O encontro de dois imensos rios, o Negro e o Jaú, é o marco principal do Parque Nacional do Rio Jaú (localizado entre os municípios de Novo Airão e Barcelos, Amazonas), que conserva uma área de mais de 272 milhões de hectares, o mais extenso do Brasil. O Parna do Jaú protege uma região de exuberantes belezas naturais, de rara biodiversidade e possui um vasto acervo de atrativos turísticos.
Por Cezar Felix (texto e fotos)
A propósito das embarcações, chamou a atenção uma espécie-de casa barco ou residência flutuante, morada de uma família de pescadores — incluindo, além dos adultos, idosos e crianças —, que parece ser nômade.
A viagem segue ainda mais fascinante quando se aproxima o destino final, a barra com o Rio Jaú, especificamente a base flutuante Carabinani, do Instituto Chico Mendes – ICMbio.
É sublime o visual do encontro dos dois grandes rios, desenho lindo da natureza que é o marco principal dos domínios do Parque Nacional do Rio Jau.
Fundado em 1980, o Parna do Jaú localiza-se entre os municípios de Novo Airão e Barcelos, e ocupa uma área de 2.272.000 de hectares — o mais extenso do Brasil e o segundo da América Latina. O nome da Unidade de Conservação é inspirado no maior peixe de água doce brasileiro, chamado pelos índios de ya’u, no idioma tupi.
Grande número de habitats
Conforme informa o sítio do ICMbio,“trata-se do único parque do Brasil que protege praticamente a totalidade da bacia hidrográfica de um rio de águas pretas, o Rio Jau. Os seus limites são demarcados pela bacia hidrográfica do Rio Jaú e estendem-se até as águas do Rio Carabinani, ao sul, e as dos rios Unini e Paunini, ao norte. O Rio Negro forma o limite leste do parque”.
O cenário inebriante do Jaú guarda uma riquíssima biodiversidade, cuja importância é sem precedentes, pois abriga exemplares da fauna e da flora ainda desconhecidos pela ciência. “Um dos fatores responsáveis pela ocorrência de tantas espécies”, é o grande número de habitats existentes do Parna, como esclarece o ICMbio.
Patrimônio Mundial Natural
Pelo valioso conjunto natural que conserva ainda protegido, o Jaú foi reconhecido como Sítio do Patrimônio Mundial Natural e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e integra o Sítio de Ramsar Rio Negro.
“O parque também faz parte do Corredor Central da Amazônia e é uma das reservas mais representativas da flora e fauna das bacias de águas pretas na Amazônia Central”, registra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Para se ter uma ideia da relevância da natureza do lugar, existem 263 espécies de peixes e 400 de plantas devidamente catalogadas. Dos peixes (destaque para o tucunaré, tambaqui, pirarucu e, é claro, o jaú), a maioria era completamente desconhecida pela ciência.
Florestas tropicais úmidas
Da flora, é preciso destacar a importância da vegetação encontrada somente nas áreas inundadas, ou seja, restrita ao ecossistema do lugar. Por esta razão, é que o Parque Nacional conserva e protege uma imensa área totalmente formada por florestas tropicais úmidas contínuas — uma das mais extensas do mundo, além de conservar quase que a totalidade da bacia hidrográfica do Jaú (um rio com 450 km de extensão), que também tem as águas pretas.
Mãe das árvores
A região que engloba o parque é constituída por sete diferentes tipos de vegetação, inseridos dentro do ecossistema florestas ombrófilas — densas ou abertas, também conhecidas como florestas tropicais fluviais — e das campinaranas. Das árvores, destacam-se o macucu do igarapé, a macacarecuia — considerada a árvore mais antiga da Amazônia — e a fabulosa sumaúma, também chamada de mãe das árvores, árvore da vida e escada do céu, uma das maiores da floresta amazônica — podendo chegar a 50 metros de altura por 2 metros de diâmetro. Há ainda nas áreas inundáveis das margens dos rios e as espécies açaizeiro e palmeira. Nas maiores altitudes estão o amapá-doce, a jarana, a mangarana, castanheira-do-pará, a maçaranduba, o angelin-rajado e a sucupira.
Da fauna, destacam-se os mamíferos de hábitos noturnos como a onça parda (suçuarana), jaguatirica e o gato do mato, além das espécies ameaçadas como a ariranha, o peixe-boi-da-amazônia, o maracajá-peludo e a onça pintada. Das aves, é grande a variedade de bacuraus, garças, papagaios e araras. A UC também é morada de lontras, jacarés, tartarugas, jabutis e das gigantescas cobras sucuris.
