Uma ramificação da Serra da Mantiqueira, e divisora das águas das bacias dos rios Grande e Paraíba do Sul, a Serra do Ibitipoca abriga o Parque Estadual do Ibitipoca (PEI), o mais visitado de Minas Gerais, um lugar repleto de deslumbrantes atrativos naturais.
Por Cezar Félix (texto e fotos)
Desde o planejamento da viagem de Belo Horizonte até o Parque Estadual do Ibitipoca para a produção desta reportagem, o destino parecia conspirar para que a viagem se tornasse um acontecimento muito especial. Não só pela expectativa de voltar lá após muitos anos passados da primeira (e única) visita, mas também por ter plena consciência da beleza de toda região no entorno da “serra que estoura”, ou ainda “serra que estala”, o significado de Ibitipoca — do tupi ibiti (serra) e poca (estala).
Acrescenta-se que nos dias de hoje, o Parque Estadual do Ibitipoca “é o parque mais visitado do Estado de Minas Gerais e foi considerado o terceiro melhor Parque da América Latina pelos usuários do TripAdvisor, devido à sua estrutura e atrativos”, conforme garante a Parquetur, a concessionária que há mais de um ano administra o parque. “Em 2023, a Parquetur venceu o edital de licitação de concessão do Parque Estadual do Ibitipoca e passou a administrar o uso público do parque, prestando serviços de apoio ao visitante”, como informa o sítio da empresa. “O contrato prevê a concessão por 30 anos e o compromisso de conservar o patrimônio ambiental e propiciar melhorias em sua infraestrutura”.
Portanto, ansiedade foi um sentimento presente durante as horas passadas na estrada. É verdade também que a companhia no trajeto, ela que dominava com maestria o volante do carro, era inspiradora. Os quilômetros percorridos se tornaram leves graças à presença dela, sempre irradiando carisma, inteligência e beleza. E assim seguimos até a chegada aos contrafortes da Serra da Mantiqueira, dentro dos limites do município de Lima Duarte. A luz de final de outono era inebriante, então parar na estrada — que termina na vila de Conceição do Ibitipoca — tornou-se obrigatório para fazer as primeiras fotos da viagem.
Já era noite na chegada à vila, que fica a 27 km de Lima Duarte, e fazia frio. O primeiro passeio foi percorrendo as ruas calçadas por paralelepípedos até a chegada em uma pizzaria. Pizza saborosa, de qualidade, um bom vinho, a atenção no atendimento por parte dos proprietários e a espontaneidade da companheira de viagem em tornar tudo ainda melhor nos atos mais simples, sempre gentis.
O charmoso lugar surgiu no século XVII, época em que os bandeirantes descobriram ouro na região. Esquecida um longo tempo, depois que o vil metal se tornou escasso, a sua história é conservada principalmente na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, erguida em 1768 no estilo barroco e na Igreja Nossa Senhora do Rosário, uma construção datada do século XIX.
A redescoberta de Conceição do Ibitipoca, e também de toda a Serra do Ibitipoca, se deu pelo turismo graças aos atrativos naturais de onde hoje é o Parque Estadual, que foi criado em julho de 1973.
1.488 hectares de área
No dia seguinte, logo pela manhã de luz radiante, bem cedinho, na companhia do guia turístico — devidamente credenciado pela unidade — Rodrigo Paranhos, o Minhoca, partimos para desbravar as primeiras trilhas. Aliás, a Parquetur esclarece que “todas as trilhas abertas à visitação no parque podem ser feitas de forma autoguiada. Porém, a contratação de guias e condutores credenciados pela unidade enriquece mais ainda o passeio, além de transmitir mais segurança aos visitantes”.
É preciso explicar que o parque é divido em três diferentes circuitos: o Circuito das Águas, o Circuito Janela do Céu e o Circuito do Pião. “As trilhas são estruturadas para facilitar o acesso aos atrativos e contribui para a conservação e manutenção das áreas naturais”, explica o sítio do parque. Outra importante informação é que o Parque Estadual do Ibitipoca tem uma capacidade diária de 1.000 visitantes.
