Grupo Galpão: Cenas abertas de palcos iluminados

Uma conversa de bar na Alemanha, há distantes 35 anos, gerou a fagulha que deu início a uma grande saga, cujo primeiro ato abriu as cortinas para lapidar o destino de uma das mais bem-sucedidas trupes de teatro da história das artes cênicas brasileiras, o Grupo Galpão.

Reportagem Cacaio Six
Fotos Guto Muniz

Em 1982, conforme conta o sítio do grupo, os atores Eduardo Moreira, Teuda Bara e Wanda Fernandes participavam de uma oficina de teatro dos alemães Kurt Bilstein e George Froscher, integrantes do Teatro Livre de Munique. Os três e o diretor argentino Fernando Linares estavam trabalhando também na montagem do espetáculo “E a noiva não quer casar” quando decidiram — em uma mesa de bar de Munique — criar um grupo profissional de teatro, cujo objetivo maior era realizar um trabalho em longo prazo. É claro que, para isso, era preciso também criar uma infraestrutura empresarial e profissional.

Até 1988: “anos heróicos”.

Com o grupo formado e estruturado sob o nome Galpão, o período entre o seu surgimento e o ano de 1988 é considerado pela trupe como os “anos heroicos”. As primeiras peças foram criadas e apresentadas em diferentes cidades por Minas Gerais afora. Destaque para as montagens “Ó pro cê vê na ponta do pé” e a “A comédia da esposa muda”.

Com o primeiro espetáculo, uma criação coletiva dirigida por Linares, o Galpão foi a várias cidades de Minas e se apresentou em festivais pelo Brasil. O espetáculo misturou técnicas circenses e bonecos a muito humor. A grande receptividade do público garantiu 350 apresentações. Simultaneamente, graças à participação em festivais, o grupo levava o trabalho para outras partes do país, período caracterizado por um abrangente intercâmbio com outras companhias do país e do exterior.

Apresentações na América Latina e na Europa.

 

Anos heroicos

No ano de 1985, foi realizado o primeiro espetáculo em sala de teatro. “Arlequim servidor de tantos amores”, de autoria de Carlo Goldoni — dramaturgo e escritor veneziano que viveu no século XVIII, considerado um dos maiores autores de teatro da história da Europa —, foi dirigida por Eduardo Moreira e Fernando Linares. Conforme registros do Galpão, esse foi o mergulho da trupe na “commedia dell’arte”, gênero da comédia italiana que justamente privilegia uma intensa ação dos atores com o uso de mímica e acrobacias circenses. Um ano depois, o grupo retorna ao gênero italiano, para encenar “A comédia da esposa muda — que falava mais que pobre na chuva”, com direção de Paulinho Polika.

Romeu e Julieta em Ouro Preto (1992).

Em 1988, de volta às apresentações em espaços públicos, Eid Ribeiro dirigiu “Corra enquanto é tempo”. “O espetáculo simula uma pregação religiosa, em que os atores colocam em cena o resultado do estudo da música, tocando, cantando e dançando para Jeová, com gomalina no cabelo, roupas que cobrem todo o corpo e extravagância no apelo da fé”, como explicam os registros do Grupo Galpão. Várias cidades brasileiras e diferentes capitais receberam o espetáculo.

Um grande salto se deu no ano de 1987, quando foi inaugurado o que companhia chama de “a série brasileira”. Os trabalhos se concentraram em leituras e estudos de textos sobre a realidade brasileira e na promoção de workshops. Outra providência foi continuar o desenvolvimento do trabalho muito centrado nas acrobacias, improvisações, músicas e teatralização de objetos. Marco inesquecível daquele mesmo ano foi a aquisição de uma velha Chevrolet Veraneio, que ganhou o nome de “Esmeralda”. Aqueles anos heroicos estão resumidos em um depoimento publicado no sítio do Grupo Galpão: “período de muito trabalho e pouco dinheiro, condição que ameaçava constantemente a estabilidade do grupo e a perseverança em manter-se fazendo teatro e vivendo exclusivamente dele”.

Grupo Galpão: “uma linguagem teatral ampla”.

Fronteiras internacionais

A trajetória do Galpão continuou seguindo as difíceis trilhas tanto da consolidação artística — o reconhecimento de público e crítica já era uma realidade — quanto da completa estruturação. Um passo fundamental foi dado em 1989, com a aquisição da sede própria, na Rua Pitangui, no Bairro Sagrada Família.

