Pampulha: patrimônio universal, tesouro da humanidade

Pampulha

Patrimônio universal, tesouro da humanidade

O status de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco reafirma a grandiosidade do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, que deverá seguir uma série de recomendações para fazer jus ao título.

Reportagem : Sâmia Bechelane
Fotos : Rogério Alves Dias

O dia 17 de julho de 2016 vai ficar eternizado na história de Belo Horizonte. Nessa data, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha foi eleito Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), passando a compor um seleto grupo de 814 sítios culturais no mundo e 13 no Brasil. Considerado uma das obras-primas do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012), ele se junta a três outros bens culturais do estado também declarados patrimônios: o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo; a cidade histórica de Ouro Preto; e o Centro Histórico de Diamantina. Minas Gerais permanece sendo o estado brasileiro com maior número de patrimônios culturais mundiais.

Inaugurado em 1943, o conjunto reúne o Museu de Arte da Pampulha (antigo Cassino), o Centro de Referência em Arquitetura, Urbanismo e Design de Belo Horizonte (antes, Casa do Baile), o Iate Tênis Clube (antigo Iate Golf Clube) e a Igreja São Francisco de Assis, carinhosamente chamada “Igrejinha da Pampulha”. Espelho d’água com 18 quilômetros de contorno, a lagoa da Pampulha confere unicidade e harmonia ao conjunto, que conta também com pistas para ciclismo e caminhada e jardins caprichosamente desenhados pelo paisagista brasileiro Roberto Burle Marx (1909-1994).

Enquanto os outros bens tornados patrimônio em Minas Gerais são tipicamente barrocos, o conjunto é uma das pérolas da arquitetura moderna da primeira metade do século XX. Mas Niemeyer foi além: atualizou o estilo arquitetônico “por dentro”, como explica o arquiteto Carlos Antônio Leite Brandão: “o Conjunto da Pampulha se desvia da banalização da arquitetura naquele momento, através das formas, da relação da estrutura com a forma, da relação com a paisagem e das fontes de inspiração. Ele bebe em uma fonte diversa, que renova o modernismo”, destaca Carlos Antônio, que é professor de História, Teoria e Filosofia da Arte e da Arquitetura da UFMG.

Os quatro elementos

Curiosamente, a genialidade avant-garde de Niemeyer buscou nas origens o substrato da originalidade. No caso da Pampulha, talvez a igreja na orla da lagoa seja a maior prova disso. Misto de simplicidade e sofisticação, ela rompe com estilos tradicionais de templos católicos, ao mesmo tempo em que guarda inspiração nas primitivas capelas barrocas construídas durante o ciclo do ouro em Minas.

Há quem diga que a sequência de quatro abóbadas que compõem o teto é uma alusão às montanhas do estado, que terminam por fundir parede e cobertura.  Outros destaques são as obras de arte do então jovem pintor brasileiro Cândido Portinari (1903-1962), integradas ao rodapé, ao púlpito, aos quadros da Via Sacra e a um altar em que figura um imponente e descarnado São Francisco de Assis. Na área externa, o artista “aplica uma pintura-mural, modernista, com peixes, bandeirolas, cachorros e o santo, humanizando o sagrado e o inatingível”, descreve o arquiteto Sylvio de Podestá.

Amplos salões envidraçados e painéis de Portinari e Burle Marx são a marca do Iate Tênis Clube, cujo teto em ‘V’ lembra as asas de uma borboleta. Inicialmente chamado “casa-barco”, o prédio remete à proa de um navio lançando-se sobre as águas da lagoa. Menos de 700 metros à direita, sobre uma ilha artificial, está a Casa do Baile, que impressiona pela simplicidade requintada. Um amplo salão circular, afim aos costumes “valseiros” da época, combina-se a uma marquise externa curvilínea, contornados por jardins e ligados à calçada por uma ponte. Dali, obtêm-se sensacionais ângulos de contemplação do espelho d’água e de outros elementos do conjunto.

Imponente e solitário na margem oposta da Lagoa, o antigo Cassino é, nas palavras de Sylvio de Podestá, “uma mistura de racionalismo no salão principal, somado à mão solta e sem censura do arquiteto que produz o anexo e ondulante salão de festas”. Grandes rampas e paredes espelhadas também são a marca do prédio.

Em todos os edifícios do conjunto, é notória a liberdade criativa de Niemeyer, que tem as curvas “livres e sensuais” como marca registrada. Parte dessa ousadia só foi possível devido ao concreto armado que revolucionou a arquitetura do século XX. O arquiteto declarava-se fã incondicional dessa junção de concreto com estrutura interna de aço, que permite sustentação e, ao mesmo tempo, liberdade estilística. Em um mundo que ainda valorizava o ângulo reto, era de forma sinuosa que o “poeta do concreto” escrevia seus trabalhos.

