Rodrigo Pederneiras, o mago das mutações do Grupo Corpo

Rodrigo Pederneiras

Entrevista

Rodrigo Pederneiras, o mago das mutações do Corpo

O Grupo Corpo comemora 40 anos de jornada, de estrondoso sucesso, tanto no Brasil quanto no exterior. Foi fundado em Belo Horizonte, no ano de 1975, pelos irmãos Pederneiras e por um grupo de profissionais dedicados à dança. Os pioneiros da companhia estão, na maioria, ainda juntos nessa jornada. A crítica de dança Helena Katz resume — em texto que está publicado no site oficial do Grupo — a importância desse grande símbolo da dança brasileira contemporânea: “Quando se vê o Grupo Corpo dançando, é como se as questões do trânsito entre a natureza e a cultura estivessem sendo bem respondidas. São os diversos Brasis, o passado e o futuro, o erudito e o popular, a herança estrangeira e a cor local, o urbano e o suburbano, tudo ao mesmo tempo sendo resolvido como arte. Arte brasileira. Arte do mundo”. Rodrigo Pederneiras, o coreógrafo do Corpo, é quem conta, na entrevista abaixo, um pouco dessa história de quatro décadas.

Por Cézar Félix
Fotos Eduardo Gontijo

— Para começar esta entrevista, o senhor acha que é possível sintetizar o que foram esses longos 40 anos de sucesso do Grupo Corpo?

— Nossa, é muito difícil, como sintetizar décadas? Bom, vamos lá, eu vou tentar. É importante dizer que, nesses 40 anos, existiram três fases do Grupo Corpo. Do balé “Maria, Maria” — com música de Milton Nascimento e roteiro de Fernando Brant, além de coreografia de Oscar Araiz, que ficou seis anos em cartaz, com o qual viajamos por 14 países — a “Último trem”, também dos três grandes artistas, o lado artístico era definido por pessoas convidadas por nós. Isso aconteceu entre os anos de 1975 e 1980. Nós convidávamos cenógrafos, figurinistas, inclusive os nossos queridos Milton, Fernando e Oscar. No início da década de 1980, porém, nós sentimos necessidade de fazer um trabalho por nós mesmos; eu assumi a coreografia, o Paulo (Pederneiras), que era diretor artístico desde sempre, assumiu a iluminação e, nos figurinos Freuza Zechmeister veio para o nosso o time, que também sempre contou com Fernando Velloso na cenografia. Durante a década de 1980, todos os trabalhos eram voltados mais para o neoclássico; tinham mais a ver com as músicas que a gente escutava, mais voltada para os clássicos, para o erudito. No final dos anos 1980 e início de 1990, nós sentimos outra necessidade — daí aconteceu o grande divisor de águas —, de fazer uma dança mais nossa, muito identificada com o nosso estilo, um jeito brasileiro de criar a dança, uma dança muito Grupo Corpo e uma dança essencialmente brasileira. Então, fomos à luta, pesquisamos bastante, estudamos incansavelmente, na busca de mesclar a técnica clássica muito forte do Corpo com as danças populares do Brasil, cujo objetivo era realizar uma transformação e criar uma dança contemporânea.

— Por acaso, essa transformação se deu a partir do “21”, um balé que muito me encantou?

— Pois é! A partir do balé “21”, houve um encontro com os compositores Marco Antonio Guimarães (do Grupo Uakti), autor da música daquele balé, e José Miguel Wisnik — aliás, eles são os músicos com quem a gente mais trabalhou — quando começamos a desenvolver um trabalho mais personalizado, uma marca nossa, um jeito nosso, o jeito Grupo Corpo de fazer dança — exatamente como a gente é identificado, nos vários países em que já fizemos apresentações, nas críticas e nas matérias que são publicadas. Isso permanece até hoje, um jeito único de fazer dança. Mas o que eu acho legal é que, ao longo dessas quatro décadas, tudo foi feito com muita parcimônia, muito lentamente, em fogo brando. Por isso, existe (e acontece) essa solidez característica do nosso trabalho.

— O fato de o Grupo Corpo ser formado por mineiros influenciou de alguma forma a trajetória artística da companhia?