Naquele ano, as fronteiras internacionais começaram a ser abertas, pois a trupe retornava de uma longa excursão à Itália, onde se encontraram com os consagrados diretores Jerzy Grotowsky e Peter Brook. Para se ter uma ideia da importância do encontro, registra-se aqui que o polonês Grotowsky é um dos grandes nomes do século XX do teatro experimental de vanguarda. Ele revolucionou o ofício de ator ao priorizar os exercícios e o treinamento. “A palavra nasce do corpo e, portanto, não poderá ser usada corretamente sem uma preparação física adequada”, dizia. Já o inglês Brook, diretor de teatro e de cinema, foi o fundador do prestigiado Centro de Pesquisa Teatral de Paris, o qual ele dirige. Também dirigiu o Royal Shakespeare Company, além de ter adaptado e dirigido os mais importantes clássicos de William Shakespeare, como “Rei Lear”.

Os seis anos entre 1990 e 1996 são considerados pelo Grupo Galpão como “o período do reconhecimento”. Assim está documentado no site oficial: “foi um processo lento, fervido em banho-maria, e cujos frutos só puderam ser colhidos depois de um intenso trabalho de semeadura e irrigação”. “Com ‘Álbum de família’, texto de Nelson Rodrigues, a colheita estava apenas começando. A montagem ampliava a presença do grupo no cenário nacional, e os prêmios e críticas se multiplicavam”.

O clássico do grande dramaturgo brasileiro, dirigido por Eid Ribeiro, foi montado para teatro fechado e colecionou elogios do público e da crítica. Nos próprios registros, o Galpão destaca um trecho da crítica do respeitado Macksen Luiz, que na época escrevia para o Jornal do Brasil: “O aspecto telúrico, que poetiza com toques de maldição a cena, contribui para que esta versão do Grupo Galpão para Álbum de Família tenha uma contundência indiscutível”.

Romeu e Julieta, a consagração

Em 1992, com “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, direção de Gabriel Villela, aconteceu a consagração definitiva do Grupo Galpão. Mais que isso, a montagem da trupe mineira também ficou marcada como um dos mais importantes espetáculos da história de toda a dramaturgia brasileira.

A estreia ocorreu em Ouro Preto, no adro da Igreja de São Francisco de Assis, obra-prima do mestre Aleijadinho. Pouco tempo depois, em espetáculos antológicos — principalmente em razão da emocionante receptividade do público que lotava o espaço —, a peça foi encenada em Belo Horizonte, na Praça do Papa.

Este redator estava lá, na Praça do Papa, acompanhado de uma criança, então, um linda menina de 6 anos. À primeira vista, surge a Chevrolet Veraneio “Esmeralda” como destaque do cenário — aliás, feito de uma simplicidade lírica comovente, que transmitia muita emoção. Logo percebi que o diretor quis transportar do interior da Itália para o interior de Minas Gerais a tragédia do amor incompreendido entre os dois jovens em razão do ódio e da intolerância por parte das famílias do casal, os Montecchios e os Capuletos. O universo onírico do espetáculo claramente transmitia uma miscelânea genial entre a estética barroca — que remetia às Minas — e a outro desenho que, por sua vez, levava aos sertões dos Gerais, numa referência ao “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Isso tudo, porém, foi executado sem perder a encantadora força eternamente universal da obra shakespeariana. A tragédia de “Romeu e Julieta” renasceu em Minas Gerais, numa adaptação tão arrebatadora quanto os singelos versos de “Flor, minha flor”, uma das lindas músicas da trilha sonora:

Flor, minha flor,
Flor, vem cá!
Flor, minha flor,
Laiá, laiá, laiá

O anel que tu me deste
Flor, vem cá
Era vidro e se quebrou
Flor, vem cá
O amor que tu me tinhas
Flor, vem cá
Era pouco e se acabou
Laiá, laiá, laiá