Ares modernos

Foi o então prefeito da cidade, Juscelino Kubitscheck, quem encomendou a Oscar Niemeyer a construção do Conjunto Arquitetônico da Pampulha. A jovem Belo Horizonte havia saído há pouco mais de quatro décadas da condição de Curral del Rey para substituir Ouro Preto como capital de Minas Gerais. O espírito moderno de JK, que depois viria a cunhar toda a trajetória política do político, já se manifestava por meio da criação de redes de eletricidade e telégrafos, da abertura de novas avenidas e de outras intervenções urbanas. Ao mesmo tempo, os subúrbios da cidade cresciam de forma desordenada, não previstos na Belo Horizonte projetada pelo engenheiro e urbanista Aarão Reis no final do século XIX.

A região onde hoje está o conjunto era uma dessas regiões, abrigando também uma represa que abastecia a capital. JK vislumbrou ali a oportunidade de propiciar mais um espaço de lazer para a então nascente sociedade belo-horizontina, além de dar à cidade ares cosmopolitas e modernos, renovando o já decadente art decô na arquitetura. Outra promessa era o desenvolvimento do eixo norte da capital. “A modernidade da Pampulha coincide com a modernidade pensada para Belo Horizonte, para o século XX”, observa Carlos Brandão. Juscelino ofereceu ao jovem e promissor Oscar Niemeyer liberdade irrestrita para ousar.

As obras iniciaram-se em 1941. Dois anos depois, o conjunto era inaugurado, despertando as mais variadas reações na comunidade belo-horizontina e também na internacional: deslumbre, admiração e repulsa, especialmente por parte da comunidade católica. No livro Belo Horizonte – Do arraial à metrópole, o jornalista José Maria Rabêlo conta que o então arcebispo metropolitano de Belo Horizonte recusou-se a sagrar a Igrejinha, sob o argumento de que a arquitetura moderna não se adequava aos cultos católicos. Houve quem “demonizou” JK e Niemeyer ou mesmo sugeriu a demolição do templo, que só foi finalmente sagrado em 1959 e passou a pertencer à Arquidiocese de Belo Horizonte.

Com a proibição dos jogos de azar no Brasil, o Cassino foi fechado em 1946 e reaberto somente em 1957, dando lugar ao Museu de Arte. A medida também afetou a Casa do Baile, que encerrou as atividades em 1948. Desde então, o prédio alternou períodos de fechamento e de utilização comercial até 2002, quando se converteu em Centro de Referência do Urbanismo, Arquitetura e do Design. Já o Iate Clube, privatizado ainda no início dos anos 1960, construiu um anexo com academia, salão de beleza e estacionamento, totalmente destoante da harmonia do conjunto.

Esvaziamento

Mais de 70 anos separam a inauguração e a eleição do conjunto como Patrimônio Cultural Mundial. Nesse período, a dinâmica socioespacial de Belo Horizonte experimentou grandes transformações. Houve um crescimento em direção ao chamado Vetor Norte da cidade, com a construção de grandes vias de acesso e a instalação de equipamentos de porte, como a Universidade Federal de Minas Gerais, estádios esportivos e aeroporto.

Na esteira da mudança, a Pampulha assiste a problemas de mobilidade urbana e à urbanização desenfreada e sem planejamento. Em meio a tudo isso, o Conjunto Arquitetônico vive “a eterna luta entre desleixo e conservação”, nas palavras do arquiteto Sylvio de Podestá, que menciona também a Casa do Baile, “por muito tempo jogada às traças”, e a ausência de uma gestão eficiente das águas da lagoa — cuja grave poluição é, sem dúvidas, a principal mancha do conjunto.

Para o também arquiteto e presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, a Pampulha viveu um esvaziamento. “O grande movimento que temos visto agora por lá é algo inusitado. Digo isso com muita clareza: a preservação da Pampulha deve-se muito mais aos belo-horizontinos que ao poder público. Foi a população quem brigou para não deixar verticalizar a região, para cuidar da lagoa; é ela quem vê um equipamento degradado e denuncia”, exemplifica. Na visão do gestor, o local se “esvaziou” principalmente devido à poluição da lagoa e aos problemas derivados disso, como o mau cheiro e o visual desagradável do espelho d’água.