Formação geológica
Para salientar ainda mais a incomensurável riqueza do Parque Nacional, é preciso chegar à história da formação geológica da região da bacia hidrográfica do Rio Jau. Ela está assentada em formações geológicas antigas que têm entre 100 e 500 milhões de anos. Já as mais recentes formações somam entre 2 e 6 milhões de anos.
Essa descrição é para explicar a presença de magníficos sítios arqueológicos e inscrições em pedras, os chamados Petróglifos, localizados quase no encontro entre o rios Negro e Jaú, na margem esquerda. Petróglifo tem como conceito a gravação feita sobre as pedras na pré-história. Os homens pré-históricos trabalhavam nas rochas para deixar certas marcas, pois era uma maneira comunicar uns com os outros, além de deixar marcada a presença deles sobre as pedras.
Sítios arqueológicos rupestres
Os Petróglifos são caracterizados como sítios arqueológicos rupestres ribeirinhos, graníticos ou areníticos. Presume-se que as marcas são de origem indígena, pré-colonial. Os sítios são objetos de estudos e pesquisas, mas na tradição oral da região, conta-se que os índios levavam muito em conta a beleza da vista proporcionada pelo lugar escolhido como morada. Ou seja, eles sabiam bem o que queriam.
Os encantos do Parna do Jaú começam pelo belo anoitecer. O crepúsculo forma luzes incríveis e parece tingir as águas do rio de um azul profundo. Quando a noite cai, em época de lua nova, e se o vento soprar de modo a limpar a bruma úmida produzida pela transpiração da floresta, surge o céu estrelado, de deslumbrante magnitude. É impossível não ficar horas a fio observando extasiado as constelações e as incontáveis estrelas cadentes.
Trilhas aquáticas e terrestres
Na luz do dia, principalmente na época de estiagem, formam-sepraias nas margens do Rio Negro como as da Enseada, do Boi, da Velha e a Maquipana, a maior delas. Como é comum na região, o contraste entre as águas escuras e as areias brancas pintam um cenário encantador. Melhor ainda são os banhos nas águas quase mornas e o fato de ter em volta uma paisagem de sonhos.
Por meio de um plano de uso público do Parque do Jaú, foram criadas trilhas aquáticas e terrestres que são manejadas pelas operadoras e pelos guias turísticos. Em comum entre elas, é qualidade dos passeios, que garantem momentos de intenso encantamento para quem ama a natureza. As trilhas proporcionam um contato de extrema proximidade com o meio ambiente de uma floresta tropical úmida. É uma experiência absolutamente inesquecível. É muito difícil que não se estabeleça novos conceitos na vida, incluindo novas opiniões, após conhecer de perto uma minúscula porção do que a Amazônia pode desvelar.
Das aventuras pelo parque, o ICMBio explica as possibilidades: “de trilhas curtas às de longo curso, é possível adentrar a floresta Amazônica e apreciar a beleza de cada detalhe, na ansiedade de avistar animais, encontrar árvores gigantes e de mergulhar nas águas de pequenas cachoeiras. O parque possui um sistema de trilhas que busca atender as expectativas dos diferentes perfis de visitantes. Esse sistema integra o Caminho do Rio Negro, que está em estruturação para ligar as unidades de conservação do Baixo Rio Negro”.
Observação dos Petróglifos
Das trilhas aquáticas, uma imperdível é justamente a que leva à observação dos Petróglifos. “O Parna do Jaú possui um rico patrimônio arqueológico, principalmente nas proximidades da boca do Rio Jaú, tanto no Rio Jaú como no Negro. Também é possível encontrar uma área com vários registros no entorno imediato do parque”, reforça o ICMbio.
Como só é possível chegar lá de barco, a visita só pode ocorrer na época da seca.
“Por ser um patrimônio frágil, os visitantes devem tomar cuidado para não bater com as embarcações nas gravuras nem as tocar” alerta a instituição, que acrescenta: “é possível percorrer os sítios de Petróglifos numa trilha aquática de 31 km, passando ainda por áreas de praias e no meio de ilhas”.
Poderes mágicos
Dos caminhos por terra, que só podem ser alcançadas de barco, as trilhas mais curtas são as que levam para as esplendorosas árvores sumaúmas. São duas delas: a Sumaúma da Enseada, de 150 metros de percurso, e Sumaúma da Base, com cerca de 1 km.
A descrição sobre as gigantescas árvores torna-se irrelevante de tão belas. O melhor mesmo a fazer é observar as fotos aqui publicadas. A altura delas (dos exemplares das trilhas) é de cerca de 50 metros e o diâmetro de tronco quase chega a 2 metros. A idade? É estimada em espantosos 600 anos.
“A mãe de todas as árvores” reúne propriedades medicinais nas folhas, cascas e nas raízes — que são chamadas de Sapobembas. Elas são usadas na comunicação pela floresta, pois caso sejam provocadas batidas nas estruturas de uma raiz, o eco se estende a grandes distâncias.