Flor, minha flor,
Flor, vem cá!
Flor, minha flor,
Laiá, laiá, laiá

[Flor, minha flor…]
Quem será aquela moça lá no fundo
Que dá a mão ao cavalheiro agora?
Ó, ela ensina as luzes a brilhar
Dir-se-ia que pende da face da noite
Como brinco da orelha de metíope
Ela é pura demais pra ser conquistada
Mas é bela demais para não ser amada
Vou ver depois da dança onde ela está
A minha mão se purificará tocando a sua mão
Coração, coração, tu já terás amado alguma vez?
Oh, não, os meus olhos negam com firmeza
pela primeira vez vejo a beleza!
Naquele final de tarde e início de noite, na Praça do Papa, quase ninguém deve ter passado incólume durante o lindo espetáculo. Além de cada detalhe da peça, não me passou despercebida a figura do diretor Gabriel Villela, que andava elétrico de um lado para outro, numa imensa agitação. Também não deixei de observar o profundo encantamento nos olhos daquela criança que estava comigo. Talvez não teria sido obra do acaso que, nos dias de hoje, radicada em Paris, ela tenha se tornado uma talentosa artista circense.

Excelência mantida

Dois anos depois, após ser encenada no Rio de Janeiro, “Romeu e Julieta” recebe o Prêmio Shell especial de teatro.

Sobre o estrondoso sucesso do clássico de Shakespeare, o Galpão registra, no site, o seguinte: “Em 1991, o diretor Gabriel Villela propôs ao grupo um trabalho comum, que teria, entre outros, o objetivo de explorar a ‘Veraneio’ como elemento cenográfico central. Era uma forma de conferir contemporaneamente às antigas carroças das trupes mambembes e levar o espetáculo a todos os cantos do país. Após dois anos de pesquisas e workshops, o texto clássico de Shakespeare se encontrava com o épico do sertão e a narrativa de Guimarães Rosa. ‘Romeu e Julieta’ se tornaria não apenas o maior sucesso de público e crítica das montagens do grupo, mas talvez de todo o teatro de rua do país. Em um artigo, Bárbara Heliodora, crítica teatral e estudiosa de Shakespeare, resumiu a importância da peça: “O ‘Romeu e Julieta’ de Villela e do Galpão é uma montagem definitiva”.

Na sequência, o grupo mantém a excelência quando, em 1994, encena “A Rua da Amargura, 14 passos lacrimosos sobre a vida de Jesus”, baseado em “O mártir do Calvário”, do escritor e dramaturgo carioca Eduardo Garrido.

O grupo, que passou mais de dois anos viajando para apresentações na América Latina e na Europa, havia sofrido um grande baque com o falecimento da atriz Wanda Fernandes, em um acidente de carro. Após a estreia no Rio de Janeiro (no teatro do Centro Cultural do Banco do Brasil), a peça recebeu 17 prêmios, como os prestigiadíssimos Mambembe, Molière, Shell e Sharp. Segundo os registros do Galpão, a crítica Bárbara Heliodora escreveu: “Criado como um grupo de teatro de rua profundamente envolvido com a pesquisa das formas populares e circenses, o mineiro Galpão encontrou em Gabriel Villela um diretor em total sintonia com seus sonhos e inquietação. Na recíproca, Villela tornou-se um criador privilegiado, pois raramente é dado a um diretor trabalhar com um grupo já de si dedicado aos ideais por ele buscados”.

Galpão Cine Horto

A era seguinte da trajetória do Grupo Galpão, como é registrado, foi a da “expansão” — que compreendeu os anos entre 1996 e 1999. Após dois anos novamente de viagem pela Europa e pela América Latina com “Romeu e Julieta” e “Rua da Amargura”, o retorno a Belo Horizonte veio com a montagem de “Um Molière Imaginário”. Com o objetivo de misturar música, teatro e circo, além de ratificar a identificação com o autor francês no que se refere à crítica social, principalmente à hipocrisia da sociedade, é realizada a adaptação de “O doente imaginário” — feita por Carlos Antônio Leite Brandão. Eduardo Moreira assumiu a direção da peça. “A montagem acabou por reunir os três objetivos que sempre nortearam o grupo: uma linguagem teatral ampla, o resgate da cultura popular e a conquista de um público muito mais amplo do que somente aquele acostumado a frequentar as restritas casas de espetáculos”, como informa o sítio do Galpão.

Galpão Cine Horto: inaugurado em 1999.

Pouco depois, acontece mais uma grande conquista da trupe: a inauguração do Galpão Cine Horto, o centro cultural do grupo que hoje é a sua sede. É também um lugar de “formação, pesquisa e intercâmbio, aberto aos artistas e à comunidade”. Outro marco importante foi o lançamento do livro “Grupo Galpão, 15 anos de risco e rito”, escrito por Carlos Antônio Leite Brandão e coordenado por Eduardo Moreira.