Plano de intervenção

Em que pesem essas questões, a Pampulha nunca deixou de ser um dos mais reconhecidos cartões-postais de Belo Horizonte, encanto para moradores e atrativo obrigatório para os turistas. Em 1996, o conjunto foi inscrito pelo governo federal na Lista Indicativa Brasileira para o Patrimônio Mundial, um inventário de bens naturais ou culturais elencados pelo país e que poderão ser submetidos à inscrição como patrimônio. Em dezembro de 2012, a gestão municipal de BH decidiu dar continuidade ao processo e formou uma comissão de técnicos para elaborar o dossiê de candidatura solicitado pela Unesco.

Durante esse período, a cidade recebeu a visita de técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), que auxilia a Unesco na avaliação dos bens candidatos à lista. Com mais de 500 páginas, em 2014, o dossiê foi definitivamente entregue para apreciação da Unesco, que, no ano seguinte, aceitou oficialmente a candidatura belo-horizontina à lista. Uma nova missão da Icomos na capital pediu a inclusão de um plano de intervenção para o conjunto no dossiê. Em 2015, foi emitido um parecer favorável à elevação da Pampulha a Patrimônio Cultural da Humanidade. A eleição definitiva aconteceu em 17 de julho de 2016, durante a 40ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, em Istambul, na Turquia.

Recomendações

Para que um sítio seja declarado Patrimônio Mundial da Humanidade, é preciso demonstrar que ele é um bem de valor excepcional e universal. São observados dez critérios estabelecidos pela Convenção do Patrimônio Mundial da Unesco, de 1972, e a candidatura deve destacar ao menos um deles. A coordenadora de Cultura da Representação da UNESCO no Brasil, Patrícia Reis, explica que o Comitê reconheceu o valor da Pampulha devido a três parâmetros: por representar uma obra-prima do gênio humano criativo; por exibir intercâmbio de valores humanos que impactaram o desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, do urbanismo e do paisagismo; e, por fim, porque é um exemplar excepcional de um conjunto arquitetônico que ilustra um estágio significativo da história.

Junto desse reconhecimento, a decisão do comitê, na íntegra, traz um conjunto de recomendações para a melhoria do conjunto, que cabem especialmente à Prefeitura de BH. Elas estão divididas em ações de intervenção no espaço — a partir do plano já constante no dossiê —; incremento do plano de gerenciamento, incluindo uma estratégia de turismo; e fortalecimento de iniciativas já existentes. “Já sabemos o que deve ser feito, inclusive porque mencionamos no dossiê. Em nenhum momento, omitimos problemas para a Unesco. Explicamos que a água tinha problemas e dissemos o método de limpeza, por exemplo”, argumenta Leônidas. Embora esteja à disposição para apoiar os municípios, a Unesco não oferece nenhum tipo de financiamento para as obras.

Uma das ações previstas pelo documento é a restauração do prédio e do design original do Iate Clube. O Ministério Público está mediando as negociações entre a prefeitura e a administração do local para a retirada do anexo. Segundo Leônidas, a administração do espaço consentiu com a reforma, e o projeto executivo de demolição está pronto. Além disso, a praça Dino Barbieri, em frente à Igrejinha, deverá ser redesenhada, para refletir o projeto original de Burle Marx — tarefa que, de acordo com o presidente da FMC, está a cargo do Iphan.

Outra ação que deverá ser executada é a restauração da entrada original da Casa do Baile. Nesse caso, a fundação aponta a restauração recente já feita no espaço e a necessidade de outras adequações, como a limpeza da fachada e a reparação de infiltrações. A Igrejinha da Pampulha não é mencionada na decisão da Unesco como elemento a ser reformado.

Recuperação das águas

Mas o maior desafio diz respeito à recuperação da lagoa. A recomendação da Unesco orienta a “melhorar a qualidade da água da lagoa para padrões recreativos” — o que, na prática, corresponde ao nível 3 estabelecido pela resolução 375/5 do Conselho Nacional de Meio Ambiente; essa classificação permite o abastecimento para consumo humano após tratamento, a irrigação, a pesca amadora, a dessedentação de animais e a recreação de contato secundário — como iatismo e outros esportes náuticos.

Somente em março deste ano, a prefeitura deu início aos trabalhos de recuperação da qualidade da água, que estão sendo conduzidos pelo consórcio de empresas Pampulha Viva, formado por CNT Ambiental, Millennium Tecnologia Ambiental e Hydroscience. O objetivo das ações é livrar a lagoa da floração de algas, maus odores e mortandade de peixes.