A copa é tão frondosa que observada do alto, a sumaúma aparece bem acima das outras árvores, se revelando como a matriarca da floresta.
Os povos da selva consideram a sumaúma uma árvore com poderes mágicos, inclusive porque ela protege não só todas as outras árvores como também todos os homens que moram na mata.
Extraordinária beleza
Outra trilha de extraordinária beleza, é a Trilha do Itaubal. O nome é em razão da presença da árvore Itaúba, cuja madeira de lei era (antes da criação do parque) muito usada na fabricação de canoas e de diferentes tipos de barcos. As fábricas eram instaladas em Novo Airão, antigo polo estaleiro do Amazonas.
O trajeto pelo Itaubal, de cerca de 6 km, revela detalhes impressionantes das formações florestais, com destaque para as árvores frutíferas que surgem pelo caminho. Daí, é só saborear deliciosas frutas como taperebá, açaí, cupuaçu e cacau. No final da trilha, o encantamento maior: surge a Cachoeira do Itaubal. A cachoeira desaba em uma ampla piscina natural de águas transparentes com tonalidade avermelhada que refletem a densa floresta em volta. O cenário é um deslumbre. Emocionante.
Com 2,5 percurso, a Trilha do Seringalzinho apresenta ótimas possibilidades para a observação da significativa variedade da flora, uma característica do lugar. O caminho chega pro fim em um extenso buritizal, abrigo de várias espécies de pássaros, ótima opção para os ‘birdwatchers’. Outro atrativo é a visualização de animais silvestres, que quase sempre aparecem pelo percurso.
Domínios do Carabinani
Na foz do Jaú, com 1 km, está a Trilha da Biodiversidade: é onde a atração é percorrer o castanhal. Como a castanha é um dos principais recursos extrativistas da Amazônia, é muito interessante conhecer como funciona este trabalho.
Além do imenso Rio Jaú, um outro curso d´água, também grandioso, deve ser considerado como um atrativo que precisa ser visitado. É o Rio Carabinani, dono de águas revoltas, formadoras de espantosas corredeiras e algumas pequenas cascatas próximas à margem esquerda. O conjunto natural dos domínios do Carabinani é paradisíaco e ainda proporciona banhos relaxantes debaixo das cascatas e a prática de esportes de aventura como rafting, canoagem e bóia-cross. Há ainda a Cachoeira do Rio Jaú, que também oferece as mesmas possibilidades de aventuras esportivas, incluindo o belo cenário. Porém, é mais distante.
Temporada da cheia
Especificamente para a temporada da cheia, o ICMbio informa que as trilhas aquáticas “são excelentes para o visitante percorrer de barco entre as árvores das ilhas inundadas do Rio Negro ou seguir pelas margens do Rio Jau. Destacam-se o Lago Santo Antônio, o Furo do Sabino, Igarapé do Gavião, Furo da Enseada, Igarapé Preto (está no entorno, mas com acesso pelo parque), e o Circuito Aquático da Cachoeira do Jaú, onde é possível o avistamento de grupos de macacos bicós e outras espécies nativas”.
Mais um programa de alta qualidade é a observação da fauna durante a noite, navegando pelos rios, igapós e igarapés. Ela acontece por meio da focagem (focos de luz apontados para os animais) dos exemplares da fauna de hábito noturno. O auge é quando é focado o estupendo jacaré-açu, o maior da espécie na América do Sul, que pode atingir 4,5 metros e pesar 300 kg.
Tree climbing e trekking
A escalada em árvores ou tree climbing é outra atividade do Parna do Jaú enumerada pelo ICMbio: “com o uso de técnicas de rapel, possibilita a observação de fauna e flora e da paisagem desde a copa das árvores de grande porte do parque. As sumaúmas são as principais atrações nessa atividade, e no Jaú se destacam quatro delas, sendo uma na Enseada, duas na Base e uma na Cachoeira. Para essa atividade, é necessário tratar com empresas especializadas de Manaus que contam com equipamentos específicos”.
Para os grandes aventureiros, e para os interessados em uma poderosa imersão dentro do ecossistema Amazônico, o Parque Nacional do Jaú apresenta o Trekking do Interflúvio: “é uma trilha de longo curso, de aproximadamente 60 km, que demanda 3 pernoites na floresta, em acampamento selvagem, com uso de rede e lona. A captação de água se dá diretamente em nascentes, sendo recomendado o uso de purificadores. Também é necessário levar fogareiros portáteis, pois é proibido o uso de fogueiras nessa área. É uma atividade que demanda planejamento e envolvimento de condutores da comunidade local, que conhecem bem o trajeto, assim como combinar o resgate do ponto final da trilha”.