— Acho que não. Inclusive, nós nunca nos preocupamos com essa qualidade de ser mineiro, de espelhar alguma mineiridade nas nossas criações — a não ser no mais recente trabalho, mas eu explico isso. A gente, na realidade, se preocupa é com a brasilidade; para cada balé, nós dependemos da música que foi encomendada; nós esperamos a música para depois criar a dança. O compositor pode criar o que quiser, pois essa liberdade de criação é muito importante, é fundamental para o nosso trabalho. Nós ficamos na “mão” dos compositores, no melhor dos sentidos. Não há nenhuma exigência, não existe algum pedido especial. Agora, o fato de o Grupo Corpo ter nascido em Belo Horizonte tem, sim, um grande diferencial. Se o Corpo tivesse nascido, sei lá, em outro grande centro, Rio de Janeiro ou São Paulo, talvez tivesse se dispersado, tivesse ido embora… Quando começamos, BH era uma cidade mais intimista, mais tranquila; dava pra se concentrar muito mais no trabalho. Trabalhávamos de 8 da manhã às 10 da noite, mas o almoço era em casa. Portanto, era perfeito para se se concentrar no trabalho, com a tranquilidade que a cidade proporcionava. Foi definitivo para a existência e a sobrevivência do Corpo ter continuado, e escolher continuar, em Belo Horizonte, até aqui e agora. Sobre esse mais recente trabalho, o Paulo resolveu: são 40 anos; desta vez, nós vamos fazer uma coisa muito mineira: uma mistura do Marco Antônio Guimarães e o Uakti com a Filarmônica de Minas Gerais; com o Samuel Rosa e o Skank. Coisas de que a gente gosta e em que acredita. A estreia do espetáculo, é claro, também (aconteceu) em BH! A ideia foi mesmo fazer uma comemoração totalmente mineira.

— Nesses 40 anos, mudou muita coisa na maneira de se administrar uma companhia de dança? O público também mudou?

— Mudou muito, mas muito mesmo. Posso dizer que a gente é responsável, em grande parte, por essa mudança. A única companhia particular que existia no país era o Ballet Stagium, de São Paulo. Todas as outras companhias eram oficiais, como Cia. de Dança do Palácio das Artes, do Municipal de São Paulo e do Rio, assim por diante. Nós criamos uma linha de trabalho que era muito nova, com “Maria, Maria”, inclusive graças a Milton, Fernando e Oscar, que foram de uma generosidade imensa. Nós aprendemos demais com eles. A partir daí, começou a acontecer uma transformação muito significativa no público, pois vieram muita gente jovem e pessoas que efetivamente descobriram a beleza da dança, gente que achava que não tinha motivação para ver um balé clássico, por exemplo. Portanto, acho que nós colaboramos, primeiro, no seguinte sentido: como administrar uma companhia de dança particular? Existe um método preestabelecido para administrá-la? Como administrar uma coisa tão nova, principalmente no Brasil? Nunca obedecemos a fórmulas, nós procuramos e seguimos a luta até encontrar o nosso jeito de trabalhar.   Formou-se, então — efetivamente —, uma companhia privada de dança. É claro que algumas pessoas saíram, mas o que ficou foi um grupo muito coeso, exatamente por causa desse jeito que encontramos de trabalhar; ele foi levado a cabo e deu resultado, afinal são 40 anos de êxitos, de sucesso. O lado artístico também foi fundamental, os métodos de trabalho, pois cada um sabe o que fazer e tem pleno domínio sobre a sua área. O Paulo, coordenador-geral, cuida da iluminação e da cenografia; a Freuza cuida dos figurinos, eu, da coreografia, e assim por diante, com cada profissional exercendo a sua função com competência e dedicação. O resultado é que existe um grande entrosamento, uma confiança imensa, tanto artística e profissional quanto pessoal. A pessoa trabalha em função do trabalho da outra, sempre em busca dessa unidade, em favor do grupo. Esconde-se um pouco do ego de cada um, porque é preciso abrir mão de algo em função do outro; um indivíduo em favor do todo, do trabalho do Grupo Corpo. Prezamos sempre a liberdade e a livre iniciativa em busca da excelência.

— Será que eu posso dizer que o Corpo se tornou um símbolo da cultura pop?

— Eu gostaria de saber, mas eu não sei… A gente tem um volume de público muito impressionante, tanto aqui quanto lá fora. Isso é muito legal, é espetacular, mas realmente eu não sei. Isso é com você!

— Como acontece o processo de produção dos balés?

— Até tudo ser finalizado, é uma loucura. Sempre existe um ajuste ou outro, nada fica completamente pronto. Agora mesmo, no balé “Dança sinfônica”, com Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, fomos para a cena com um figurino; na segunda noite, já foi outro e, na terceira, mais outro. E assim foi até acertarmos tudo. Aqui, no Corpo, as cordas são afinadas. Vamos ajustando tudo: luzes, cenografia, coreografia; as peças da engrenagem são todas reguladas, harmonizadas. São períodos muito tensos, intensos, mas são os melhores momentos. É um processo delicioso, é muito bom viver esse desafio e ver o resultado final até o aplauso do público.