O processo envolve o lançamento de dois produtos na lagoa. Um deles é o Phoslock, que visa eliminar o fósforo da água – a presença desse elemento químico é resultado do esgotamento sanitário despejado na lagoa e alimenta as algas – e controlar a reprodução de cianobactérias. O segundo, Enzilimp, será utilizado para degradar o excesso de matéria orgânica que consome oxigênio e impede a proliferação de flora aquática. Ele também deverá reduzir coliformes fecais. De acordo com informações da prefeitura, o consórcio tem até janeiro de 2017 para atingir a classe 3 das águas. A segunda etapa dos trabalhos consiste em manter esse nível por, no mínimo, 12 meses. O impacto dessas ações para os cofres públicos é de R$ 30 milhões.

Ainda segundo a prefeitura, em 2014, haviam sido retirados da lagoa 850 mil metros cúbicos de sedimentos. E, diariamente, são retiradas 7,5 toneladas de resíduos do espelho d’água. As ações integram o Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha (Propam). Para assegurar a manutenção delas, a prefeitura também prometeu um edital de licitação para o segundo semestre de 2016, prevendo a retirada de 115 mil metros cúbicos por ano.

Tratamento de esgoto

Além de recuperar as águas já poluídas da lagoa, é fundamental impedir que o esgoto chegue ao manancial. Esse é hoje o principal poluente do espelho d’água, que recebe parte do esgotamento sanitário gerado pelos imóveis dos cerca de 170 bairros na bacia contribuinte da lagoa da Pampulha em Belo Horizonte e Contagem.

Segundo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), responsável pelo tratamento do poluente, 90% desse esgoto deverá ser coletado, interceptado e tratado até dezembro de 2016. A entidade aguarda a conclusão de obras para implantação das redes coletoras e interceptoras do Programa de Despoluição da Lagoa, com ações em Belo Horizonte e Contagem. Outra meta é atingir 95% de coleta até abril do próximo ano, o que depende da implantação de mais redes e da interligação de 10 mil imóveis ao sistema de esgotamento sanitário.

De acordo com a Copasa, são 10.700 imóveis em Belo Horizonte e Contagem ainda não conectados ao sistema, embora estejam localizados em ruas dotadas de rede de esgoto. Segundo a companhia, não há instrumento legal que obrigue o cliente a interligar seu imóvel à rede, e uma alternativa tem sido desenvolver ações de educação ambiental para sensibilizar a população sobre os benefícios da coleta e do tratamento de esgoto.

A Copasa afirma que qualquer ação para aumentar o percentual do esgoto coletado demanda, necessariamente, ações conjuntas com os municípios de Contagem e Belo Horizonte.

Turismo cultural

A decisão também recomenda a adoção de uma estratégia turística para o conjunto. Como lembra Patrícia Reis, da Unesco, o título de Patrimônio Cultural da Humanidade é uma oportunidade ímpar: “isso pode fortalecer estratégias voltadas ao turismo cultural e à educação patrimonial, além de conferir muitas possibilidades de obtenção de recursos”. Leônidas Oliveira afirma que já estão em uso[c2]  10 mil maquetes da igrejinha, de maneira a promover a educação para o patrimônio. Ele também cita a formação de 250 professores para o desenvolvimento de ações de educação patrimonial junto a 10 mil estudantes.

Os números demonstram o potencial do conjunto: no domingo em que o título foi anunciado, o Museu de Arte da Pampulha registrou quase cinco vezes mais visitantes que no domingo anterior, saltando de 517 para 2.839. A Casa do Baile também registra um aumento da média de visitantes durante os fins de semana.  Gustavo Mendicino, diretor de Promoção Turística da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), aposta na potencialização da cadeia turística nesse novo momento da cidade.

“Criamos o Fórum de Negócios e Eventos, que toma atitudes práticas para que hotelaria, restaurantes, entidades de comércio, agências de viagem e todo o restante da cadeia produtiva pensem em como esse turista pode ser absorvido economicamente”, destaca. O gestor também menciona incentivos diretamente junto à cadeia de hotéis e restaurantes, bem como a criação de uma rede que interliga os principais atrativos turísticos da capital.

Com relação à mobilidade, a Belotur promete lançar, em 90 dias, um Procedimento de Manifestação de Interesse (tipo de parceria público-privada) para implantação de um ônibus turístico “retrô, nos moldes da década de 1950”, conforme Gustavo Mendicino , para a região, com tarifa especial. Também está previsto um ônibus comum circulando na orla, conectado ao BRT-Move e a cargo do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de BH (Setra). Outra promessa é o transporte aquático de um ponto a outro do conjunto, em referência aos usos náuticos da lagoa na década de 1940.

