podemos conhecer uma profusão de carros de bombeiros, de todas as épocas. Para quem gosta do tema é interessante. Mas o que faz memorável a experiência da visita é o guia — um bombeiro aposentado, com 35 anos de serviços prestados. Nesse tempo, acumulou infindáveis histórias e casos. É turismo com história, vivida em primeira mão. Ou seja, precisamos de gente assim, mostrando os atrativos. Além disso, de historiadores servindo de guia e ensinando àqueles que contarão as histórias.

— Por que não sabemos vender o turismo? Falta investimento do setor público, por exemplo?

— É menos falta de investimento em infraestrutura, e mais investimentos em serviços de qualidade. Para o turismo de aventura, não é necessária uma estrada pavimentada, quarto com ar condicionado, banheiro, nada! Só serviço. Quando desci o Green River (no Estado de Utah, EUA), foi a primeira excursão do ano, portanto, pouco concorrida. Por esta razão, incluía futuros guias que estavam em treinamento. Os veteranos iam contando aos jovens as histórias e casos, de cada curva do rio, para que pudessem repeti-las para seus futuros clientes. É isso, se o guia não contar histórias, é turismo de massa, simples e barato. O turista que devemos atrair é o turista que escolhe Ouro Preto. Ele quer ouvir porque Tiradentes era o líder da Inconfidência Mineira e não o Cláudio Manuel da Costa. Ou o que realmente aconteceu, o que dizem os Autos da Devassa? Gostaria de ouvir sobre um historiador mineiro que não acreditava na existência real de Tiradentes. Um turista com esse perfil quer ouvir histórias interessantes e inteligentes. Subitamente,  ele pode perguntar: e essas esculturas, não se parecem com o Barroco Alemão? O que vai responder o guia, se ele não sabe o que é o Barroco Alemão?

—  Veja o caso da Serra do Cipó, onde  existe uma biodiversidade fantástica, que pode atrair muitos turistas a mais.

É, mas ninguém sabe o nome das plantas ou para que servem. Ou se a orquídea que aparece ali é uma orquídea comum ou se é rara. Insisto, o que falta não é investimento em engenharia civil, em pavimentação ou em edifício. Falta serviço. O turismo de aventura não precisa ser em hotel de cinco estrelas. Já resolve uma boa pousadinha, simples, arrumada, limpa e com o serviço correto. Uma vez, fui jurado em um concurso de pastel de angu, em Itabirito. Na barraquinha em que estive mais tempo conversando, quis tomar uma tacinha de vinho. A cidade se gaba de produzir o melhor pastel de angu do mundo! Mas o vinho servido era de quinta categoria, daqueles cuja garrafa custa cinco reais. Há uma incongruência!

— Como especialista também em educação, qual a sua avaliação das escolas de turismo?

Uma vez analisei a lista de professores de um curso de turismo. Eram todos teóricos, doutores. Nem um só havia trabalhado no ramo. Faltam professores que conheçam o ‘metier’ do turismo. Isso é agravado pelos equívocos do MEC em exigir Ph.Ds. para ensinar naquelas áreas em que a experiência é tudo. Os cursos formam planejadores do turismo. Contudo, o mercado para esse perfil profissional já está saturado, faz tempo. Em contraste, quando uma agência precisa de alguém que realmente saiba usar ‘softwares’ de reservas de ‘hot’ e voos, não encontra ninguém. Nas escolas, apenas mencionam que tais programas existem, mas não ensinam a utilizar. Aliás, quem sabe usa-los não passa um só dia desempregado. Precisamos de gente para operar, para guiar. E também, gente com experiência e habilidade física para ser guia de turismo de aventura. Os cursos existentes não ensinam o que a indústria do turismo precisa.

— Como foi a sua experiência com a ABETA (Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura)?

Sou suspeito para falar, já que estive envolvido em muitas iniciativas da Abeta, das quais, algumas são ideias minhas. O que criamos na Abeta foi um sistema de certificação de condutores de turismo e de empresas de turismo de aventura. O primeiro problema do turismo de aventura é o risco. Os acidentes espantam potenciais clientes. Portanto, o seu gerenciamento é fundamental. Acontece que essas empresas são muito pequenas e não têm condições de pagar o processo de certificação e os cursos necessários. Por isso, inicialmente, o Ministério do Turismo bancou os gastos. Hoje, muitas empresas de turismo de aventura têm uma certificação ISO, que pertence ao sistema de certificação usado pela da indústria. Inclusive, neste padrão ISO de turismo de aventura, o Brasil lidera um processo mundial para que seja adotado em outros lugares. Com as dificuldades administrativas dentro do Ministério do Turismo, o financiamento para a certificação parou. Todo e esforço e gastos realizados estão hoje ameaçados, o que é uma pena.