Para acesso à Janela do Céu, a capacidade de suporte é de 240 visitantes/dia. As vendas ocorrem de forma on-line e também na bilheteria. A quantidade de ingressos para venda direta na bilheteria depende da disponibilidade de vagas do dia.
A Serra do Ibitipoca é uma ramificação da Serra da Mantiqueira e marco divisor das águas das bacias dos rios Grande e Paraíba do Sul. O Parque Estadual ocupa exatos 1.488 hectares da serra que abarcam os municípios de Lima Duarte e Santa Rita do Ibitipoca, uma paradisíaca área dominada pelo bioma Mata Atlântica e pelos raros campos rupestres nos afloramentos rochosos.
Eles, também chamados de campos de altitude, se destacam pela beleza cênica e pela rica biodiversidade, pois desvelam importantes exemplares da flora como orquídeas, bromélias, samambaias e cactos. Há ainda grandes variedades de líquens colorindo as rochas, arbustos, troncos e galhos de árvores. Um tipo de líquen verde claro, chamado popularmente de “barba de velho”, cobrem as candeias, árvores de médio porte que formam verdadeiras matas dentro dos limites do parque.
Os vários cursos d’água, córregos e riachos — formadores de deslumbrantes piscinas naturais e cachoeiras — são protegidos por densas matas ciliares, desenhando paisagens exuberantes.
Características da unidade de conservação, as grutas esculpidas nas rochas de quartzo são atrativos incríveis, assim como os cânions e as passagens subterrâneas — caso da Ponte de Pedra, por exemplo — formados pela força da correnteza das águas.
De enorme relevância, a fauna é constituída por animais ameaçados de extinção como o lobo-guará, a suçuarana (onça parda), o bugio (macaco barbudo) e o pequeno sauá, primata endêmico da Mata Atlântica. Também relevante foi a descoberta, pela primeira vez, de um anfíbio que vive na região, uma espécie de perereca denominada de Hyla Ibitipoca. Das aves — um atrativo para os ‘birdwatchers’ — destacam-se o urubu, o papagaio-do-peito roxo e o andorinhão-de-coleira, dentro outros inúmeros passarinhos. O observador de pássaros tem ao seu dispor mais de 200 espécies de aves, sendo 17 endêmicas que fazem os ninhos nas grutas de arenito e próximos às cachoeiras.
Circuito das Águas
Iniciamos então o nosso passeio pelo Circuito das Águas. Ainda conforme o site, “os atrativos que compõem o Circuito das Águas são de fácil acesso. Ao longo da trilha existem mirantes que foram instalados como forma de promover segurança e conforto ao visitante, além de possibilitar a contemplação da paisagem. O circuito possui cerca de 5 km de extensão com grau de dificuldade médio abaixo, dependendo do atrativo e das condições físicas do visitante”.
Logo de cara, no início da trilha, impressiona positivamente a boa estrutura formada pelo estacionamento, restaurante, lanchonete e banheiros. A área de camping tem capacidade para 30 barracas e é equipado chuveiro com água quente. O Restaurante Limoeiro fornece opções de comida caseira, prato feito e ‘self-service’, e a lanchonete tem lanches e café da manhã. Bem próximo, fica o Centro de Visitantes que é equipado com painéis interativos, onde podem ser visualizadas a história do parque e da região, além de informações sobre a fauna e flora. Uma maquete ajuda o visitante a se orientar sobre as dimensões da unidade. Há ainda um auditório para 50 pessoas e banheiros adaptados para cadeirantes.
O circuito é o que tem o percurso mais curto: são 5,2 km considerando ida e volta, mas as subidas e descidas são íngremes, conforme as características do relevo. As trilhas são muito bem demarcadas e sinalizadas e ainda existem alguns mirantes de onde se pode observar extasiado as lindas paisagens. No caminho, os atrativos se sucedem em uma deslumbrante sequência. É preciso parar, ajustar as câmeras e clicar para tentar reproduzir em fotografias tantas belezas. O guia, sempre gentil e paciente, indicava ângulos, e a presença dela reluzia na paisagem.