Integração

Três dos quatro Patrimônios Culturais da Humanidade localizados em Minas estão em um raio de apenas 100 quilômetros. Patrícia Reis, da Unesco, chama a atenção para a potencialidade de se criarem circuitos turísticos entre esses sítios, fortalecendo a vocação das cidades e fazendo da cultura também uma estratégia de desenvolvimento local. “Tudo isso sem promover o turismo desenfreado, com muita estratégia e cuidado”, adverte. Gustavo Mendicino diz que será preciso uma articulação junto a agências receptivas e emissivas, de maneira que ofereçam pacotes regulares que contemplem esses locais. Por enquanto, diz o gestor, o trajeto Belo Horizonte-Congonhas-Ouro Preto, acrescido pelo Instituto Inhotim, será a aposta principal da Belotur.

Perspectivas

Em dezembro de 2017, a Prefeitura de Belo Horizonte deverá apresentar à Unesco um relatório sobre a implementação de todas as recomendações feitas pela entidade. O documento será apreciado pelo Comitê durante a 42ª Sessão, em 2018. Caso o órgão avalie que elas não foram plenamente atendidas, o país recebe novas recomendações e, caso novamente não as cumpra, o sítio poderá compor a Lista do Patrimônio em Perigo. “A pior situação é perder o título, mas isso é bastante raro de acontecer”, explica Patrícia Reis, da Unesco. Até hoje, só dois sítios no mundo perderam os títulos.

A eleição da Pampulha também reacende a discussão sobre o entorno do conjunto e a dinâmica da própria capital. Para o jornalista, escritor e idealizador do projeto Sempre um Papo, Afonso Borges, BH é uma cidade de serviços e, sendo assim, deve contar com atrações turísticas e culturais. “É uma megalópole, imensa, cheia de problemas. A Pampulha, reconhecida como Patrimônio da Humanidade, vem arejar nossa história”, acrescenta. Na opinião do músico e compositor mineiro Juarez Moreira, a cidade deve fazer jus ao título: “a Pampulha foi deixada de lado durante todas essas décadas e conseguiu sobreviver a forças bárbaras do mercado e a um entorno que nunca foi preservado antes. Por si só, isso já confere a essa obra solitária uma força tremenda”, avalia.

Na visão do médico psiquiatra Arnaldo Madruga, o título atesta a representatividade da obra. “Costumamos pensar que apenas obras historicamente centenárias ou milenares merecem destaque e proteção, mas a verdade é que esse título é dado a obras escolhidas como representativas, marcantes, fundamentais para o registro de uma época específica. A Pampulha resume o que poderia ser mais ousado e visionário na arquitetura, no paisagismo e na arte modernista dos anos 1940”, ressalta o médico, frequentador da Pampulha desde a adolescência.

Outras pessoas sugerem que, neste momento, sejam realçados elementos históricos importantes ligados ao conjunto. “A igrejinha foi o primeiro templo religioso projetado por Niemeyer. Agora, está em construção a Catedral Cristo Rei, o último projeto de igreja assinado pelo arquiteto, um homem que se dizia ateu. Ele começou e terminou aqui, fechou um ciclo. Esse é um fato histórico”, comenta a empresária e presidente do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, Ângela Gutierrez, em referência ao templo que está sendo erguido em terreno na avenida Cristiano Machado, no bairro Juliana, região Norte de Belo Horizonte.

O psiquiatra Arnaldo Madruga reconhece o valor sociocultural do título, mas chama a atenção para a responsabilidade inerente a ele. “A questão mais importante é sobre ‘o dia seguinte’. O título pretende avisar aos responsáveis pela administração e, especialmente, aos frequentadores, que eles precisam zelar mais pelo local. O prêmio é um aviso, uma mensagem, um alerta para estimular a proteção, e não uma garantia ou um prêmio para quem visita o conjunto”, destaca Madruga.

Para o arquiteto Sylvio de Podestá, o título soa principalmente como um alerta: “a Pampulha nunca mais poderá deixar de ser cuidada”. O arquiteto Carlos Antônio Brandão acredita que a região da Pampulha, sendo um “prefácio da zona norte da capital”, tem capacidade para constituir outras centralidades afora o Hipercentro de BH. “Precisamos fazer da Pampulha um lugar voltado não exclusivamente ao turismo, porque isso a empobrece. Ela deve ser multifuncional. Os espaços da cidade devem abrigar múltiplas funções, uma mistura de usos. É isso que dá sua riqueza”, reflete. O professor também observa que o status de patrimônio mundial afirma a dimensão pública da obra, que, como tal, deverá ser tratada. “A cidade é um bem maior, então, interesses privados devem estar a serviço dela”, pontua.

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