— Como o senhor, que conhece muitos países, analisa o potencial que esta nossa terra tem para desenvolver o turismo?

— Minas Gerais tem um potencial incrível para o turismo, uma potencialidade impressionante. Esse estado tem de tudo: o patrimônio histórico, a arte e a arquitetura formam um conjunto maravilhoso; a natureza é privilegiada, existem muitos lugares paradisíacos e a gastronomia mineira é única, especial, peculiar, com comidas deliciosas. O artesanato tem muita originalidade, assim como o folclore e as manifestações populares são atrações riquíssimas em diversidade. Só que esse potencial é muito mal-utilizado, muito mal-planejado e muito mal-divulgado, principalmente lá fora. Minas Gerais poderia ter tantas condições de divulgar com qualidade, e de várias maneiras, principalmente no exterior, a sua vocação para o turismo.  Nós mesmos, do Grupo Corpo, que tanto viajamos, poderíamos ajudar a divulgar Minas no exterior; o Corpo poderia atuar como uma espécie de embaixador de Minas Gerais lá fora. No exterior, as pessoas conhecem o Rio de Janeiro, alguns conhecem as Cataratas do Iguaçu ou as praias do Nordeste. Pouquíssimos conhecem Minas Gerais e os atrativos turísticos completamente diferentes que só esse belo lugar pode oferecer. Uma coisa é muito clara para mim: quem conhece Minas fica fascinado. Os franceses, por exemplo, ficam fascinados.

— O que o senhor diz sobre a sua cidade, Belo Horizonte?

— Hoje eu sou muito feliz com Belo Horizonte. Se pensarmos de 20 anos atrás até os dias atuais, BH melhorou muito. Acho que voltou a ser uma cidade arborizada e agradável. Acho, no entanto, que precisa melhorar em certos aspectos, como a sinalização, que é de quinta categoria. E não é preciso despejar muito dinheiro, e sim saber utilizar os recursos com qualidade. A cidade sabe receber, as pessoas são ótimas anfitriãs. É muito grande a variedade de restaurantes e bares, temos a tradição dos botecos e a noite sempre efervescente. Além do mais, BH é um polo irradiador para as cidades históricas, para a Estrada Real e outras tantas atrações pelo interior afora.

— É inegável que a movimentação cultural de BH também evoluiu muito de uns 10 anos para cá…

— A vida cultural da cidade evolui demais, a cada ano que passa. Aqui existem eventos fantásticos, como o FID (Festival Internacional de Dança), o FIT (Festival Internacional de Teatro), os vários festivais de jazz, o festival de violão, as exposições de arte e tantos outros. Enfim, as pessoas criaram situações novas e sempre priorizam a qualidade. São produtos culturais do mais alto nível, criados pela livre iniciativa, por grandes empreendedores. Temos aqui o maravilhoso Grupo Galpão, o projeto “Sempre um Papo”, do Afonso Borges, as bandas mineiras como o Skank, o cenário da música independente e a nova geração arrebentando, à procura de lugar, na articulação em busca do próprio espaço. E temos, ainda, os novos e lindos teatros, como o Cine Theatro Brasil, o Teatro Bradesco e a incrível Sala Minas Gerais. São patrimônios fundamentais, um conjunto de realizações que, definitivamente, consagram Belo Horizonte como um importante centro, um polo cultural do Brasil.

— Vamos combinar que o Grupo Corpo representa muito bem Belo Horizonte!

— E não é que, após uma apresentação em Seattle (no estado de Washington, EUA), o crítico de um jornal local escreveu o seguinte: “Gaudí me fez querer conhecer Barcelona e o Grupo Corpo me faz querer conhecer Belo Horizonte”?

No final dos anos 1980 e início de 1990, nós sentimos a necessidade — daí aconteceu o grande divisor de águas — de fazer uma dança mais nossa, muito identificada com o nosso estilo, um jeito brasileiro de criar a dança, uma dança muito Grupo Corpo e uma dança essencialmente brasileira.

O que existe no Grupo Corpo é um grande entrosamento, uma confiança imensa tanto artística e profissional quanto pessoal. A pessoa trabalha em função do trabalho da outra, sempre em busca desta unidade, em favor do grupo.

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