A Prainha encanta pelas águas límpidas, inclusive potáveis, em tons avermelhados que fazem um lindo contraste com a areia clara. As cores das águas — o que ocorre em praticamente todo o parque —, que fluem dos lençóis freáticos e em razão das chuvas de verão, resultam das quedas das folhas e das algas presentes no leito formado pelas rochas. A Prainha é irresistível para um bom banho, assim como os vários pequenos poços e duchas que existem nas proximidades. O passeio ainda revela lugares como Gruta dos Gnomos que impressiona por ser esculpida pela correnteza do Rio do Salto. As águas surgem fortes do interior da gruta para formar lugares paradisíacos como o Lago das Miragens, a Raia das Ninfas, o Poço Dourado, a Prainha das Elfas, o Lago Negro, o Lago dos Espelhos e a Cachoeira dos Macacos. Todos esses lugares estão entrelaçados no complexo rochoso do Paredão Santo Antônio.
Há uma combinação estonteante de vistas panorâmicas em meio a corredeiras, duchas, poços, as águas dos lagos e as cachoeiras. Destaque pela beleza da Cachoeira dos Macacos, cuja queda caudalosa surge em meio à vegetação para cair um uma grande piscina natural. Percorrendo uma trilha entre as pedras do rio chega-se à incrível Ponte de Pedra, uma grande gruta, cujo formato arqueado cria uma paisagem impressionante. Em cima dela está o Mirante do Gavião que a 1.280 metros de altura descortina uma vista que alcance todos os limites do PEI.
Circuito do Pião
Mais longo, 9 km de trilhas, porém com muitas subidas e descidas ainda mais íngremes, o Circuito do Pião tem como principais atrativos o Pico do Pião, as grutas do Pião, dos Viajantes e do Monjolinho, a Pedra Furada, o Poço do Campari e a Cachoeira do Encanto. Antes de seguir pela trilha, praticamente uma estrada, de tão ampla, vale a pena descer alguns metros do rio de águas transparentes que não ultrapassam as canelas (exceto na época das chuvas) para apreciar as matas ciliares nas margens e também para curtir alguns mergulhos.
O caminho segue atravessando os campos rupestres e revela o colorido especial de bromélias, orquídeas e muitas flores, sem contar a infinidade de pássaros. Há ainda vários cupinzeiros, incluindo o que afirmam ser o maior do mundo, localizado na Estância Andorinhas, uma fazenda com oferta de hospedagem.
As grutas são muito interessantes. Com pequena abertura de entrada, corredores que vão se estreitando ao longo do caminho e teto baixo, a Gruta do Pião é cercada por uma mata bem fechada, formando um belo cenário. Um enorme salão, acessado por escadas de madeira, é o destaque da majestosa Gruta dos Viajantes, uma das maiores da região. É possível atravessar toda a extensão da gruta, entrando por um ponto e saindo pelo outro, de modo admirar a imponência dela.
O ponto final da trilha é justamente o Pico do Pião, com 1.720 metros de altitude, o segundo local mais alto do parque. A vista de 360º é deslumbrante. A curiosidade é que lá estão em ruínas parte do altar e do piso da Capela Senhor Bom Jesus da Serra, que foi erguida em 1932. As frequentes tempestades com os raios colaboraram para o total abandono do templo. Conta-se que os sinos caíram penhasco abaixo e ainda estão lá em algum lugar.
Circuito Janela do Céu
Não é nenhum exagero afirmar que percorrer o Circuito Janela do Céu é um acontecimento, algo para ficar na memória para sempre — e, é claro, trata-se de uma aventura que precisa ser repetida, pelo menos mais uma outra vez. O percurso é longo, pois são 16 km (ida e volta) e exige, evidentemente, um bom condicionamento físico.
O nosso pequeno grupo, de quatro pessoas, conduzido novamente pelo guia Minhoca, partiu pela manhã antes das oito horas. A querida amiga de longos anos e eu conhecemos dois turistas (um casal do Rio de Janeiro) que se juntaram a nós. De imediato nos entrosamos e eles logo se revelaram ótimas pessoas, companhias muito agradáveis.
Os primeiros quilômetros de subidas já revelam os lindos cenários da vegetação em volta, principalmente a vasta diversidade dos campos rupestres, refletindo um mosaico de cores nas plantas que, evidentemente, pedem as melhores imagens. Portanto, mais cliques.