Consolidação de um grupo múltiplo

As realizações seguintes foram às montagens de “Partido”, uma adaptação livre da obra do grande Ítalo Calvino — um dos maiores escritores italianos de todos os tempos —, e “Um trem chamado desejo”, do dramaturgo e roteirista paulista Luís Alberto de Abreu. O primeiro espetáculo não só marcou a inauguração oficial do Galpão Cine Horto (em 1999) como também foi o primeiro trabalho com o ator e diretor Cacá Carvalho. Já a segunda montagem, no ano 2000, marcou o início do período registrado como “a consolidação de um grupo múltiplo e heterogêneo”, que se estendeu até o ano de 2008. Dirigida por Chico Pelúcio, a peça ganhou vários prêmios e, segundo o grupo registra, “tornou-se um retrato vivo da própria história e vivência da companhia mineira”.

“Till, a saga de um herói torto”.

Outro momento de extrema importância para o Galpão se deu no início do ano 2000: a apresentação — em duas temporadas — de “Romeu e Julieta” no Shakespeare’s Globe Theatre, em Londres. Sobre essa grande realização, o grupo registrou no site: “‘Romeu e Julieta’ seria o primeiro espetáculo brasileiro a subir nesse palco para duas semanas de temporada. Os ingleses, amantes inveterados do teatro e, especialmente, de Shakespeare, lotavam todas as apresentações e o que até então soava como infidelidade, ficaria consagrado como um resgate da mais genuína herança popular do teatro do dramaturgo inglês”.

Duas décadas

Os anos de consolidação da trupe mineira prosseguiam com apresentações de cinco montagens do próprio repertório pela região Nordeste e no Rio de Janeiro, em São Paulo e Belo Horizonte. Isso aconteceu quando o Galpão comemorava duas décadas de sucesso — ratificado, um ano antes, em 2001, com a adaptação para a TV de “A Rua da Amargura”. Dirigido pelo ator e diretor Paulo José, o episódio era parte do especial “A paixão segundo Ouro Preto”, transmitido pela TV Globo. Foi um grande sucesso de público e crítica e que também marcou o início da parceria dos mineiros com Paulo José. Ele tornou a dirigir, em 2013, o espetáculo seguinte: “O inspetor geral”, um clássico escrito pelo russo Nicolai Gógol. As capitais brasileiras foram brindadas com apresentações numa longa e vitoriosa turnê. Outro fato importante daquele mesmo ano foi o lançamento de uma publicação com a descrição dos processos de criação da trupe mineira, relatos do cotidiano dos ensaios. Tratava-se dos diários de montagem de quatro espetáculos: “Romeu e Julieta”, ”A Rua da Amargura”, “Um Molière Imaginário” e “Partido”.

“Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)”.

Dois anos depois, prosseguia a parceria com Paulo José na montagem de outro grande texto: “Um homem é um homem”, de Bertold Brecht. Um circo armado na Casa do Conde, em Belo Horizonte, foi escolhido para ser o palco de apresentações da peça.

Finda a temporada, que atraiu um enorme público nas três semanas em cartaz, o Galpão partiu para uma experiência muito interessante e, em certos aspectos, inédita no país. Algumas das regiões mais distantes do Brasil, sem praticamente nenhum acesso a produtos culturais, foram visitadas em uma grande turnê que se estendeu por Nordeste, Centro-Oeste e Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. O Galpão se apresentou tanto nas ruas quanto em palcos em locais fechados.

Filmes e livros

O ano de 2006 marcou o lançamento do documentário em DVD “Grupo Galpão, a história de um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil”. Fruto de mais uma parceria com Paulo José, que atuou como produtor, o filme foi dirigido pela atriz Kika Lopes e pelo cineasta mineiro André Amparo.

Outra iniciativa com grandes doses de ineditismo foi a criação e o lançamento de uma campanha intitulada “Conte sua história”. O objetivo foi conclamar o público a participar da montagem seguinte, dirigida por Paulo Moraes. O espetáculo foi concebido a partir das histórias reais enviadas pelas pessoas. Após o Grupo receber mais de 600 histórias, estreou, em 2007, a montagem “Pequenos milagres”. Naquele ano, o Grupo Galpão comemorava 25 anos de estrada. Nada mais justo do que o que viria a seguir: foram lançados os livros com textos das principais montagens da trupe e ainda o DVD que documentou a apresentação da peça “Romeu e Julieta” no Globe Theatre, em Londres.