— Como o senhor vê o planejamento do turismo em Minas Gerais, a partir da divisão dos destinos em circuitos turísticos, além do projeto da Estrada Real?

A Estrada Real foi uma sacada de gênio. Só com a ousadia do Salej (Stefan Bogdan Salej, ex-presidente da Fiemg – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) para fazer uma federação de indústria,  no caso, a Fiemg, cuidar de turismo. Tudo começou muito bem e avançou bastante. Mas o território geográfico a ser coberto é imenso e não há nenhuma tradição de turismo de aventura por aqui. O turismo na estrada propriamente dita ainda engatinha porque não há o hábito de viajar a pé, a cavalo ou de bicicleta. Acabou ficando restrito ao turismo nas cidades coloniais — que já tinham seu público, e que foram, a meu ver, valorizadas pela Estrada Real. A Estrada Real acaba sendo o ícone do turismo do ouro, incluindo uma coleção de cidades interessantes. Mas o caminho, em si, ficou meio esquecido. Entre outros problemas, há a falta de mapas! O último mapa 1:50.000 é da década de 1980! E se não há mapas, dependemos de placas na estrada. E placa é o que menos existe. Esse turismo das cidadezinhas, das serras e das cachoeiras é muito comprometido pela falta de mapas. Afinal, como chegar lá, se nem há mapas e nem placas indicativas? Já a proposta dos circuitos turísticos — que não conheço em detalhes — é uma ideia muito boa. Trata de concentrar esforços, tomando um circuito de 150 km e criando algo interessante, onde não havia nada. É realmente uma boa iniciativa, mas ainda não saiu muito do lugar.

— O senhor diria então que as principais vocações de Minas são o turismo histórico e o turismo de aventura?

— Temos o turismo histórico, o barroco. E não nos esqueçamos da gastronomia. Porém, falta quem conte as histórias. Precisávamos da Dona Lucinha, explicando o porquê dos ingredientes, o pitoresco do ora-pro-nóbis, as diferenças entre a cozinha de fazenda e a dos tropeiros. Hoje, as pessoas vão a Lima, no Peru, só para comer. Soube que lá existem 250 escolas de culinária. Virou um destino gastronômico. Minas tem uma cozinha muito rica e variada. Porém, não há quem conte a sua história. Há livros bonitos. Mas ninguém compra um livro de cozinha mineira antes de vir para cá. Quando se espreme, espreme, espreme, o que se vê é a completa falta de  pessoas com o perfil requerido para atrair o turista que pode se interessar pelos atrativos mineiros.

— Qual é a melhor saída para o turismo de Minas Gerais?

O grande potencial do turismo mineiro é atrair os milhões que já viram os atrativos convencionais, badalados e inundados de visitantes. É o turista que já viu tudo e não quer voltar a Barcelona, pois se cansou de andar em uma cidade congestionada de turistas. Minas tem que ir atrás  de gente que está à procura de descobrir novos atrativos. Sol e praia não vão deixar de atrair as multidões. Mas há quem não queira só isso. Neste aspecto, Minas Gerais tem muito a oferecer; tem destinos menos explorados e conhecidos. O potencial turístico de Minas consiste em oferecer uma alternativa diferente, para o turista que ou é diferente ou já se cansou dos mesmos circuitos.

Belo Horizonte quer se impor como uma cidade turística quando, na verdade, seu destino é ser uma cidade dormitório para os turistas. Ninguém sai de Londres, Paris ou Nova Iorque só para conhecer os atrativos de BH.

E nós, que temos o ouro do barroco e o atrativo das montanhas, não sabemos vender.  Faltam guias preparados, que saibam contar história. O novo turismo é o do sonho. É o oposto do turismo de massa.

O primeiro problema do turismo de aventura é o risco. Os acidentes espantam potenciais clientes. Portanto, o seu gerenciamento é fundamental.

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