Dos atrativos do circuito, primeiro é necessário falar das grutas. Definitivamente, é preciso desviar da trilha principal para desbravá-las por dentro. Elas são incríveis, desenham cenários indescritíveis. A Gruta da Cruz impressiona pela claraboia que ela tem no teto. O amplo salão rodeado por três aberturas é o diferencial da Gruta dos Três Arcos, daí o nome dela. Já a Gruta dos Moreiras se destaca pela grandiosidade das rochas que formam entrada.
Vale a pena percorrer o interior escuro até se deparar com a explosão de luminosidade da abertura de saída. A história conta que no século XIX havia uma significativa população escravizada no Ibitipoca. Uma das consequências da escravidão, foi o surgimento de quilombos, que foram formados inclusive dentro de grutas. Foi o caso da impactante Gruta dos Fugitivos que, pela grandiosidade, mostra ter sido um abrigo seguro.
Ao final da subida, surge o encanto que é o Pico do Cruzeiro que, como o nome indica, abriga uma cruz. Diante de tanta beleza, de uma luz radiante e na companhia de boas pessoas, de gente do bem, é necessário renovar a fé e agradecer. Do alto, a mais de 1.780 metros de altitude, contempla-se o Pico do Pião e todo o vale do Rio do Salto. É uma vista emocionante.Porém, o impacto em beleza do visual segue surpreendendo caminho adiante até a chegada no Pico da Lombada, o ponto culminante do PEI, a 1.784 metros de altitude. Tempo para mais ensaios fotográficos e instantes de emoção para o nosso grupo. Da Lombada, a visão da paisagem é em 360º e avista-se grande extensão da Serra da Mantiqueira, o vale do Rio Grande e toda a área do Parque Estadual do Ibitipoca. Mais uma vez: é um cenário de indescritível beleza.
O ápice do circuito ainda estava por vir seguindo caminho adiante. A Janela do Céu talvez possa ser explicada como uma síntese de todas as belezas naturais existentes no Ibitipoca. Após descer a inclinada trilha, uma escadaria de madeira ajuda no acesso à parte interna do acidente geográfico natural.
Em primeiro lugar, a formação rochosa lembra uma gruta; as águas límpidas do Rio Vermelho têm uma tonalidade de cor puxada para o dourado; essas águas, poucos metros à frente, desabam em um colossal precipício; por fim, é difícil descrever a vista das montanhas pela janela que se abre ao céu. É um lugar esplendoroso. Muitas fotografias, banhos, contemplação, tudo ao mesmo tempo naquele instante. Inesquecível.
O atrativo seguinte, já no retorno e após mais alguns trechos de caminhada e uma trilha em descida relativamente forte, é a Cachoeirinha, uma queda d’água de 35 metros caprichosamente esculpida pela natureza. É impossível não se encantar pelo recanto. As águas surgem lá de cima, espraiadas pelo vento, e formam uma charmosa praia em torno de um poço raso. Outros raros instantes contemplativos, mais mergulhos e uma luz de final de tarde perfeita para fotografar.
Depois de desbravar o encantador Circuito Janela do Céu, o retorno à portaria do parque exigia mais algumas horas de caminhada. A tarde findava, o cansaço surgiu, mas o encantamento permanecia. O nosso grupo voltava feliz, mais próximo, quase íntimo, dentro daqueles momentos juntos nas trilhas.
No meio do caminho, a noite caiu. O céu estrelado tornou-se fascinante. Ao lado da querida amiga, só me restava falar sobre algumas coisas que a leitura assídua sobre astronomia me ensina. Ela, como uma ótima ouvinte, seguia atenta, caminhando com leveza, se interessava pela dinâmica dos astros e, como sempre, argumentava com inteligência. Assim continuamos até o ponto final do Circuito Janela do Céu.
Findava-se uma inesquecível viagem dentro das fronteiras do Parque Estadual do Ibitipoca. E aqui, nas fotos desta reportagem, algumas imagens que ilustram o que foi essa nossa verdadeira jornada.