“De tempo somos”, dirigido por Simone Ordones.

Mais um importante documentário entra no rico portfólio de grandes realizações do Galpão. No ano de 2008, o consagrado cineasta Eduardo Coutinho realizou o filme “Moscou”, cuja proposta foi o registro dos ensaios dirigidos pelo ator e diretor carioca Enrique Diaz, baseados no texto “As três irmãs”, de Anton Tchékhov. A montagem, conforme assinalou o Galpão, “que nunca viria de fato a se concretizar, o que já era planejado, foi a porta de entrada para o mergulho que o grupo faria, nos anos seguintes, na obra do dramaturgo russo”.

Consagração de crítica, público e prêmios

A trajetória do grupo mineiro, de 2009 a 2014, é registrada como o “o sucesso de uma experiência de mais de 30 anos”. O primeiro ato dessa era iniciou-se com a realização de vários workshops internos de cenas teatrais no Galpão Cine Horto. Os atores escolhiam os textos, criavam as cenas e se revezavam na direção. Em seguida, as cenas foram apresentadas ao público que, em uma votação, elegeu a preferida. Essa cena, então, tornou-se base para a montagem de “Till, a saga de um herói torto”, cuja direção, por decisão interna, ficou a cargo do ator Júlio Maciel, o integrante mais jovem do grupo.

Mais uma vez, crítica e público consagraram o espetáculo, criado para ser apresentado nas ruas. Nos três dias das encenações na Praça do Papa, em BH, cerca de 18 mil pessoas aplaudiram a peça. Após encantar a capital mineira, o espetáculo percorreu as principais capitais do país e depois seguiu para emocionar os moradores do sertão brasileiro. A trupe subiu o Rio São Francisco fazendo apresentações nas cidades ribeirinhas, desde o Norte mineiro até o Nordeste do país.

O próximo grande desafio do Grupo Galpão foi retornar à obra do russo Tchékhov — um trabalho realizado em duas frentes: foram realizadas duas montagens de textos do dramaturgo e, para essa realização, o elenco da trupe se dividiu. Chamado de projeto “Viagem a Tchékhov”, o primeiro espetáculo, montado para o palco convencional, foi “Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)”, dirigido pela mineira Yara de Novaes. O outro foi “Eclipse”, direção do russo Jurij Alschitz, o segundo estrangeiro a dirigir o Galpão, além do argentino Fernando Linares. “Tio Vânia” arrebatou as plateias de Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, da mesma forma que (como de costume) ganhou muitos elogios da crítica especializada. A montagem ainda fez muito sucesso na apresentação em Roma, no Teatro Vascello. Já “Eclipse” ficou em cartaz no Galpão Cine Horto, atraindo grande público.

Mais uma grande ousadia

Em maio de 2013, a companhia mineira levava às ruas um novo espetáculo. Como não poderia deixar de ser, foi marcado por mais uma grande ousadia: a adaptação do verso erudito “Os gigantes da montanha”, autoria de Luigi Pirandello, o fantástico dramaturgo, romancista e poeta italiano (natural da Sicília). Outro fator de muita relevância em torno da montagem foi a retomada da parceria com o diretor Gabriel Villela. O resultado foi outra consagração de crítica, público e prêmios, como o “Melhores do Ano”, pelo Guia Folha de São Paulo, dentre outros. Para se ter uma ideia do sucesso de público, mais de 50 mil espectadores assistiram a “Os gigantes da Montanha” somente nas praças de BH.

“Repensando caminhos”: é dessa maneira que o Grupo Galpão registra a fase de 2014 até os dias de hoje. “O Galpão repensa seus caminhos”, como esclarece no site. “Uma alternativa pensada foi a de ocupar espaços não convencionais, com uma estrutura mais simples e despojada”, conclui a informação.

Sob essa nova perspectiva, o grupo estreou em 2014 “De tempo somos – um sarau do Grupo Galpão”, direção de Simone Ordones, uma das atrizes da companhia. A montagem reuniu parte do repertório das trilhas musicais (as canções) dos espetáculos desde a década de 1980, com “A comédia da esposa muda”, até 2011, com “Eclipse”. A peça resultou de uma composição feita com as músicas desses espetáculos e os textos poéticos de autores como Baudelaire, José Saramago, Nelson Rodrigues, Paulo Leminski, Tchékhov e Calderón de la Barca. “O espetáculo fez uma ode à passagem do tempo e à permanência do teatro como ato que nos une e nos justifica como coletivo”, registra o sítio da trupe.

Em 2015 nasce “Nós”, dirigida por Marcio Abreu, diretor, ator e dramaturgo, criador da prestigiada Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba. Sobre o espetáculo e numa síntese sobre a gloriosa trajetória, o Galpão registrou no sítio o seguinte: “Fruto de uma profunda reflexão sobre a dimensão política do teatro, o trabalho foi construído a partir de improvisações criadas de temas como o conflito entre a esfera do público e do privado, do indivíduo e do coletivo, do dentro e do fora, da possibilidade de convivência entre as diferenças e da tensão entre minorias e maioria”. O texto prossegue esclarecendo que o espetáculo transita “entre o tênue limite da representação e da performance”. “Nós”, como salienta a trupe belo-horizontina, “reafirma a face heterogênea e inquieta da pesquisa do Galpão, grupo que, ao longo dos últimos 35 anos, se constituiu como um dos mais significativos da história do teatro brasileiro”.

 


O teatro como uma construção coletiva

É o ator e diretor Eduardo Moreira, um dos fundadores dessa mais que consagrada, admirada e aplaudida companhia de teatro, quem faz uma análise da longa trajetória de três décadas e meia de existência do Grupo Galpão.

Ele respondeu às seguintes perguntas formuladas pela reportagem, transcritas abaixo.

— Seria possível sintetizar em algumas palavras os 35 anos desta trajetória de inegável sucesso?

— Muita luta, dedicação, erros, acertos, várias tentativas e, acima de tudo, o espírito aberto para o aprendizado e o encontro. O Galpão sempre se pautou e tentou ser fiel a princípios como a busca pela pesquisa, a construção de uma linguagem cênica, o teatro como uma construção coletiva e que tenha uma permanente convivência com o público. Acabamos nos constituindo como um grupo de atores sem um diretor fixo, e isso moldou muito a maneira de ser do grupo. Nossa linguagem é, de certa forma, um amálgama de todos esses encontros que tivemos e continuamos tendo com diferentes artistas ao longo de 35 anos de trabalho contínuo.

— Na opinião do senhor, após esses 35 anos (e nos muitos e muitos anos que ainda virão), qual seria o grande legado de contribuição do Grupo Galpão para a cultura brasileira?

— A permanência em si já é um legado significativo. A trajetória exemplar do Galpão é um farol que indica que, apesar de tudo, é possível se organizar e fazer e viver de arte neste país sem tradição alguma e governado por uma elite bronca, cujo sonho de consumo é esbanjar dinheiro em compras no exterior.

Há também a construção de uma linguagem teatral que, no seu espírito profundamente eclético e heterogêneo, revela muito da cultura brasileira, sua capacidade antropofágica de sobrevivência. O teatro do Galpão, em sua síntese de rua e de palco, linguagem erudita e popular, brasileira e universal, revela um caráter de profunda conexão com o nosso tempo e a realidade do nosso país.

Quando falamos em legado, nós encontramos, a toda a hora e por todos os cantos por onde passamos, gerações e gerações de atores que chegam até nós dizendo que começaram a fazer teatro depois de terem assistido aos espetáculos do Galpão.

— Ainda no que se refere a essa trajetória, é possível dizer quais foram as maiores dificuldades enfrentadas?

— As financeiras e econômicas são constantes e permanentes. Se alguém quer viver de arte, é preciso deixar definitivamente o senso de segurança de lado. Fora isso, o teatro é uma arte em permanente crise, uma construção radicalmente coletiva, que exige muita escuta, entendimento, compreensão, entrega e absoluto desprendimento. Não é e nunca será um caminho fácil. É uma construção que exige ser refeita diariamente. E isso não é fácil.

— E o que vem por aí? O que dizer sobre o futuro do Grupo Galpão?

— Novos trabalhos, encontros e o espírito cada vez mais aberto para aprender e se renovar.

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